Capítulo 5 - Entrevista
Mais uma vez o despertador tocava e meus olhos se recusavam a acreditar que já tinham que abrir para encarar mais um dia. Eu já tinha aprendido com meus anos de insônia que o difícil era levantar da cama, depois disso eu despertaria e só sentiria sono na próxima madrugada. Com meus olhos fechados ia tateando o criado mudo à procura do ar condicionado, para interromper aquele frio e criar coragem para sair de baixo do edredom.
Uns dez minutos depois sentei na cama, procurando meus chinelos, mas tinha esquecido de os colocar por perto. Pisar descalço no chão gelado de manhã é uma das coisas que mais odeio, mas foi um ótimo energético aquele dia. Vinte minutos depois eu saia do banho correndo, para atender meu telefone que tocava. Não cheguei a tempo. Olhei na tela do celular e vi que era Raquel. Com certeza ela já tinha chegado, não perderia essa oportunidade.
Raquel é minha ex-sogra, mãe de Fernanda, ou Nanda, como os mais próximos a chamam. Considerava ela uma segunda mãe. Ela é casada com Romero Villa, arquiteto famoso em todo o nordeste e até no Brasil. Romero é amigo de infância do meu pai e um dos grandes responsáveis pelo sucesso da marca de planejados da minha família. Eles sempre tiveram uma relação muito próxima, principalmente depois que passei a namorar a Nanda. Raquel tem uma empresa, a RV Soluções Administrativas, que terceriza assessoria empresarial para outras empresas. Inclusive, foi onde estagiei.
A RV cuida da parte administrativa da Santos Sá Planejados, por isso Raquel viria participar das entrevistas para os cargos de estagiários. Ela poderia ter enviado um funcionário, assim como fez nas entrevistas para cargos mais importantes, como os dos setores de arquitetura, vendas e gerência. Mas eu sabia que a principal motivação de sua vinda não tinha nada a ver com as entrevistas em si, mas sim com a oportunidade de conversar comigo e tentar me fazer reatar o noivado com sua filha.
Eu evitei ao máximo os encontros com Raquel e Romero depois que eu e Nanda rompemos, porque a relação que eu tinha com eles era muito boa e foi uma das principais perdas que tive com o fim do relacionamento. Mas nas poucas vezes que encontrei minha ex-sogra, ela tentava descobrir o que tinha acontecido. Mesmo que eu pudesse contar a ela, acho que não o falaria, pois a conhecendo bem, sabia que ela sofreria muito com essa revelação.
Quando meu pai avisou que a própria Raquel tinha se oferecido para participar das entrevistas com os estágiarios, pensei em dizer que não precisava, ou então em eu mesmo não participar, dada a experiência dela. Mas isso geraria perguntas e, além disso, meu pai e meus estudos me ensinaram a importância de participar, quando possível, de cada processo na criação de uma empresa, para garantir uma melhor administração e possibilidade de sucesso.
Liguei para ela, que disse já estar chegando a Caruaru. Sempre pontual. Isso eu não consegui aprender no estágio. Me troquei o mais rápido que pude e saí. Passei em uma padaria, comprei um café forte para mim e algumas bebidas e comidas para oferecer tanto a Raquel quanto aos entrevistados. Para minha sorte, quando cheguei à loja a primeira candidata já tinha chegado. Isso adiaria um pouco a inevitável conversa com minha ex-sogra.
Camila, a gerente da loja, que também estaria presente para aplicar uma prova objetiva aos candidatos após cada entrevista, também já estava por lá. Raquel chegou 5 minutos antes do horário marcado para a primeira entrevista, pegou um croissant e entramos para minha sala com a primeira candidata à vaga. Eu fiz as entrevistas dos seis primeiros candidatos. Em seguida Raquel assumiu.
A monotonia de ficar olhando aquelas sequência de perguntas serem repetidas, junto com a tensão de estar ali com minha ex-sogra, até me fizeram esquecer um detalhe, que só lembrei quando Raquel levantou para acompanhar o penúltimo candidato até a porta e chamou o próximo. Quando da porta ela olhou o papel em sua mão e chamou "Victor", senti um frio na espinha. Minhas mão começaram a suar instantaneamente.
Quando ele entrou naquela sala eu perdi o fôlego. Pensei até que ia precisar da minha bombinha para asma. Ele conseguiu estar ainda mais bonito do que na noite anterior, quando nos encontramos na faculdade. Dessa vez usava uma calça jeans escura e camisa social branca, o corte slim da camisa delineava perfeitamente seu corpo esguio, parecendo ter sido feita com ele dentro. Seu peitoral estava mais marcado do que eu desejaria, para manter minha concentração. A barba também estava melhor, aparada e bem desenhada. Seus olhos castanhos, que estavam brilhantes, encontraram os meus, assim que ele tirou os óculos escuros. Em seguida ele sentou e olhou para Raquel, franziu o cenho e falou:
- Você me parece familiar. A gente se conhece? - Ele me olhou rapidamente, como se eu pudesse dar alguma pista. Ele certamente estava confundindo ela com alguém.
- Creio que não. - Respondeu Raquel, simpática como sempre. - Eu não esqueceria um rosto tão bonito.
Os dois sorriram com o elogio, eu deveria ter feito o mesmo, minha ex-sogra sempre foi muito brincalhona, mas eu senti algo estranho. Ciúmes!? Como assim? Raciocinei rápido a tempo de sorrir junto com eles.
A entrevista transcorreu dentro do que eu esperava. Victor comprovou minha suspeita de ser alguém comunicativo e extrovertido, dava ótimas respostas. Porém, a cada pergunta que Raquel o dirigia, ele me encarava brevemente. No início pensei ser coisa de minha cabeça, mas se repetiu vezes o bastante para que eu pudesse comprovar. Comecei a sentir calor dentro daquela sala gelada.
Até que, enfim, a entrevista acabou. Ele foi liberado para a prova. Apertei sua mão e desejei boa sorte. Eu já considerava certa a vaga dele, dependeria apenas do resultado da prova. Parte de mim torcia para que ele fosse bem, outra para que fosse um desastre. Mexi no celular enquanto ele saia da sala, para evitar que Raquel notasse algum olhar diferente meu.
- Garoto bonito! - Falou raquel, chamando de volta minha atenção. - E ainda simpático. - Mirou os papéis em suas mãos e perguntou. - O que você achou?
Franzi o cenho, imaginando o porque da pergunta. Então respondi.
- Realmente, muito simpático.
- To falando da entrevista. - Ela disse. Onde eu tava com a cabeça? Claro que ela tava perguntando da entrevista. Porque me perguntaria da beleza e simpatia de Victor? Como se alguém precisasse confirmar tais afirmações. - Para mim ele é o melhor candidato. - Ela concluiu.
- Realmente, muito bom. Mas vamos esperar o resultado das provas.
Falei isso tentando não mostrar torcida ou interesse. Mas a possibilidade de ver Victor entrando todos os dias naquela loja me dava a sensação de ter fogos de artifício explodindo dentro de mim. Discutimos um pouco sobre as entrevistas e selecionamos cinco nomes. Raquel levaria o material para João Pessoa, junto das provas e me daria o nome dos dois selecionados no dia seguinte. Organizamos os papéis e aguardávamos Victor terminar sua prova, cada candidato tinha vinte minutos para responder nove questões objetivas e uma discursiva.
- Almoça comigo? - Propôs Raquel.
- Não posso. Desculpa! - Respondi rápido, sem pensar. Sabia o intuito da proposta e não queria dar falsas esperanças a ela, jamais reataria com Nanda. Também não queria deixar ela triste com algo que eu falasse.
- Algum compromisso? -
Com a pergunta dela pensei o mais rápido que pude em alguma resposta. Olhei o relógio para ganhar tempo e também fingir estar preocupado com a hora. Marcava 12:24 p.m. Camila entrou na sala, me salvando. Ela trazia as provas e avisou que todos tinham terminado. Eu a liberei. Peguei as provas e juntei aos currículos e anotações das entrevistas. Foi tempo o suficiente para que eu engatilhasse o início de uma desculpa.
- Te acompanho até o carro. - Falei.
- E eu posso saber o motivo da desfeita com sua sogrinha?
Ela não havia superado. Pensava que o rompimento tinha sido alguma briga besta e ainda tinha total esperança de me ver junto à filha dela. Não quis a repreender o fato de ela ainda se intitular minha sogra. O tempo e a distância fariam ela perder o costume. Saímos de minha sala e caminhávamos para a saída da loja.
- Então... Tenho uma consulta. - Pausei um pouco, para coçar a garganta seca. - Com um nutricionista esportivo. Ele é muito requisitado e tento marcar há um tempão, ainda morava em João Pessoa quando me indicaram. - Encarei ela de lado, tentando ver em seu olhar se ela tinha acreditado. Eu realmente tinha consulta marcada, mas para a semana seguinte. - Minha dieta tá uma bagunça e preciso me organizar. Se eu perder hoje, vai levar mais um tempão pra conseguir. - Ela só me olhava pelo canto do olho. - E meu pai só avisou que você quem viria há três dias, até tentei remarcar...
- Ok, Theo!
Ela me interrompeu, parando de andar. Estávamos a poucos passos da porta. Segurou meu antebraço e delicadamente girou meu corpo em meia volta, me pondo de frente pra ela, de costas pra porta.
- Não vou insistir. - Ela iniciou. - Você sabe o que eu falaria, só vou resumir. O que quer que tenha acontecido a vocês, é superável. Contem comigo! Vocês dois são lindos juntos. Nossa família te ama, sua família ama a Nanda. - Senti um embrulho no estômago. Ela continuou. - Eu sei que vocês vão se resolver de qualquer modo. - Ela não tinha noção do quão estava enganada. Ouvi o barulho da porta abrir atrás de mim, pela rápida olhada calma de Raquel por cima do meu ombro, certamente Camila havia esquecido algo. Não tive tempo de olhar, ela continuou. - Você é mais que um genro para mim. É um filho. Tenho certeza que vai ser um ótimo esposo para Nanda e um ótimo pai para meus lindos netos. - Ela foi interrompida por um pigarro. Percebi que não era Camila, pois o som foi grave, como um homem.
- Theo? - Falou quem estava atrás de mim. Reconheci aquela voz antes mesmo de me virar. Embora nova, já figurava entre as vozes que mais gostava de ouvir. Me virei apenas para confirmar a suspeita. Era ele, Victor. Com a mão estendida segurava um objeto familiar para mim. - Vim trazer sua caneta.
Comparando com a simpatia que ele tinha esbanjado na minha sala, sua voz parecia triste. Seu olhar parecia triste. Procurando algum motivo para aquela expressão em seu rosto, repassei em minha mente as últimas palavras que Raquel falou depois que a porta se abriu e ele entrou...
"Você é mais que um genro para mim. É um filho. Tenho certeza que vai ser um ótimo esposo para Nanda e um ótimo pai para meus lindos netos."
Droga!
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