*Bônus - Meados de 2135. Ethan!
Ethan
Sentei em minhas pernas e esperei, eu não entendi o que tio Anton queria com isso, mas mesmo assim eu o obedeceria, ele sabia o que fazia e isso eu tinha certeza. O tempo passava e só percebi quando minhas pernas ficaram dormentes.
Troque de posição me mantendo sempre de olhos fechados.
Soltei o ar de meus pulmões e prendi a respiração, podia sentir a força do meu coração batendo contra minhas costelas enquanto fazia isso. Era um som gostoso de ouvir.
Bocejei, foi mais forte que eu. Resolvi abrir os olhos e acompanhar o sol que se escondia nas folhas da arvore da mamãe, os raios alaranjados quentes como o fogo.
Como teria sido para ela ficar todo esse tempo longe de todos e ainda tendo de mandar suprimentos para cá? Será que ela tinha alguma lavoura escondida e de lá ela tirava o possível para nos alimentar? Ou será que ela apanhava escondido nas propriedades do rei?
"Não! Se fosse isso o rei teria colocado guardas escondidos para poder capturar ela, mamãe deve ter bolado um jeito, com toda certeza que sim."
Ouvi o farfalhar das folhas dançando com a brisa, estava tão perdido em pensamentos que me assustei quando algo tocou meu braço. Pela leveza do toque deve ser uma folha, sorri por meu susto momentâneo e olhei para meu braço, uma borboleta azul estava ali, tranquila como se eu fosse parte da natureza.
Sorri ainda mais.
"Eu sou parte da natureza! Sou fruto, sou parte desse mundo, assim como ela." Cogitei passar a minha mão, mas me segurei aproveitando o momento.
E assim como chegou ela se foi, livre pelo mundo aproveitando a brisa que a impulsionava.
Passei a mão pela terra e pensei em tudo o que aconteceu naquele dia. Há dois dias eu não tinha noção disso. Que poderia haver mais pessoas como eu, mas também não duvidava.
É bom saber que não sou uma aberração, sabia que tinha algo estranho em mim e sempre ignorei, me manter afastado, nunca foi difícil, os outros ajudavam não se importando. "Até poderia dizer que sou invisível."
"A vida é muito frágil! O tempo cobra o seu preço, de o seu melhor e nunca espere nada de ninguém, se você receber algo em troca contente-se por isso, se não, você fez sua parte. O tempo cobra seu preço". Tio Anton tem razão ao me dizer isso sempre.
As pessoas são egoístas e individualistas. As histórias que ouvi sobre minha mãe, me fazia pensar o quanto ela tinha se doado a todos, sem nunca esperar nada em troca, e nunca recebeu nada de ninguém. Nunca!
Soquei o chão pensando no quanto eu poderia ter aprendido com ela e com titio, mas eu não tive essa oportunidade, e nunca teria. "Eu paguei pelo preço que o mundo cobrou de mim, mas será que eu tinha que ter pagado um valor tão alto?"
Abri minha mão aos poucos e a retirei do chão, a passei pelos meus cabelos para diminuir minha frustração, olhei para as nuvens ralas, quando abaixo meu olhar um pequeno broto estava onde eu havia socado.
Como aquilo aconteceu? Delicadamente toquei na folha, e fiquei ali examinando ela. Como se tivesse vida própria ela começou a crescer e soltar botões, um a um àqueles botões se abria e lindas flores brancas tomaram seu lugar.
Sacudi minha cabeça na vaga ilusão de que aquelas flores desapareceriam, mas isso não aconteceu. Talvez eu seja o responsável, meu corpo comichava." Será que foi eu que fiz isso? Mas eu não fiz nada!" Um vulto chamou minha atenção para o arbusto ao meu lado. Levantei com cautela para averiguar e um passarinho saiu voando.
"Estou com fome!: Titio está demorando, acho que vou para casa apanhar algo e esperar ele por lá. Ele não ficaria bravo! Talvez eu tenha entendido o que ele queria. Mas estou com fome! Aaaaah! Vou lá.
Peguei o atalho e segui por ele, uma voz me fez parar onde estava, conhecia muito bem aquela voz.
- Não acho isso certo! - ouvi tio Anton dizer enquanto me aproximava do campo de treinamento - Todos estão acomodados, ninguém mais tem o físico e nem a agilidade necessária, os treinamentos decaíram! Se for mandado outro renegado ele vai morrer em poucos meses, isso com sorte.
- Conveniente você dizer isso, que os treinamentos estão fracos. - Melchior parecia raivoso - Justo quando você quer tomar esse posto, pois eu discordo, devemos mandar outro renegado sim!
- Eu estou dizendo que conseguimos avançar com os campos de plantio. - titio tentou novamente - Aqui cada um será mais necessário do que lá fora.
- Porque se incomoda tanto, você não tem filhos! Não tem com o que se preocupar, pode deixar que tiramos você da partilha do que o Renegado Provedor nos trouxer.
- Vocês não querem outro argumento! Porque me querem aqui?
- Aquela garota até que durou lá fora, quem sabe o bastardo dure o mesmo tempo!
- Nem por cima do meu cadáver vocês colocam um dedo se quer nele. - titio rosnou aquelas palavras me assustando.
- Você não escolhe e nem opina em nada! - Melchior parecia zombar de titio.
- É o que veremos! - titio estava furioso, nunca tinha o ouvido falar daquele jeito.
Recuei com cautela e sai correndo dali, não queria que me vissem, titio me protegeria, eu não deveria me preocupar, mas eu não poderia deixar tudo com ele.
"O que faremos agora?"
Entrei em casa e sentei no meu banquinho, fiquei ali encarando o teto, não demorou muito e titio entrou, olhei para ele que me encarava serio.
- Eu não disse para me esperar lá. - seus olhos eram duros mostrando o seu descontentamento.
- Eu estava com fome! - disse torcendo minhas mãos - E assim que sentei você chegou. - contei parte da verdade.
- Tudo bem! - sua voz estava mais branda agora - Vá se limpar, vou preparar algo para comermos.
- Sim senhor! - sai dali de cabeça baixa e fui lavar minhas mãos e rosto na vasilha.
Titio estava mesmo muito bravo mais tentou disfarçar na minha presença, será que as outras vezes que vi parte desse olhar frustrado e furioso ele tinha acabado de sair de alguma reunião? Estou começando a achar que sim.
Porque eles se recusavam tanto em nos aceitar por completo, nunca fizemos nada a eles. Alguns posso ver que gostam da gente, mas diante de um impasse vão sempre ficar do lado de Melchior. Queria entender o que os motiva a isso.
O cheiro de ovos mexidos chegou até o meu nariz, aquele cheiro tomava conta da casa inteira, minha boca encheu de agua só de pensar, assim que me dei conta me espantei, raramente comíamos ovos, porque é difícil de encontrar, terminei de me lavar rapidamente e fui para a cozinha.
- Que bom que não demorou. - ele se virou para mim - O que descobriu nesse tempo sozinho?
- Que sou um fruto da natureza e mereço estar aqui! - falei com todo o orgulho que consegui reunir, mas minha curiosidade era maior e a fome também - E uma borboleta pousou em mim. - disse olhando para a panela, titio rio e desviei o olhar para ele.
- E não está errado, não mesmo! - ele cortou algumas fatias de pão colocou no prato e jogou mais da metade daquele mexido sobre elas e me estendeu, preparando outro logo em seguida para ele - Vamos, coma!
- O que vamos fazer agora? - eu queria saber, na verdade eu precisava saber.
- Agora vamos comer. - ele se sentou do outro lado da mesa - Depois você vai pegar suas roupas e eu farei uma trouxa e iremos embora daqui. - ele olhava no fundo dos meus olhos me passando segurança.
- Embora? - mesmo sabendo o motivo eu tinha de argumentar - Mas mamãe está aqui, não podemos deixa-la aqui. - ela voltou por nós, não seria justo deixar o corpo dela para trás com pessoas que não se importavam com ela.
- Você tem certa razão. - titio suspirou - Ela não está mais aqui, no entanto eu entendo o que quer dizer, mas saiba que ela sempre estará guardada em nossos corações, enquanto estivermos vivos ela viverá em nós! - titio sorria, um sorriso sincero e cheio de afeto e saudade - Agora coma, depois faça o que eu mandei e deixa que eu penso no restante.
Assenti, não queria que ele se zangasse comigo. Comi devagar saboreando bem aquela refeição, o pão macio com a casca mais firme, os ovos mexidos começando a ficar borrachento por estar esfriando, mas mesmo assim nada mudava seu sabor característico. Olhei para cada canto que podia tentando memorizar tudo ali, se iriamos embora, eu gostaria de lembrar de cada detalhe da nossa casa.
- Você tentou usar seu dom? - olhei para titio que me olhava aguardando a resposta.
- Não! Apenas fiquei pensando.
- Desde quando você me esconde isso? - seus olhos estavam tristes agora.
- Eu nunca escondi. - respondi sincero - Eu não sabia que podia fazer isso, sempre me senti diferente dos outros, mas nunca dei importância. Eu não menti pra você titio e nem escondi nada.
- Acredito em você. - disse ele - Quando terminar coloque os pratos na pia e vá dormir! Amanhã o dia será puxado, vou pensar em algo, caso não consiga nossa partida não passa de amanhã, seja noite ou dia. - ele se levantou e ia saindo.
- Mas tio...
- Ethan! - ele me cortou - Quando você for mais velho eu lhe conto meus motivos e todas as razões para isso, mas hoje e até esse dia chegar, me obedeça. - sua voz estava firme, não me dando nenhuma brecha.
Eu poderia dizer a ele que eu sei de tudo, mas acho que isso não vai ajudar ele de forma alguma no momento, então concordei e voltei a comer.
Ele sempre cuidou muito bem de mim, então chegou a minha hora de retribuir. Coloquei o ultimo pedaço na boca, enchi um copo com água e bebi, tirei os pratos da mesa e fui para o quarto.
Assim que deitei meus olhos ficaram mais e mais pesados, encontrei uma posição melhor e apaguei.
🍁
- Ethan, acorda! - escutei lá longe - Ethan! Vamos! Preciso que acorde. - senti um toque fazer meu braço chacoalhar, me sentei na cama assustado, titio estava a minha frente - Está na hora, venha.
Ele saiu me deixando confuso. Mesmo sem entender nada o segui sem questionar.
- Temos que aproveitar que ainda está escuro e que todos dormem - ele falava muito rápido, ou eu ainda estava lento pelo sono.
- O que vamos fazer? - cocei meus olhos para tirar aquela sensação arenosa e enxergar melhor, não conseguia entender porque estávamos sem nada em mãos e caminhando.
- Eu fiz a vala enquanto você dormia, eu quero que você se concentre nas sementes que estão ali dentro - sementes? Do que ele esta falando?
- Eu não estou entendendo titio.
Assim que chegamos na árvore da mamãe ele parou e se abaixou colocando suas mãos em meus ombros.
- Dentro dessa vala tem sementes - ele apontou para o chão onde pude distinguir um caminho de terra - essas sementes são de árvores que ficam enormes, está me entendendo? - fiz que sim - Pois bem! Eu não sei o que você sabe fazer e nem até que ponto isso vai, mas sua mãe conseguia fazer com que as arvores crescessem. Esta, - ele apontou para a árvore da mamãe - foi à primeira. Foi também onde você nasceu. Essa arvore é especial e sua mãe tinha muito carinho por ela.
"Porque disso agora?"
- O que o senhor quer que eu faça? - perguntei com duvida.
- Que as faça crescer! - ele abriu os braços enquanto falava - Pensei muito no que você disse e você tem toda a razão! - é difícil ver sua expressão agora que ele tinha se afastado - Vamos fazer isso envolta da nossa casa também! Eu quero que nos isole.
- Por quê?
- Porque tem pessoas que não nos querem aqui, então vamos facilitar as coisas.
- Mas árvores não vão parar eles.
- Mas vai atrasar!
"Tito têm razão, eu tenho que tentar. Pelo menos tentar!"
Me sentei no chão e tentei ouvir alguma coisa, no entanto os animais que estavam começando a frequentar aquelas poucas arvores estavam dormindo. Não havia nenhum som.
O que eu deveria procurar? Estou cansado desse jogo de perguntas sem respostas, não quero ficar sozinho perdido nesse mundo complexo e perigoso. "Eu tenho que conseguir fazer o que titio pediu. Se eu fracassar não sei o que será de nós." Titio estava disposto a se arriscar por mim, mas só de pensar em enfrentar tudo e todos me causava um certo desconforto.
Olhei para o monte de terra que tampava a minha visão da vala me concentrei ali, mas nada aconteceu, minha frustração só aumentou. Novamente estou pagando por algo que não fui culpado. "Por que esses valentões metidos a sabichões não vão eles mesmos cuidar de todos?"
"Por que tem que ser eu a ser tirado daqui? Já tiraram minha mãe de mim, me tiraram coisas que eu nunca poderei recuperar, e agora querem me tirar titio. Não! Eu não vou mais abaixar minha cabeça." Fechei minhas mãos em punhos.
Eu não serei sobrepujado. Não serei afastado da minha família. Eu não perderei mais ninguém! Enquanto isso depender de mim, eu lutarei, até que não haja mais sangue quente em minhas veias, até o ultimo sopro de ar dos meus pulmões.
- Isso depende de mim agora! - falei com toda a amargura que sentia dessa situação e com toda a força e determinação que eu tinha. Olhei para a cova e senti uma lagrima escorrer quando não enxerguei nenhuma mudança, é como se um pedaço do meu coração tivesse caído.
Coloquei minha cabeça entre as mãos e pela primeira vez em anos eu chorei.
Chorei por não conseguir, chorei por ser fraco, chorei por ter de sair do único lugar que me fazia lembrar da mamãe, mesmo sem me lembrar realmente dela eu podia sentir o seu amor, eu podia a imaginar em cada canto da nossa casa, e chorei por decepcionar o titio. "Como isso doí."
Eu sei que ele me ama a ponto de se sacrificar por mim, assim como a mamãe se sacrificou por nós, como eu queria ter a força que ela tinha, eu os amava demasiadamente, só em pensar na possibilidade de perder tudo, era como se rasgassem meu peito.
E se ficarmos aqui é exatamente isso o que vai acontecer, vão me pegar e vão fazer o que for preciso para isso, passando até mesmo por cima de titio. Não posso deixar que isso aconteça! Ele é tudo o que eu tenho! Toda a minha família se resume a ele. Não posso permitir que me afastem dele, eu tenho de ser forte e achar a força em mim.
Um barulho estrondoso me assustou e me joguei para trás, para o que quer que fosse não me atingisse. O susto me impediu de prestar atenção no que acontecia e o barulho de coisas se chocando me fazia querer continuar no chão de olhos fechados. Meu corpo comichava como se milhares de formigas andassem por ele.
"Titio!"
Esse pensamento tirou tudo de mim. Abri meus olhos e comecei a vasculhar com certa pressa, eu não o ouvia, o barulhos começou a diminuir. Assim que meus olhos encontraram titio soltei o ar que nem sabia que tinha prendido. Ele estava parado olhando o que estava atrás de mim com um sorriso misto, como se estivesse com medo e feliz da mesma forma.
Resolvi olhar a origem do som e me virei ficando estático, passei a mão em meus olhos para ter certeza do que eu via. Imensas e frondosas árvores estavam a minha frente, tampando todo o acesso daquela área. Seus troncos colados não dava brecha para nada passar. Os galhos praticamente impossíveis de alcançar, até mesmo com corda daria muito trabalho. Com a luz da madrugada era difícil enxergar as copas, devem ser bem altas, conclui.
- Você conseguiu campeão! - titio falou me dando um mata leão e bagunçando meus cabelos.
- Eu fiz isso? - sussurrei segurando em seus braços.
- Fez sim. Agora vamos! - ele começou a me puxar - ainda tem mais uma entrada para isolar! Ai não terá acesso a nenhum de nós. - a felicidade ganhou, titio sorria.
- Mas eu não sei como consegui! - não queria estragar com a felicidade de titio, no entanto eu tinha de lhe falar a verdade.
- Não importa! Eu chamo isso de determinação! Você sabe que nossa casa não é de fácil acesso sem essa passagem. - ele tinha pensado nisso? - Por isso viemos pra cá primeiro! Você vai ter mais tempo na outra para descobrir o que desencadeou isso tudo. - ele abriu os braços e girou, ele parecia estar maravilhado. - Fique tranquilo que você vai aprender a controlar!
Titio era esperto, ele tinha tudo planejado e agiu enquanto eu dormia, eu deveria saber que ele teria um plano já em andamento quando eu acordasse, sorri para ele. Talvez eu saiba o que foi que me motivou, preciso ter certeza antes de contar a ele.
Sai dali correndo e pulando pequenas pedras que apareciam no meu caminho, estava muito feliz por não ter decepcionado titio. Se fosse possível eu estaria voando! Um vento me desequilibrou, olhei para o lado para descobrir de onde vinha. Titio tinha passado as pressas por mim e me olhava correndo de costa.
- Tá muito lento! - disse voltando a correr certo.
Acelerei minhas passadas, mas mesmo assim não alcançava ele. Forcei ainda mais.
- Aaaaaaaaw - titio fingiu um bocejo.
Acelerei tudo o que eu conseguia, ele é sem duvida muito mais rápido do que eu. Quem sabe algum dia eu consigo ser tão rápido quanto ele.
Minhas pernas começaram a queimar e tive que desacelerar, porem meu corpo não soube lidar bem com isso, tropecei e cai indo de arrasto no chão. Assim que parei olhei para cima a minha frente, titio estava ali parado me olhando, até que explodiu em uma gargalhada, sem nenhuma reserva, suas mãos estavam em seus joelhos flexionados para ter apoio. Não me lembro de já ter ouvido titio rindo assim.
Apoiei minhas mãos que estavam esticadas no chão e me levantei, minha roupa estava que era puro pó. Me sacudi para que o grosso caísse, dei alguns pulinhos e então comecei a bater a mão para tirar o que eu conseguisse, uma nuvem de poeira se levantava enquanto eu me batia. Titio ainda ria de mim.
Chacoalhei a cabeça e retomei meu caminho passando por ele como se nada tivesse acontecido. E se eu...
Olhei para o chão e chutei uma pedrinha, acompanhei todo o caminho que ela fez, será que ela poderia crescer?
Fiquei olhando para ela e nada aconteceu, quando cheguei ate ela a chutei novamente. Eu realmente não sabia como isso funcionava. Será que tinha uma regra? Uma lei? Um limite? Como que funciona? Será que é pelo medo? Pela força? Pela determinação? Qual deles fazia mais sentido? Arg! Bufei frustrado por ter entrado novamente no jogo de perguntas sem respostas. "Isso é muito irritante."
- Desmancha essa carranca garoto! - titio se aproximou e me tirou de todos os pensamentos assim que entendi o que ele queria, mas já era tarde. Ele me jogou em seu ombro como se eu fosse um saco de batata ou de grãos.
- Me põe no chão! - queria parecer bravo, mas meus planos foram por água a baixo quando ele começou a me fazer cócegas, meu corpo me traia e se contorcia enquanto eu gargalhava - Chaga, por favor! -supliquei em meio a risos.
Titio parou nos sentando no chão, desci de seu ombro e me sentei ao seu lado.
- Olha! O sol está nascendo. - ele apontou para onde o laranja que começava a aparecer estava. - Vamos ter que esperar para lidar com a outra entrada! Aqui temos a proteção das rochas e das árvores, lá só teremos o sol.
- Podemos tentar! - sugeri - Ele esta se levantando agora, quem sabe não temos algum tempo antes que ele fique muito quente.
- É! Tem razão, podemos tentar! - titio se levantou me levando junto - Teremos de ser rápidos, não demora muito e ele vai nos torrar vivos.
Sem mais nenhuma palavra começamos a correr pelas sombras das rochas, não estamos muito longe.
- Titio você pensou em tudo né? - perguntei meio inseguro.
- Sim! - ele me olhou - Pelo menos eu acho que sim. O que quer saber?
- É que vamos ficar presos aqui, as paredes dessa cratera são muito altas para escalar. E se a gente cair de lá, já era.
- Não se preocupe. Se for só isso pode ficar tranquilo que nós temos uma saída secreta.
- Mesmo?
- Eu poderia sugerir que você criasse uma. - olhei com espanto para ele - No entanto não vai ser preciso porque, como disse, nós já temos uma!
O que isso tinha feito a ele me parecia muito bom. Era como se vários pesos de anos tivessem sido tirados de suas costas e ele estava podendo desfrutar de toda a leveza que não teve em anos.
A cratera rochosa se abriu no desmoronado de terra e rochas, a pequena fenda lá em baixo tinha de ser fechada, só assim não entrariam aqui. O frio na barriga apareceu assim que meus pés deixaram o chão, é sempre assim.
Cai por um breve momento e logo em seguida senti o impacto de meus pés tocando o chão, depois de muitos tombos eu já sabia onde e como cair. Aproveitando o impulso me atirei novamente, a rocha menor passou por mim, bati meu pé nela para um leve impulso e assim que cai novamente dei três passos para me estabilizar, e então escorreguei o restante do caminho.
Olhei para cima titio estava lá parado.
- Vamos lá, você consegue!
Tentei me convencer, me aproximei da fenda e coloquei a mão na parede.
- Das outras vezes foi por amor.
Desabafei olhando a passagem. Vamos lá! Dei uma rápida olhada, quem sabe algo poderia me ajudar. Algumas pedras no topo e nas laterais chamaram minha atenção.
Respirei fundo e tentei traçar um plano, de como eu teria que fazer.
- Empurrar as de baixo e soltar as de cima. Simples assim.
Nada aconteceu. Fechei meus olhos e vasculhei minha mente a procura do que quer que fizesse isso despertar. Enquanto vasculhava eu senti pequenas pontas se conectando e a cada ponto que se ligava eu conseguia ver melhor como funcionava, parecia que eu tinha colocado a cabeça embaixo da água, tudo turvo e confuso.
Lentamente eu consegui ver, distingui através do borrão em minha mente e imaginei o novo senário que eu queria ali. Queria abrir meus olhos e acompanhar o processo que eu consegui ouvir, entretanto me mantive imóvel, uma lufada de ar bateu em meu rosto. Deve ser das pedras de cima que fizeram o maior barulhão.
Tossi para tirar aquela poeira de meus pulmões e então abri meus olhos. A fenda inteira estava fechada, eu consegui! Me aproximei da nova formação rochosa, enfim estamos isolados. Coloquei minha mão ali, queria poder ficar, mas o sol não esta de brincadeira, olhei para o que teria de escalar, descer era tão mais fácil e divertido.
Anda logo ou nunca vai subir, minha mente gritava e eu obedeci, ela tinha toda a razão, na metade do caminho já sentia minha pele ardendo pelo sol, me mantive firme.
- Me de sua mão! - titio pediu, sem pensar duas vezes estiquei e senti ele me puxando o restante do caminho. - Vamos descansar agora.
Ele me carregava, nem liguei para isso, estava cansado de mais aponto de adormecer em seus braços.
🍁
- Precisamos de água! Há um rio aqui perto vou começar a cavar um desvio, você pode me ajudar retirando a terra. - titio já estava com varias ferramentas em seu ombro pronto para a tarefa.
Por vários dias essa foi nossa rotina, cavar, comer, dormir. Em meio a tudo isso eu consegui ajuda-lo com meu dom, esperávamos que com o correr da água aumentasse a profundidade.
Quanto mais domínio eu adquiria maior eram as mudanças ali. A cratera ficou mais e mais funda, assim como novos caminhos eram criados e paredes eram construídas com as pedras da cratera, outras eram derrubadas. O passar dos dias e anos não eram sentidos, apenas vivíamos a cada dia como se não houvesse outro.
- Ethan venha, precisamos conversar. - seu semblante era serio.
- Aconteceu algo?
- Já faz oito anos que estamos aqui, acredito de temos de tentar retomar contato com os outros, ao menos saber se estão vivos. - isso só poderia ser brincadeira.
- Eles não procuraram saber se nós estamos bem ou vivos. - retruquei me levantando.
- Mas diferente deles nós nos importamos. Eu me importo! Não sou como eles e você também não. Não te criei assim. - pela primeira vez senti hostilidade na voz dele.
- Eles não fizeram nada por nós titio. - tentei argumentar mais uma vez.
- A vida é muito frágil Ethan! O tempo cobra o seu preço, de o seu melhor e nunca espere nada de ninguém, se você receber algo em troca contente-se por isso, se não, você fez sua parte. O tempo cobra seu preço. - titio se levantou - Faça a sua parte e deixe o tempo cuidar do resto.
Por mais contrariado que eu estivesse eu tinha de ceder, titio sempre tinha razão, ele nunca tomava uma decisão falha.
- Quando quiser. - foi tudo o que consegui dizer a ele.
- Então venha muito tempo já se passou.
Segui o caminho que ele fazia rumos às arvores que nos separava dos demais. Fazia alguns anos que não ia ali, pude ouvir um som de choro vindo do outro lado. Aquele choro me fez lembrar o garotinho assustado que fui um dia.
Respirei fundo e tentei reverter o processo, deixar ali uma pequena arvore para que pudéssemos passar sem problemas. No entanto as coisas nem sempre funcionam como queremos, a arvore vibrou e explodiu em vários pedacinhos deixando uma nuvem de serragem no ar.
Tosi e abanando o ar, passei para o outro lado. Tinha uma garotinha toda encolhida o mais distante que conseguia se manter de onde eu estava, quando fui me aproximar dela senti algo me expulsando como se tivessem me empurrado.
Olhei curioso para ela.
- Fica longe de mim, eu não te fiz nada. - franzi a testa estranhando o comportamento dela.
- Okay! - falei de vagar - Venha titio. - estendi a mão para que ele se apoiasse para saltar o buraco que tinha ficado onde a arvore estava.
- Você poderia ter sido mais sutil não é mesmo. - ele não podia estar falando serio.
- Sabia que é contra a natureza retroceder? - coloquei a mão na arvore ao lado e tentei com mais força e determinação. A arvore vibrou e pareceu ceder encolhendo uns poucos centímetros até explodir em outra fumaça de serragem. - Viu só! Contra a natureza.
Bati no tronco da outra e apanhei duas sementes que caíram, joguei elas ali nos buracos, caso algo desse errado eu fecharia o local novamente.
- Olá criança! - titio foi se aproximar e antes que eu pudesse impedir ele já estava sendo jogado para trás.
Com um pouco de agilidade e força consegui impedir que ele caísse e se machucasse, ele não é mais tão ágil quanto antes.
- Tenha cuidado. - o repreendi. - E você também. - olhei para a garota que me olhava assustada. - Vamos ao que viemos fazer.
- Já estamos fazendo Ethan. - ele se aproximou novamente da garota, dessa vez com cuidado - Não queremos fazer mal, estamos aqui para ajudar. Você pode confiar em nós e abaixar sua barreira. Pode fazer isso?
A garota parecia avaliar o que titio dizia, até que por fim concordou, titio estendeu a mão e ela a segurou usando de ajuda para levantar.
É possível que tenhamos feito o certo. Sorri com esse pensamento.
- Há mais como eu e você? - deixei que minha curiosidade falasse mais alto.
- Não sei, talvez. - ela estava confusa.
- Vamos descobrir. - sorri e comecei a andar.
Nada ali tinha mudado, a não ser a quantidade de pessoas que parecia muito menor que antes, talvez ¹/3 do que já foi. Todos ficaram muito surpresos quando nos viram se aproximar.
- Estamos aqui para ajudar se nos aceitarem como somos. - levantei alguns torrões de terra. - Se não simplesmente vamos voltar de onde viemos e vocês continuam como estão.
- Vocês são aberrações, não deveriam existir. - alguém gritou.
- Você também é e nem por isso eu estou reclamando. - rebati com raiva. - Está disposto a morrer eu não me importo nem um pouco, mas aqueles que quiserem viver e for igual a mim eu levarei comigo, então peço que se manifestem.
Algumas crianças inseguras começaram a sair de trás de seus pais os deixando chocado, provavelmente não sabiam que seus filhos eram diferentes.
- Vocês aprenderão a lidar com seus poderes, aprenderão o valor que ele têm. Quem quiser e estiver disposto a participar disso venham conosco, o caminho estará aberto. - tio Anton pegou na mão dos menores e começou a voltar para casa.
Dei mais uma olhada nos demais.
- Vocês sabem onde nos encontrar e se decidirem ficar aqui, saibam que seus filhos vão ser muito bem cuidados.
Oieeeeeeee!
Um forte abraço de urso, fiquem bem❤️
ʕっ•ᴥ•ʔっ❤️
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