Capítulo 47 - Finalmente

O sinal ficou verde. Só percebi isso por conta do carro que buzinava atrás de mim. A insistência do motorista, que mantinha pressionada a buzina, não foi capaz de tirar o sorriso que havia tomado meu rosto. Fez a melhor escolha. Não só para você, como para mim. Para nós! Pensei, respondendo mentalmente ao que Victor tinha escrito na mensagem. Acelerei, finalmente liberando o chato que logo passou do meu lado reclamando. Não entendeu nada quando eu olhei para ele, tão feliz.

As mensagens que Victor me enviou eram o motivo de tal felicidade, pois elas deixaram claro para mim a intenção que ele tinha de me ouvir. O plano deu certo. Estratégia! Comemorei. Lembrei, então, que eu teria muito o que agradecer a Bia, pela importante ajuda que ela me deu. Sua participação no plano foi fundamental. 

Várias vezes durante o caminho a João Pessoa me arrependi de não ter parado o carro e chamado Victor para ir comigo, para que pudéssemos conversar logo, de uma vez. Mas era melhor assim. Um passo de cada vez. Não queria voltar a assustá-lo. Eu já havia conseguido demais, fazendo com que ele fosse na viagem da empresa. 

O tempo parecia não passar e a estrada parecia não tem fim, tamanho era o meu desejo de que chegasse o momento em que eu ficaria a sós, frente a frente com aquele menino tão lingo, meu príncipe. Sorri tanto no caminho, em meio aos meus pensamentos, que meu maxilar doía quando eu, finalmente, entrava na cidade. Minha antiga cidade. 

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Cheguei em casa. Minha antiga casa. Fazia um tempo que eu não ia a João Pessoa. No começo, depois de tudo o que aconteceu, cheguei a pensar se eu realmente me acostumaria longe dali. Parece que sim. A garagem estava vazia, desci do meu carro e entrei na residência. Passei pela sala, onde estavam distribuídos alguns pacotes. Pelos nomes das lojas identifiquei logo que eram presentes de casamento.

- Que saudade Theo! - Disse Cida, ao me ver entrar na cozinha. Veio até mim e me abraçou.

- Larga ele. - Ordenou Ninha. - Mais do que eu ela não estava, meu filho. - Foi a vez dela me colocar entre seus braços. As duas trabalhavam na casa dos meus pais há muito tempo, mas Ninha estava lá desde que eu era criança. Tinha um carinho enorme, por ambas.

- Também senti falta. - Falei. - Das duas! - Emendei ao ver o rosto de Cida começar a ficar triste. - Onde está todo mundo? - Indaguei.

- Seu pai saiu cedo. - Começou Ninha. - Nem tocou no café da manhã. Falou que tinha que passar num hotel antes de ir para a fábrica. Não entendi nada. Sua mãe foi outra, nem olhou a mesa que tive tanto trabalho em arrumar. Desde o começo da semana ela não para em casa, por conta do casamento. Fred foi o único que tomou café... - Eu ri, com a importância que ela dava a quem tinha ou não comido, antes de dar a informação que de fato me interessava. - O que foi? - Ela perguntou.

- Tu aí, me dizendo quem comeu e quem não comeu. - Expliquei.

- Ah Theo, se tu visse a mesa linda que ela fez. - Explicou Cida. - Parecia aqueles cafés da manhã de novela, sabe?! 

- Pois é. - Disse Ninha, fazendo bico. - E ninguém tocar. Ainda bem que Fred comeu. E se eu soubesse que tu estava chegando não tinha desmanchado. - Se lamentou.

- Não precisa se preocupar Ninha. - Falei. - Só quero uma xícara de café e um pão, ou uma fatia de bolo. Qualquer coisa rápida. Tenho que ir correndo provar a roupa, vim só deixar essas coisas aqui. - Falei apontando a mala e alguns papéis da loja. 

- Então deixa que eu levo isso para o seu quarto. - Se ofereceu Cida.

- Não! - Exclamei, já me virando e pegando a mala. Eu queria ver como estava aquele espaço onde dormi por tantos anos seguidos e agora fazia parte do meu passado. - Já desço e pego o café. - Falei, saindo.

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As coisas no meu quarto estavam exatamente como eu o havia deixado. Parecia até que eu tinha acabado de sair para ir à academia, ou na faculdade. Mas a sensação que ele me causava era diferente, de algo distante, nostálgico e até um pouco incomodo. O jogo de cama! Lembrei. Era o mesmo da fatídica noite, quando depois de ser pego por mim transando com minha ex-noiva, Davi me procurou, ali mesmo, para trepar comigo. Joguei minhas coisas lá, depois desci apressadamente as escadas, voltando à cozinha.

- Tá aí, meu lindo. - Disse Ninha ao me ver, apontando para um copo térmico, que certamente continha café, do lado do que parecia ser um sanduíche cuidadosamente embrulhado, em cima da ilha de cocção.  

- Obrigado! - Agradeci, sendo bastante sincero. Elas sempre atenciosas. Ninha, ao ver minha pressa, organizou tudo para que eu levasse para comer. - Tu é demais. - Dei um beijo em sua bochecha. - E tu, Cida. - Ela me encarou. - Por favor, troca aquele jogo de cama do meu quarto. 

- Mas eu coloquei ele ontem, Theo. - Disse ela, em sobressalto. - Tá limpinho.

- Não! - Sorri. Ela deve ter pensando que o encontrei sujo ou algo do tipo. - O problema não é esse. É que não gosto dele. Já deu o que tinha que dar. Faz parte do meu passado. Põe um novo e coloca aquele para doação. 

- Certo! - Ela concordou com um tom de voz aliviado. 

- Vejo vocês mais tarde. - Me despedi, pegando a comida que Ninha preparou para mim em cima da bancada.

Eu tinha planos.Assim que acabassem os compromissos do dia, levaria Victor ali, abriria meu mundo para ele, assim como ele havia aberto o seu para mim, quando me levou a sua casa e me acolheu naquela cidade onde antes eu me sentia perdido. Queria mostrar a ele como era minha vida, antes do furacão que a devastou. Queria que ele se familiarizasse com isso. Saí de casa sorridente, ansioso para que as horas passassem. 

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Comi o lanche no caminho até o ateliê da estilista que estava cuidando das roupas do noivo, pais e padrinhos do casal. Cheguei lá e a maioria dos padrinhos, amigos de Luna e do meu irmão, ainda estavam por ali. Vendo isso, pensei que se um dia eu casasse com Victor, Bia seria a primeira a ser convidada para madrinha, sem dúvidas. Então, me surpreendi com o que meus sentimentos por Victor me faziam pensar. Casar? Com um homem? Seria possível para mim? Me perguntava.

Minha mãe estava uma arara, pois eu não havia conseguido tirar um dia, em meio a toda correria com a inauguração em Caruaru, para ir até João Pessoa tirar minhas medidas. Ela teve que levar um terno meu, antigo, para usarem como referência, pois os novos eu levei comigo na mudança. Agora, vimos que não deu certo. O paletó e o colete ficaram levemente apertados e a calça curta demais. 

Nada podia fugir do planejado por Dona Laura Santos Sá, tão reconhecida por suas festas perfeitas. O tecido era importado, muito específico e era o mesmo para as roupas do noivo, pais dos noivos, pajens e padrinhos. Ou seja, não tinha como substituir. Mas a estilista disse que conseguiria dar um jeito e eu fiquei de voltar lá à tarde, assim que ela ligasse, para provar novamente a roupa. Só assim minha mãe conseguiu se acalmar.

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Ainda não tinha conseguido parar para ir até o hotel, ver como estavam Bia e Victor. E pelo jeito teria que adiar um pouco mais o encontro, pois meu irmão me chamou para almoçar com ele. Fiquei sem jeito de negar, pois se já não nos víamos muito depois que ele se mudou para Natal, agora, comigo morando em Caruaru, é que estávamos distantes. Mudei os planos. Abri o Whatsapp.

Theo Santos Sá: Chegaram bem?

Enviei a mesma mensagem para Victor e Bia. As respostas foram rápidas e parecidas.

Victor Ferraz: Sim! Tô gostando da cidade.

Beatriz Ribeiro: Muito! 

Em seguida enviei mais uma vez a mesma mensagem para ambos.

Theo Santos Sá: Nos vemos mais tarde, na fábrica. Tô cumprindo uns compromissos.

Ambos responderem um "ok". Fiquei imaginando se estariam lado a lado, mostrando a conversa um ao outro. Sorri. Não queria prolongar a conversa por ali, por falta de tempo e por preferir conversar com eles pessoalmente. Principalmente com Victor. Não via a hora de ficar frente a frente com ele, sentir seu cheiro, ver aquelas covinhas brotarem em suas bochechas na primeira oportunidade que me surgisse de o fazer sorrir.

No almoço ele falou da pressão que estava sentindo com o casamento. Mesmo ele já sendo praticamente casado, ele dizia que o fato de casar, de fato, significava muito. Era como se a partir dali fosse tudo realmente mais sério, concreto. Eu lembrei de Fernanda e de tudo que eu imaginava viver com ela, mesmo depois de descobrir que também gostava de garotos. Que merda eu ia fazer! Refleti.

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Finalmente a tarde chegou. Sai apressado do restaurante, indo em direção à fábrica, lembrei do incidente com o ônibus no dia que conheci Victor. Reduzi a velocidade. Era tudo ansiedade para o ver. Meu coração parecia querer sair do meu peito, de tão forte e acelerado que batia. Cheguei, estacionei o carro as vagas do administrativo e entrei. Passei pelo setor, indo até a sala de check-in de projetos e plotter, onde eram impressos os projetos que chegavam das lojas. O tour começaria por lá. Um dos funcionários disse que a turma de Caruaru acabara de sair dali.

Depois de cumprimentar todo mundo, segui para o acesso de matéria prima. Era a próxima parada e foi onde, finalmente, os encontrei. Vi o rosto de Victor antes do de qualquer um. Ele também meu viu chegar e me deu um sorriso, discreto e com os lábios cerrados, nem mostrou as covinhas, mas era um sorriso, como há dias eu não recebia dele. A dor que senti nesse período era tão grande que pareceram anos. Como eu te desejo! Admiti para mim mesmo ao sentir meus batimentos baterem num ritmo que apenas ele conseguia induzir.

Me aproximei do grupo. Sorri pra Bia, seus olhos brilhavam e ela meneou positivamente a cabeça, indo contra os diversos "nãos" que ela havia me sinalizado nos últimos dias, quando eu tentava me aproximar de Victor. Eu queria a abraçar, beijar sua bochecha e agradecer por tudo que ela fez, ali mesmo, na frente de todo mundo. Mas me controlei. Ao me notar chegar meu pai fez uma careta, pelo meu atraso. 

- Culpa de Fred! - Sussurrei, para escapar da bronca. Ele não ia brigar com o noivo um dia antes do casamento.

Assumi o tour, falando tudo sobre a fábrica para os novos colaboradores da marca. Seguimos o caminho acompanhando a ordem da nossa linha de produção, para que eles se familiarizassem com todos os processos. Tive que me concentrar para não parecer que estava falando apenas com Victor, uma vez que meus olhos insistiam em procurar os dele a todo momento. Ele se divertia, percebendo isso.

Passavam de quatro da tarde e eu estava ansioso, pois a visita já passava da metade. Um coffe break foi preparado e seria servido próximo à área das docas, o último espaço visitado. Depois seriam exibidos mais alguns vídeos, distribuição de brindes e, certamente, mais algumas palavras do meu pai. Eu teria tempo suficiente para pelo menos começar a conversa com Victor. Excelente! Pensei. 

Foi quando meu celular começou a vibrar, dentro do meu bolso. Peguei ele e pedi licença, encarando a tela do aparelho para ver de quem se tratava. Eu não tinha o número agendado e DDD era da Paraíba, fiz um sinal para meu pai assumir meu lugar e fui atender, já imaginando o que deveria ser.

- Oi? - Falei ao fone.

- Senhor Theo? - Disse uma voz feminina do outro lado. Revirei os olhos, ao ver minhas suspeitas se confirmarem.

- Sim. - Fui breve, tentando apressar o diálogo.

- Aqui quem fala é Luana, do Ateliê Cláudia Cana. - Se apresentou. 

- Sim. - Me resumi a falar mais uma vez.

- Estou ligando em nome de Cláudia. - Avisou. - Ela pediu que você venha aqui o mais rápido possível. É sobre sua roupa para o casamento do seu irmão.

- Não é possível. - Meu pensamento escapou baixinho entre os lábios, ao ver mais uma vez meus planos para aquele dia serem atrapalhados.

- Não entendi. - Falou Luana.

- É... - Eu disse, balançando a cabeça para voltar a mim. - Estou indo. Diga a ela que estou um pouco longe, mas chego aí o mais rápido possível.

- Certo! - Exclamou ela, de forma simpática. - Eu aviso. Tchau. 

- Tchau. - Me despedi.

Não é possível! Repeti em minha mente. Mais uma vez teria que mudar meus planos para a conversa com Victor. Fui até meu pai e cochichei o motivo pelo qual estava saindo. Ele concordou. Me virei para os funcionários, encontrei os olhos de Victor esperando os meus. Ele mostrava uma leve preocupação. Ri para deixá-lo calmo e fiz um sinal discreto, com as mãos, indicando que falaria com ele por mensagem no celular. Saí apressado, para resolver a questão da roupa o mais rápido possível.

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Pensei em ir ao hotel, assim que saísse do ateliê, mas mudei de ideia. O fluxo de funcionários poderia atrapalhar de alguma forma. Então resolvi ir para um lugar mais calmo, onde fosse mais fácil de controlar as coisas. Peguei meu celular, abri o Whatsapp e estava prestes a enviar uma mensagem para Victor.

- A barra ficou perfeita. - Falou Cláudia, a estilista,  se referindo à calça que eu vestia e interrompendo minha ação. Travei a tela do celular.

- Verdade! - Falei aliviado. - O colete e o paletó também estão um pouco mais folgados. 

- Ainda bem! - Ela levantou as mãos aos céus. - Vou ligar agora pra tua mãe e avisar. Ela já me ligou três vezes perguntando se deu certo. - Nós rimos. - Pode se trocar. - Ela falou e se virou para sair da sala de prova. Aproveitei e peguei o celular novamente, não aguentava mais adiar meu encontro com Victor.

Theo Santos Sá: Victor, quando acabar aí chama um Uber. Vou te passar uma localização a seguir e tu vai pra lá, direto. Eu também estou indo. 

Theo Santos Sá:  [Localização] 

Fiquei inquieto, esperando sua reação. Eu sabia que Victor estava disposto a conversar comigo, mas não sabia como ele reagiria a essa proposta. Ele estava online e logo leu a mensagem. Enquanto escrevia a resposta, tirei a roupa. 

Victor Ferraz: Acabou de acabar aqui. Mas tem um problema. Eu esqueci minha carteira no hotel. Tu vai ter que me emprestar o dinheiro do Uber e mais tarde eu te devolvo.

Ri, lendo a resposta, só de cueca. Ele aceitou. Ele está normal. Ele é o Victor de antes. Ele é meu príncipe. Ele ainda estava online.

Theo Santos Sá: Eu pago o Uber. Relaxa!

Victor Ferraz: Não. Eu te devolvo.

Theo Santos Sá: Eu deixei tu pagar o sorvete sem reclamar. Lembra?

Recordei a ele o episódio.

Victor Ferraz: kkkkkk... Tá bom! Vou chamar aqui.

- Posso entrar? - Perguntou Cláudia, que me aguardava do outro lado da porta. Tinha esquecido absolutamente onde estava, mergulhado na conversa com Victor.

- Espera! - Gritei. Soltei o telefone e me vesti rápido. - Pode entrar. - Falei.

- Tua mãe deu um grito no telefone. - Ela disse, ao entrar. Nós rimos. - Posso guardar? - Indagou, juntando o terno que eu acabara de provar.

- Sim! - Respondi.

- Vou finalizar ele e ainda hoje envio, junto com o do seu pai e do seu irmão. - Avisou.

- Ótimo! - Falei. - Agora vou embora. Tenho uma coisa muito importante para resolver.

- O casamento, né? - Ela perguntou sorridente, se referindo ao de Fred e Luna.

- Tomara que sim. - Respondi, habitando mais uma vez minha mente com a ideia de viver uma vida a dois com Victor. Senti meu rosto enrubescer com meu atrevimento. Sorri.

- Boa sorte! - Ela desejou.

- Obrigado! - Agradeci.

Saí da sala de prova ainda rindo e já abrindo o Whatsapp mais uma vez. Ele tinha falado.

Victor Ferraz: Theo, deu 64 reais o Uber. É isso mesmo?

Victor Ferraz: Deve ter alguma coisa errada.

Victor Ferraz: Não tem como tu vir me buscar?

Fiz um cálculo rápido em minha cabeça. A distância entre o ateliê e a loja era ainda maior que a distância entre a fábrica e minha casa, para onde eu mandei ele ir. Iria demorar ainda mais para nos vermos. O preço da corrida era insignificante perto do valor daquilo que ela iria me proporcionar: Estar com meu príncipe, o mais rápido possível. 

Theo Santos Sá: Chama o Uber. Eu estou muito longe. Não se preocupa com o dinheiro.

Victor Ferraz: Então a gente divide. Certo? Porque isso nem se compara a um sorvete que custou 5 reais. kkkkkk...

Theo Santos Sá: Já chamou? kkkkkkk

Victor Ferraz: Ok! Chamando. kkkkk.

Theo Santos Sá: Vou dirigir. Te vejo em alguns minutos. 

Entrei no carro e dei partida. Rumei em direção à minha casa, com aquele sorriso que insistia em não sair do meu rosto.

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Estacionei o carro na garagem que ainda estava vazia. Ótimo! Todo mundo doido, correndo com esse casamento. Vou ter a casa só para mim por alguns instantes. Entrei em casa e Cida estava na sala de estar, limpando um jarro. 

- Troquei o jogo de cama, Theo. - Ela avisou ao me ver.

- Obrigado Cida! - Agradeci sorrindo.

- Ah! - Ela parou o que fazia. - Sua mãe disse que te ligou e não conseguiu falar. Disse que se você chegasse por aqui avisássemos que vocês vão jantar fora hoje. No restaurante de sempre. - Avisou.

- Certo! - Eu disse. Talvez eu me atrasasse um pouco para o jantar. Novamente sorri comigo mesmo.

- Viu passarinho verde, Theo? - Perguntou Ninha, que chegou silenciosa.

- Não! - Agitei a cabeça, tentando ficar sério. Mas não conseguia. - Vejam! Tô esperando uma visita e quando ela chegar entreguem isso... - Tirei a carteira do bolso. Peguei uma nota de cem reais e coloquei sobre o aparador. - ... e mandem subir ao meu quarto. 

As duas balançaram suas cabeças simultaneamente num sinal positivo. Me virei e subi as escadas de dois em dois degraus, devido à pressa. Chegando ao meu quarto fui arrancando a roupa e corri para tomar um banho rápido. Precisava estar muito cheiroso quando Victor chegasse. Saí do box, ainda apressado e mal me enxuguei. Me enrolei na toalha e saí do banheiro. Ao entrar no quarto tomei um choque com a cena que vi. Franzi meu cenho e meneei negativamente a cabeça. Aquele sorriso sumiu instantaneamente. 

- O que tu tá fazendo aqui? - Perguntei.

- Cida pediu pra te entregar isso. - Fernanda se levantou de minha cama, onde estava sentada, me entregando a nota de cem reais. - Eu não entendi nada.

- Não era pra tu. - Fechei os olhos e balancei a cabeça negativamente, sem acreditar naquilo. Peguei a nota. Victor vai chegar e o dinheiro não vai estar lá. Pensei. - Agora eu não tenho tempo. - Parei rápido e emendei. - Aliás, pra tu eu nunca vou ter. Agora me dá licença. - Fui até a porta, fazendo sinal pra ela sair.

- Theo. - Seu rosto estava contorcido em remorso e dor. Cheguei a sentir pena dela. - Eu tenho algo muito sério pra falar contigo.

- Fernanda... - Falei, com preguiça de argumentar. Se bem que sua expressão sincera me deixou um pouco curioso. 

- Theo eu tô grávida! - Ela disparou. Foi quase como um tiro mesmo. Me pegou totalmente desprevenido. 

- Quem é você? - Perguntou Fernanda, olhando sobre meu ombro. Virei meu rosto e vi Victor, parado, quase do meu lado.

- Victor! - Exclamei surpreso. Seus olhos me fitaram, com uma tristeza que me perturbou.

- O dinheiro... - Ele apontou com o queixo para minha mão. - ...do Uber. - Passei a nota para ele, tentando falar algo com meu olhar.

- Me espera lá em baixo! - Falei, nervoso, quando ele pegou a nota. - Eu já vou. - Ele saiu, sem confirmar. Eu precisava me livrar de Fernanda. Me virei.

- Quem é esse, Theo? - Ela perguntou, aflita. - Ninguém sabe que eu tô grávida. - Lágrimas surgiram em seus olhos.

- Não te interessa quem é ele! - Quase gritei. - Assim como não me interessa saber quem é o pai desse filho. - Falei, pegando a roupa que eu usava antes, jogada no chão. Vesti a camisa. - Porque qualquer pessoa que saiba somar um mais um saberia que meu não é. - Comecei a vestir a calça, sem cueca, com dificuldade, por baixo da toalha. Não queria ficar nu na frente dela. - Nós acabamos há quase sete meses e tu nem tem barriga ainda. Vai procurar Davi! Eu tenho coisas importantes para resolver. - Falei abotoando a calça. Me virei para sair do quarto.

- Não é de Davi! Nós nunca mais ficamos depois daquilo. - Ela falou. 

- Boa sorte na procura, então. - Falei, sem me virar.

- Eu vou tirar o bebê. - Ela disse. Eu parei imediatamente, junto com suas palavras. Me virei sem entender porque ela estava me contando aquilo. As lágrimas caíam de seu rosto. - Se tu disser que tem uma chance, por menor que seja, de você me aceitar de volta, eu tiro esse bebê. A gente começa do zero. Esse casamento de amanhã está me deixando doida. Era para ser eu entrando contigo, de mãos dadas, como padrinhos. E agora eu tô... - Ela falava sem quase parar pra respirar.

- Para! - Gritei. - Para! - Repeti, dessa vez mais baixo. Eu estava atordoado com o que ela falou. - Eu não quero saber. Entendeu? Não me importa. Procura um tratamento. Tu não está normal. - Falei e me virei, saindo do quarto às pressas antes que ela falasse mais alguma coisa. Desci as escadas correndo. Não podia deixar mais uma confusão me afastar de Victor.

- Victor! - Chamei. - Victor! - Eu o procurava, mas não o via.

- É o garoto que chegou? - Perguntou Cida.

- É sim. - Confirmei. - Cadê ele?

- Ele foi embora. - Disse ela. - Agora entendi o motivo daquele sorriso. Reatou o relacionamento com Fernanda, não foi? - Perguntou sorridente.

- Não! - Falei sério. - E isso nunca vai acontecer. 

Cida, que ria, ficou séria, girou sua cabeça a inclinando para olhar algo na escada. Acompanhei seu olhar e vi Fernanda, chorando. Ignorei. Corri para fora de casa, na esperança do Uber ainda estar lá na frente. Não estava. Bati minha mão no bolso, conferindo se a chave do carro ainda estava ali. Ao sentir o volume dela, parti em direção à garagem, sem olhar para trás. Entrei no meu carro, saí cantando pneu. Dessa vez eu não vou deixar nada atrapalhar. Falei para mim mesmo.

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Algumas gotas começaram a molhar o para-brisa do carro e assim que acionei o limpador elas aumentaram em quantidade e ficaram mais grossas. Um relâmpado, seguido de um trovão, anunciaram que a chuva não iria embora rápido. Talvez fosse os céus, finalmente tentando me ajudar a criar um trânsito e atrasar o Uber que afastava Victor de mim.

Eu nem sabia qual era o modelo do carro, para segui-lo se o visse. Então, corri apressado para tentar chegar ao hotel antes dele. O que Fernanda falou, o que ele ouviu, ver ele escapando entre meus dedos, mais uma vez. Fiquei atordoado. Lágrimas começaram a cair dos meus olhos. Cheguei ao hotel, parei meu carro e liguei para Bia.

- O que aconteceu, Theo? - Ela perguntou com a voz exaltada. 

- Ele tá aí? - Perguntei, com a voz chorosa.

- O que tu fez, Theo? - Ela respondeu com outra pergunta. Respirei fundo. Eu estava muito triste e sua voz muito aflita para que eu reclamasse disso. - Ele me ligou, disse que está vindo pra cá. Pediu pra arrumar a mala dele, que ele vai embora agora. O que aconteceu, Theo? Me conta!

Depois que expliquei rápida e resumidamente o ocorrido, ela, enfim, me disse que Victor ainda não havia chegado ao hotel. Me acalmei um pouco. Desci do carro, ainda chovia muito. Só então percebi que eu estava descalço. Não quis ir até a recepção assim, então fiquei do lado de fora. Tentei me proteger debaixo de uma palmeira, um pouco distante da entrada para o hall do hotel, próximo ao acesso de veículos, para ver os carros que chegavam. 

Um Chevrolet Prisma, preto, sem película nos vidros se aproximou e vi o rosto de Victor. Ele encarava a tela do celular. Não posso deixar ele entrar no hotel. Pensei. Me joguei na frente do carro, sem pensar duas vezes. O motorista brecou repentinamente. Me apoiei com as duas mãos no capô do veículo, dando um salto para trás, até que ele parasse por completo. 

Tanto o motorista quanto Victor tinham os olhos arregalados e uma careta no rosto, por conta do susto. O homem ao volante começou a gritar, enfurecido, algo que eu não entendia. Victor começou a mexer a boca, falando para o motorista algo que eu não conseguia entender, por conta do vidro molhado. O homem se acalmou. 

- Desce, por favor, Victor! - Eu gritei, pensando na possibilidade dele ao menos ler meus lábios, pois ouvir ele não conseguiria com a chuva batendo na lataria do carro.

Victor entregou o dinheiro ao homem, que se movimentou para pegar o troco. Pelos gestos entendi o dono do rosto mais lindo do mundo dizer que não precisava. Justo! Depois de um susto desse. Pensei. Eu estava lá, parado, sentindo minha roupa encharcar com a água que caía sobre mim. Vi ele se tirar o cinto, mover seu corpo para o lado, se aproximando da porta. Ele vai descer! Comemorei. Meu coração se agitou ainda mais. Saí da frente do carro, indo até a porta que ele abriu.

- Tu quer morrer? - Ele perguntou meio irritado, ainda dentro do carro. Saiu. Tentou se proteger da chuva grossa, sem sucesso. O carro foi embora.

- Se fosse o único jeito de conseguir falar contigo. - Respondi, juntando as sobrancelhas. 

- Theo, eu acho que já ouvi o suficiente. Parece que as coisas não têm... - Ele começou.

- Cala a boca! - Falei, sério, o interrompendo. Meus olhos ardendo, novamente. - Só me ouve. Eu não vou deixar que mais um mal-entendido te afaste de mim. - Parei brevemente, conferindo se o havia convencido.

- Tua ex-namorada tá grávida, Theo. - Ele falou. Vi seus olhos encherem de lágrimas. - Eu não quero...

- Não é meu. - Cortei ele, mais uma vez. Não queria que ele pensasse nem por um segundo a mais que isso nos afastaria. Vi seu rosto se contorcer em dúvida. - Faz mais de sete meses que nós terminamos. Tu viu alguma barriga ali? - Perguntei. Ele balançou a cabeça negativamente, parecendo aliviado. - Ela veio com uma proposta absurda. Uma loucura, mas não vem ao caso. O que importa é que não é meu, não pode ser. O que importa é o que eu tenho pra te dizer.

- E o que é? - Ele perguntou, com a voz cortando. 

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Tanto ele quanto eu já estávamos molhados da cabeça aos pés, mas isso não era incômodo. O que tínhamos para conversar, esse momento tão esperado, fazia qualquer coisa ao redor parecer detalhe. A chuva, na verdade, era muito bem vinda, pois assim ninguém passava por ali, nos dando uma privacidade oportuna para que colocássemos, enfim, tudo o que estava aprisionado para fora. Respirei fundo, tomando a coragem necessária.

- Desde aquele dia, na faculdade, quando tu me chamou, quando a gente se tocou, eu senti algo que nunca senti antes, com ninguém, por ninguém. - Assim que disparei as primeiras palavras, foram embora as lágrimas que eu não consegui mais segurar. Eu não conseguia saber se ele perceberia meu choro, em meio à chuva que molhava meu rosto. -  Eu sofri um bocado... - Minha voz travou na garganta, com a lembrança. Pigarrei, para repetir. - Eu sofri um bocado aqui em João Pessoa, antes de ir para Caruaru. E ainda estava sofrendo muito, lá. Estava perdido de mim mesmo. Eu estava tentando me encontrar. Então, apareceu tu. Um garoto! Que, como se fosse a coisa mais natural para mim, me arrebatou. Um garoto. - Fiz uma careta ao lembrar de todas minhas dúvidas.

- Então tu... - Ele começou, com o cenho franzido. 

Ele estava interessado e também tinha dúvidas. Isso me aqueceu por dentro, me encheu de esperanças. Mas espalmei a mão no ar, pedido que ele esperasse eu falar. Ele concordou com a cabeça. Eu poderia jurar que ele estava chorando. 

- Bastava tu sorrir e eu esquecia de tudo. - Retomei. Ele sorriu, um sorriso doce, discreto, com lábios cerrados. - Era como um remédio para minhas cicatrizes. Me perguntava como alguém podia me deixar assim. Eu parecia ter me encontrado. Mas ao mesmo tempo eu estava, mais uma vez, perdido. Eu me perguntava se eu conseguia causar essas sensações em tu. Eu não tinha o menor jeito pra tentar descobrir isso, pois estava inseguro. Eu nunca havia paquerado outro homem. - Falar isso, em voz alta foi ao mesmo tempo estranho e libertador. Até pareceu, de repente, que consegui respirar mais facilmente.

- Tu nunca... - Victor tentou mais uma vez, com seus olhos saltando no rosto. Eu responderia tudo que ele quisesse, mas não agora. Agora eu queria falar. Então, o interrompi novamente.

- Nunca paquerei outro cara. - Expliquei. - E só fiquei com um, até hoje. Foi antes de eu ir para Caruaru. Não chegou a ser um relacionamento. E não houve tempo pra paquera. Foi algo que me pegou de surpresa, desprevenido. Foi confuso, pois eu nem sabia que sentia desejos... Esse tipo de desejo por outros homens. Isso ia contra os meus princípios. Envolvia tantas questões. - Mais uma vez a sensação de estranheza e liberdade. A expressão de Victor era de total interesse e surpresa. - E por isso eu tinha muito medo do meu sentimento por tu. Eu tinha medo de me machucar novamente. - Um sorriso meio triste surgiu em meus lábios, quando cheguei a conclusão do que falaria em seguida. - E acabei me machucando, justamente por ter medo. Se eu tivesse me arriscado. Se eu tivesse um pingo de coragem que fosse. Se eu tivesse te falado o que eu sentia. - Parei por um segundo. Respirei fundo, lentamente. Meu peito subiu e desceu. Eu precisava me preparar para o que eu falaria a seguir. Não por ter dúvida das palavras, mas com medo do que elas poderiam causar. Mas eu não deixaria o medo vencer mais uma vez. Não deixaria a insegurança me dominar. Dei um passo em sua direção. Segurei suas mãos. Ele não se opôs. Seu cenho ainda franzido. Sua respiração também ofegante. - Eu não tenho mais medo. E tu faz com que eu esqueça qualquer questão ou princípio bobo. Porque... - Respirei fundo mais uma vez. - Eu te amo! - Eu não conseguia acreditar que falei as palavras. Eu não acreditava que eu consegui. - Eu tenho certeza que...

- Cala a boca! - Ele falou. Sua cabeça meneava negativamente e um desespero foi tomando conta de mim. - Agora é minha vez de mandar tu calar a boca. Porque eu não quero ouvir nem mais uma palavra... - Engoli seco. Minhas sobrancelhas se juntando. Sim, eu ainda tenho medo. Percebi. - ... antes de fazer isso.

Ele apertou minhas mãos, que ainda seguravam as suas, me puxou contra seu corpo e chocou nossos rostos. Sua língua invadiu a minha boca e eu levei uns três segundos para perceber e acreditar no que estava acontecendo. Ele está me beijando. Concluí. Um comichão surgiu dos meus pés, subindo por todo meu corpo. Minhas costas relaxaram. Era a sensação de alívio total. Ele me aceitou. Ele me quer. Então tudo, absolutamente tudo pelo que passei, valeu a pena.

Então eu retribui, aquele que descobri ser, o melhor beijo que provaria em minha vida. Meus olhos se fecharam. Puxei o corpo dele contra o meu. Encaixei minha mão em sua nuca. Nossas línguas dançavam uma coreografia que parecia vir sendo ensaiada desde sempre, para acontecer da forma mais perfeita. Sim, ele estava chorando. Percebi pela leveza do beijo e pelo sabor levemente salgado em seus lábios, assim que minha língua deslizou por ali. 

Eu esqueci onde eu estava, quem eu era. Tudo o que eu sentia era felicidade e um desejo descomunal. Senti que meu pau estava rígido como uma barra de aço, dentro da minha cueca. Victor também estava assim. Sentia quando coçávamos nossas pélvis. Mas conseguimos nos controlar. Não era lugar nem hora para avançarmos. O beijo foi diminuindo, trocamos alguns selinhos. Encostamos nossas testas. Eu ainda de olhos fechados, incrédulo.

- Tu ta descalço. - Victor falou, rindo. Eu também ri. - Vamos sair dessa chuva? - Ele propôs. Assenti com a cabeça.

  • • • • •  

- Aleluia! - Gritou Bia, se jogando ajoelhada no chão, ao abrir a porta do quarto e se deparar com Victor e eu molhados, sorrindo, de mãos dadas. Olhei apavorado para os lados. Todos os colaboradores da loja estavam hospedados naquele andar.

- Para com isso, louca! - Disse Victor, soltando minha mão para puxá-la de volta.

- Louca eu tava ficando de tanto me segurar pra não te chamar de viado na frente de Theo. - Disparou Bia. 

Ri, mas fiquei um pouco acanhado com a piada. Vi o rosto de Victor ficar vermelho. Seus olhos se arregalaram. Bia deu de ombros, se virou e entrou no quarto. Seguimos ela e fomos nos enxugar. Victor se trocou e me emprestou uma bermuda que ficou um pouco apertada. Liguei na lavanderia do hotel, para que viessem buscar minha roupa molhada e colocassem para secar. 

Bia perguntou se queríamos privacidade. Embora meu desejo fosse quase incontrolável, não era assim que eu esperava ter minha primeira noite com Victor. Sua expressão não demonstrava nenhuma pressa. Dissemos que não. Depois disso eu sentei na cama, Victor deitou no meu colo. Coloquei um travesseiro, para evitar que ficasse evidente minha alegria no contato com ele. Bia deitou da outra cama. 

Conversamos bastante. Pude perceber a cumplicidade de Victor com Bia, pela forma como ele não se importava de falar sobre seus assuntos na frente dela. Ele disse, que se apaixonou por mim no mesmo momento em que eu me apaixonei por ele. Quando o encarei, no corredor da faculdade. Comentamos sobre o incidente com o ônibus. Como aquilo teria influenciado para que nos conhecêssemos, daquele jeito. Caso não tivesse ocorrido, ele chegaria antes, entregaria a ficha de inscrição, não nos veríamos, ele não pegaria minha caneta para me entregar, não teríamos conversado aquela madrugada e começado a ter certa intimidade um com o outro.

Victor falou das indiretas que soltava pra mim, na tentativa de descobrir se eu curtia ou não. Mas eu era muito travado. Rimos muito. Mas eu também disse das vezes em que dei indícios de interesse. Ele disse que também tinha medo de perder uma ótima amizade que estava surgindo, por ser o gay que estava dando em cima do hétero. Eu disse que ele não tinha jeito de gay. Ele se incomodou e disse que isso soava preconceituoso.

- Gay não tem que ter um jeito específico. - Ele falou.

Fiquei um pouco envergonhado, mas mereci. Eu tinha muita coisa para aprender ainda. Descobri que ele é de fato gay, não bissexual, como eu me comecei a me definir. Disse que sempre soube e que dentro de casa não foi uma questão. Sua mãe sofreu até mais o que o seu pai, mas não por preconceito, só por medo do que ele teria que enfrentar. Senti um orgulho de sua família. Lembrei do meu pai. Expliquei resumidamente como as coisas eram pra mim. Ele disse que nos adaptaríamos como desse, até que eu me sentisse confortável para me assumir. Dei um beijo nele por isso.

- Oi mãe! - Atendi o telefone no meio da conversa.

- Cadê você, meu filho? - Ela perguntou no fone. Só então lembrei do jantar. Havia esquecido completamente, ali mergulhado naquela conversa. Olhei pra Victor. Já o deixei demais por outros compromissos.

- Mãe, é que eu tô resolvendo umas coisas e não vou conseguir ir. - Falei. - Podem jantar sem mim. - Victor se agitou, balançando a cabeça e agitando as mãos, como se dissesse pra eu não fazer aquilo, enquanto minha mãe se despedia.  Pisquei o olho e sorri pra ele, que parou. - Tá certo. Beijo! - Me despedi.

Minha roupa chegou e Bia se ofereceu para ir até a porta do quarto, buscar.

- Me diz alguma coisa, que eu não saiba. - Victor falou. Abri meus olhos para o encarar com meu cenho franzido.

- Como é? - Perguntei sem entender.

- Alguma coisa que eu não sei, me diz. - Ele repetiu. - Pra eu saber que isso não é um sonho. 

Então meu chão sumiu, meu peito inflou, meu sorriso quase rasga meu rosto. Isso pra ele seria um sonho. Ele realmente me deseja! Assim como eu o desejo. Pensei.

- Eu posso te beliscar. - Sugeri, sorrindo.

- Não! - Ele respondeu. - Já testei isso num sonho e não funciona. Acordei frustrado. - Ri com a carinha que ele fez. - Me diz uma coisa, que tu acha que eu não sei. - Seu sorriso demonstrava que aquilo tinha virado mais uma brincadeira do que de fato uma utilidade. 

- Deixa eu ver... - Pensei um pouco. Passeei meus olhos pelo quarto, procurando alguma referência. Vi umas moedas no criado mudo. Lembrei do que um professor falou certa vez na faculdade. - Tua sabia que uma moeda de cinco centavos gasta onze centavos para ser produzida?

- Não! - Ele respondeu, sorrindo.

- Agora tu! - Falei, me animando. Bia voltou, pendurou a roupa numa cadeira e sentou na cama. Enquanto isso Victor pensava.

- Tu sabe qual a cor do universo? - Ele perguntou.

- O que vocês fumaram enquanto eu fui ali? - Bia perguntou, sem entender porque ele me perguntava aquilo. Nós rimos.

- Preto, né? - Perguntei, jurando que estava certo.

- Não! - Ele respondeu.

- Azul? - Arrisquei. 

- Bege! - Ele disse.

- Bege? - Perguntei.

- Bege tô eu, com essa conversa de doido de vocês. - Disse Bia. 

Mais uma vez nós rimos. Explicamos do que se tratava, para que ela dissesse que aquilo era muita viadagem. Dessa vez consegui rir mais relaxado da brincadeira. Continuamos a conversa, esclarecendo as dúvidas que tínhamos sobre como as coisas haviam acontecido. Eu estava tão satisfeito, tão preenchido, de tê-lo ali, deitado em meu colo, podendo afagar seus cabelos.

Ele me contou que Sophia o avisou que eu tinha entrado na CXC aquele dia. Ela estava tentando ajudar e eu passei dias a odiando por pensar que ela fosse a ex-namorada de Victor. Quando contei isso ele e Bia riram muito. Mas depois o assunto ficou sério, quando ele contou de forma rápida sobre o fim do seu relacionamento com Caio.

Victor disse que ele começou a ficar possessivo e muito controlador. Ele percebeu a tempo que aquilo estava se tornando um relacionamento abusivo. Então terminou o namoro de quase um ano. Foi quando o louco do seu ex partiu com o carro pra cima dele, enquanto ele estava conversando com um amigo, em frente à faculdade.

Victor estava na moto, parado. Conseguiu pular de cima a tempo, mas Caio acertou a moto. Por isso ele estava indo de ônibus para a faculdade, quando o conheci. Ele me mostrou uma cicatriz no joelho, do machucado que conseguiu ao cair no chão. Senti um ódio de Caio. Se eu apenas sonhasse com ele fazendo isso a Victor, jamais teria trocado sequer uma palavra com ele. Fiquei até triste que Victor houvesse me comparado a ele. Mas, pelo jeito que ele me olhava, vi que foi apenas um exagero, por raiva e ciúmes de mim, não de Caio. Me senti especial.

- Eu já me sentia tão envolvido a tu. - Ele falava, seu rosto sério, seus olhos penetrando os meus. - Isso quando eu tinha prometido a mim mesmo não me envolver tão cedo com outro cara. Foi um baque ouvir Caio dizendo que vocês tinham se beijado. Foi como se eu tivesse me afogando mais uma vez na confusão que foi o fim do nosso relacionamento. Eu fiquei muito triste. - Seus olhos encheram de lágrimas. - Não queria te ver. Não queria me envolver de novo em nada que tivesse ligação com Caio. Por isso eu te evitei. Era isso que tu representava pra mim, naquele momento. E doeu tanto. - Ele falou, uma lágrima escorreu dos seus olhos. Depois de enxugá-la, dei um beijo leve e rápido em sua boca, para lembrá-lo que eu estava ali, que eu era dele. - Me desculpa por isso. 

- Eu te entendo. - Falei. Por mais que eu houvesse sofrido com o que Davi fez comigo, eu não conseguia nem imaginar o que Victor devia ter passado no seu relacionamento com Caio, com seus abusos. Eu tive uma leve amostra da loucura do dono da boate, quando ele surtou à direção, e tive medo. Imagino como foi pra Victor conviver com isso durante quase um ano. - Não precisa se desculpar. Pra nossa sorte Bia esclareceu tudo, né?! 

Victor meneou positivamente a cabeça em resposta. Olhei pra Bia, que sorriu com os lábios serrados. Ela já tinha feito várias piadas durante nossa conversa, nos momentos mais inoportunos, inclusive. Mas sua expressão diante do choro de seu amigo me fez ter uma noção do tamanho do sofrimento dele com aquilo. E o quanto isso a afetava. Fiz questão de ser claro, repetindo para ele tudo o que eu já havia dito a Bia, sobre o que aconteceu entre Caio e eu. Sobre o beijo roubado na boate, sobre a noite em que dormi na casa dele. Victor não ficou feliz, mas admirou minha sinceridade. 

Revelei que eu pensava que ele tinha dormido com Davi e ele me explicou aquilo que Bia já tinha dito. Que pegou a carona apenas até a casa de Bia e de lá foi embora com o pai. E que entraram juntos na loja porque Davi estava na calçada, esperando. Disse que percebeu que Davi estava dando em cima dele, mas foi apenas educado. Pensei em contar sobre o meu passado, mas achei que ainda não era o momento. Ele me contava que reconheceu Fernanda por que foi stalkear seus perfis nas redes sociais, com ciúmes. Foi quando meu celular tocou, novamente.

- Oi, Fred? - Atendi o telefonema do meu irmão, dessa vez. 

- Tu vai comigo ou no teu carro? - Ele perguntou.

- Pra onde? - Questionei.

- Tu esqueceu da despedida de solteiro? - Ele perguntou. - Não acredito, velho! 

- Puta que pariu! - Exclamei. Estar com Victor me fazia esquecer o mundo. Ele e Bia me fitaram com os olhos arregalados. Fiz um sinal para não se preocuparem. - Eu vou no meu carro. - Falei, calculando o quanto eu chegaria atrasado.

- Não demora, porra! - Ele falou e desligou na minha cara.

- Gente! - Falei, triste pelo que ia dizer. Eu já tinha furado o jantar, mas a despedida de solteiro de Fred não teria como.- Eu vou ter que ir embora. É que vai rolar uma despedida de solteiro pra Fred... - Vi o rosto de Victor enrubescer. - Só uma bebedeira, para os amigos na chácara dos meus pais. - Me peguei justificando. - Quer ir? - O convidei, sem nem pensar. Não queria me afastar dele.

- Não. - Ele respondeu, se sentando. - Vai lá. Eu ia ficar deslocado. E essa daí ia me matar se eu deixasse ela sozinha.

- Ia mesmo! - Bia falou.

- Certo! - Me levantei da cama. - Vou me trocar. - Peguei minha roupa e entrei no banheiro. Sai logo. Fui até Victor, dei um selinho nele. - A gente se vê amanhã, no casamento.

- Tá! - Ele falou. - Cuidado no que vai fazer hoje. - Seu tom era exagerado, mas o ciúme era genuíno. Sorri feliz.

- Pode deixar! - Falei e fui embora.

Fui relaxado, pois finalmente eu tinha Victor para mim.

      • • • • •      

Cheguei quase uma hora atrasado na despedida de solteiro do meu irmão. A festa já estava rolando solta. Não podia nem trocar mensagens com Victor, pois o sinal lá era péssimo. Sim, tinham mulheres na festa, mas eu consegui me esquivar bem de todas que vieram falar comigo, interessadas. Sim, me surpreendi ao ver que Davi estava lá, mas me mantive a noite toda afastado dele, não trocamos nenhuma palavra. Sim, eu bebi e dormi na chácara, mas tranquei a porta do quarto à chave, para evitar qualquer surpresa.

  • • • • •  

https://youtu.be/9RbcR_KSRB8

Eu caminhava até o altar, montado no salão, braços dados a uma prima de Luna. À minha frente uma parede de vidro, mostrando o início do crepúsculo no oceano, em João Pessoa. Era uma imagem linda, mas não me prendia, uma vez que eu poderia encarar algo ainda mais deslumbrante. Procurava entre todos os rostos que me fitavam o dele e o achei. Victor estava muito mais lindo do que o entardecer, com aquele cabelo meio assanhado, contrastando perfeitamente com seu traje social. Sorri, ele sorriu. Me senti um pouco mais preenchido com amor.

Tive que me concentrar para conseguir evitar de ficar encarando Victor durante toda a cerimônia. Foi difícil. Fotos, assinaturas em papéis, mais fotos, saída do salão da cerimônia e ida para o salão da festa. Finalmente eu poderia tocá-lo. Pelo menos tocá-lo. Ver seu sorriso. Ouvir sua voz. Seria o suficiente para acabar um pouco com a saudade que eu já sentia, com tão pouco tempo longe do homem que amo. Mal chegamos e dei um jeito de chamar ele até a praia. 

  • • • • •  

Assim que encontramos um local privado, abaixo da estrutura do salão onde ocorreu a cerimônia, nos agarramos, procurando um a boca do outro, desesperadamente. Nos beijávamos com vontade, esfregando nossos corpos. Cheirei seu pescoço, aquele cheiro delicioso. Ele passou a língua em minha orelha, me fazendo arrepiar.

- Eu precisava disso. - Falei. 

- Eu também. - Ele disse. - Mas preciso ainda de outra coisa. Te dizer algo, que no meio do impacto de tudo, ontem, acabei esquecendo de falar.

- O que é? - Perguntei, um pouco preocupado.

- Eu te amo! - Ele disparou, sem que eu esperasse. Realmente, ele não tinha falado essas três palavras. Não ainda. Embora já tivesse provado esse sentimento, ouvir ele falar aquilo fez meus olhos encherem de lágrimas. - Eu te amo! - Repetiu. Me senti completo, cheio, totalmente preenchido com aquelas palavras.

- Eu também te amo! - Falei, com a voz embargada. - Eu te amo, como nunca pensei que fosse possível amar alguém.

O abracei. Ficamos assim por alguns instantes, até que ouvimos a voz de algumas pessoas se aproximando. Corremos pela escada oposta, para que ninguém nos visse. Voltamos ao salão, onde ocorria a festa. Nos juntamos a Bia. Os apresentei melhor aos meus amigos. Logo estávamos todos dançando juntos, bebendo, rindo. Nem lembrei da presença de Fernanda e Davi no evento, tamanha era minha distração com meu amor.

Victor me mudou. Victor me curou. Ele me fez passar por cima de preconceitos, medos, inseguranças, princípios... Meu amor por ele fez isso. Eu sentia isso ao olhar para ele, ali, naquele momento, sorrindo e olhando de volta para mim. Eu estava tão feliz que minha vontade era beijá-lo, ali mesmo, na frente de todo mundo. Mas eu não podia fazer isso. Pelo menos não por enquanto. Mas eu estava disposto a lutar para mudar isso. Porque eu o queria para sempre. E para ter isso eu precisava resolver todas as questões envolvidas. Mas não agora. 

Agora, eu só queria me divertir com ele, arrancar mais e mais sorrisos seus, para fazer aparecer aquelas covinhas enlouquecedoras. Agora, eu queria tocá-lo, um toque que para muitos ao redor de nós seria apenas um esbarram acidental, mas que para nós tinha um significado muito diferente. Agora eu só queria ser feliz, feliz em me encontrar, em encontrar alguém que está me fazendo tão feliz, como há tempos eu não me sentia. Agora, eu só queria a certeza de que eu sou dele e de que ele é meu.  Agora, eu queria amá-lo se ser amado. E eu estava conseguindo tudo isso. Esperava que fosse pra sempre.

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[AVISO] 

E acabou! Que aperto no coração! Mas ainda tem o Epílogo, tá?! Não se esqueçam. Muita gente já deve imaginar o que terá nesse epílogo. kkkk... Ele será liberado assim que ficar pronto. E só então marcarei "Insônia" como uma obra completa. 

Fiquem de olho também no meu outro livro "Os Segredos de Rafael". Farei alguns capítulos especiais sobre o fim de "Insônia". Quem aí tem curiosidade em saber os rostos que usei como inspiração para cada personagem? Então, aguardem que vou mostrar lá! 

O capítulo ficou enorme! Não poderia ser diferente. kkkk... Bateu mais um recorde. OITO MIL PALAVRAS. O próximo deve ser bem menor e além de concluir esse, fará uma breve introdução ao próximo livro da trilogia, que é "Adormecer".

Espero de coração que tenham gostado do capítulo. "Finalmente" Theo e Victor desenrolaram esse romance. Me digam o que acharam. Amo vocês! Beijos.




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