Capítulo 43 - Rápido
Será que eles dormiram juntos? Era a pergunta que ecoava em minha cabeça. Pelo menos Victor deveria ter se sentido vingado ao saber, por Bia, que eu dormi na casa de Caio. Mas no meu caso eu tinha dormido no sentido literal da palavra. Victor e Bia se separaram de Davi, indo na direção dos banheiros. Meu primo, ainda sorridente, caminhou em minha direção. Pressionei meu pulso fechado, com muita força, tentando conter a raiva.
- Boa tarde, primo. - Davi falou, ao chegar próximo de mim.
- Boa tarde é o caralho! - Bravejei baixinho, entre os dentes. Ele fez uma cara de assustado, caricata. - O que tu ainda tá fazendo aqui?
- Davi! - Ouvi a voz do meu pai atrás de mim, me interrompendo. - Que bom que tu chegou. Queria falar contigo, antes da reunião. Theo, meu filho. - Me virei, o encarando. - Sua sala está aberta? - Perguntou.
- Não! - Respondi, colocando a mão no bolso. - Mas a chave tá aqui. - Falei, passando-a ao meu pai.
- Vamos lá Davi? - Meu pai falou, me excluindo da conversa. - Quero discutir aquela ideia contigo.
- Vamos sim, tio. - Respondeu Davi, que antes de seguir meu pai piscou o olho para mim.
"Aquela ideia"? Que ideia? O que tá acontecendo? O que o meu pai tem para conversar com Davi? Por que eu não posso saber? Minha cabeça pensava, enquanto era bombardeada com mais questões por todos os lados.
- Theo, quando todos estiverem aqui leve-os à sala de reuniões. Já chego lá! - Meu pai falou, antes de ir embora com meu primo.
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Eu aguardava Victor voltar do banheiro, pensando em algum modo de falar com ele. Mas ali, com tantas pessoas ao redor, seria impossível. Eu só precisava de cinco minutos com ele. Isso se ele quisesse me ouvir. Eu suava frio de nervosismo. Então, Bia surgiu, bem à frente de Victor. Quando fiz menção de ir na direção deles, ela arregalou os olhos para mim, balançando negativamente a cabeça. Foi um sinal claro. Brequei. Como todos já tinham chegado, me apressei, na esperança de conseguir ficar a sós com ele à tarde.
- Pessoal, vamos todos até a sala de reuniões. Meu pai quer falar com vocês lá. - Anunciei.
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Ficamos apenas alguns poucos minutos, até que meu pai surgiu pela porta. Ao vê-lo, os funcionários, que trocavam algumas palavras, se posicionaram, alguns sentando nas cadeiras disponíveis, outros ficaram em pé. Esperei que Davi viesse logo depois, mas ele não apareceu. Dei alguns passos até ladear meu pai.
- Cadê Davi? - Perguntei, tentando não cuspir ao pronunciar o nome.
- Foi embora. - Meu pai respondeu. - Já tratamos do que tínhamos a tratar.
- E eu posso saber qual o assunto de vocês? - Perguntei, curioso.
- Assim que se tornar algo concreto. - Ele retorquiu. - Por enquanto, vai ficar entre ele e eu.
- O senhor tá fazendo muito suspense. - Tentei brincar, dando um riso falso, quando na verdade eu estava aflito. - Essa reunião mesmo, você não me contou sobre o que é.
- Mas vou contar agora. - Disse meu pai. - A você e a todos. - Então ele se virou para as pessoas, que já nos miravam. - Boa tarde a todos.
- Boa tarde! - Responderam em uníssono.
- É um prazer ver o sorriso no rosto de vocês no primeiro dia de funcionamento da nossa loja. Vocês já devem ter percebido que eu gosto de falar um pouquinho. - Todos riram. - Mas vou tentar ser breve.
- Como se isso fosse possível. - Falei. Todos riram novamente, inclusive Victor. Então por um segundo seus olhos fitaram os meus e ele parou de sorrir. Meu sorriso também cessou.
- Bem, eu tenho apenas dois avisos para dar a vocês. - Meu pai retomou o discurso. - Na verdade são dois convites. Primeiramente, eu acho fundamental que vocês tenham conhecimento de causa na hora de desenhar e vender os nossos produtos aos clientes. Por isso, gostaria que vocês conhecessem nossa linha de produção, lá na fábrica em João Pessoa.
- Já gostei! - Disse Camila, arrancando risadas de todos. Aproveitei o momento de burburinho e olhei para Victor, mas não fui encarado de volta.
- Eu ia agendar uma data posteriormente, com Theo, até por isso ele não sabia o que eu ia falar aqui, hoje. - Explicou o patrão. - Mas ontem, durante a inauguração, eu acabei tendo uma ideia e quero propor, agora, a vocês. Como eu falei ontem, meu filho mais velho, Frederico, estará casando nesse fim de semana. Então esse é meu segundo convite. - Me juntei a todos na surpresa. - Gostaria de ter vocês lá, conosco, para estreitarmos os laços. Sendo assim, gostaria de marcar a visita à fábrica na sexta-feira à tarde. Vocês dormiriam lá e, no outro dia, iriam ao casamento. - Começou mais um burburinho. - Os custos de transporte e hospedagem serão por conta da empresa, é claro. - O tom passou a ser de comemoração. - Confirmem com Theo, para que possamos organizar o transporte e reservar hotel. Além do mais, se der certo, teremos que fechar a loja na sexta e isso precisa ser anunciado com antecedência. Isso é tudo!
Seguiram-se alguns rápidos e modestos aplausos e, então, os colaboradores começaram a conversar entre si.
- Nossa! - Falei. - Me surpreendi.
- Com o convite? - Ele perguntou.
- Também. - Respondi. - Mas com o fato de o senhor ter sido realmente breve. - Ele riu.
- Bem filho, se organize com o pessoal e me dê a resposta ainda hoje. - Meu pai falou. - Eu já estou indo, quando chegar em João Pessoa quero saber se deu certo, para providenciar tudo por lá.
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Me despedi do meu pai, depois de trocar mais algumas palavras. Em seguida abri oficialmente a loja. A semana tinha sido reservada para atender arquitetos e designers de interiores convidados, para apresentar nossos produtos e socializar num coffe break, a fim de aumentar e fortalecer nossa rede de contatos com os profissionais da área. Eu era responsável pela palestra e, por conta disso, o tempo ficou corrido.
Além disso, tinha a questão do fim de semana. Precisei confirmar a presença de todos os funcionários. Bia me procurou para falar sobre ela e Victor. Disse que tinha um problema, que era a aula na noite da sexta-feira. Fiquei de falar com Andreza sobre isso. Como tinham mais pessoas do lado, não consegui falar com ela sobre o que eu queria. Sendo assim, não consegui ficar a sós com Victor. Quando finalmente fiquei livre o procurei, mas a sala dos estagiários já estava vazia. Olhei o relógio e já passavam das seis.
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À noite parece que tudo piorou. Eu sozinho, em casa, não conseguia me concentrar em outra coisa se não em Victor e tudo o que estava entre nós. A dúvida sobre o que teria acontecido entre ele e Davi me corroía. Eu cheguei ao ponto de abrir a conversa do meu primo no Whatsapp, mas não tive coragem de escrever. Eu não daria esse gostinho a ele. Sem contar que eu corria o risco de ser ignorado, como tanto tinha feito com ele. Seria uma chance de se vingar. Como se ele tivesse esse direito.
Falei algumas vezes com Victor. Com ele eu não tinha medo de ser ignorado. Entre alguns "Oi", "Victor?" e "Queria conversar contigo.", pensei em mandar um áudio, mas também desisti. Preferia falar com ele pessoalmente. Ele precisava ver a sinceridade em meus olhos, por enquanto eu explicava tudo. As chances de ficar a sós com ele no dia seguinte também seriam pouquíssimas. Sem contar que, depois de pensar um pouco, eu decidi que a loja seria um péssimo lugar para ter essa conversa. Vai que as coisas fugissem do nosso controle.
Mas, então, o que eu posso fazer? Esperar até João Pessoa? Sem chances. Eu nem sei se ele vai. Eu pensava. Meu coração já estava doendo demais. Como eu aguentaria tanto tempo sem aquela presença e aquele cheiro aos quais eu já tinha me acostumado. As lágrimas mais uma vez tomaram conta do meu rosto, enquanto eu estava perdido, sem rumo, deitado na minha cama, enrolado na toalha com a qual me enxuguei depois do banho.
Vou na faculdade? Pensei. Também é muito movimentado para essa conversa. Sem contar que corre o risco dele passar e eu nem o ver. Já sei! Tive uma ideia. Levantei, num salto e enxuguei as lágrimas do rosto. Vesti uma roupa e dei uma conferida rápida no espelho. Peguei a cueca que Victor tinha esquecido lá no apartamento, minha carteira, a chave do carro. Vou esperar ele chegar da faculdade na frente da casa dele.
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Faltavam vinte e quatro minutos para as dez horas. Já faziam trinta e um minutos que eu estava ali, com meu carro estacionado na frente da casa de Victor. Eu devia ter calculado melhor o tempo, para não sofrer tanto com a ansiedade. Ele largaria da faculdade às dez, mas teria o tempo até chegar em casa. Uns dez minutos? Eu calculava, quando a porta da casa se abriu.
Um homem segurando uma lixeira saiu da casa. Tirando os olhos, que Victor definitivamente puxou à mãe, ele era muito parecido com o pai. Parecia até uma versão mais velha do filho. Aparentava ser um pouco mais velho do que Milena também. Me distraí na análise, até que percebi ele me olhando de volta pelo para-brisa. Tomei um susto.
Ele tinha uma expressão de dúvida ao me olhar. Passeava o olhar pelo carro. Devia estar pensando quem eu era e o que estava fazendo ali. Meu coração acelerou. Meu disfarce foi por água abaixo. Eu precisava, definitivamente, de um carro mais discreto. Dei partida no veículo e acelerei um pouco, parando ao seu lado. Abaixei o vidro do carona.
- Oi! Boa noite! - Cumprimentei.
- Boa noite! - Ele respondeu. - Tá perdido por aqui?
- Não! - Respondi. - Na verdade, não. Deixa eu me apresentar. Eu sou Theo, o...
- Ah! - Ele me interrompeu. - O dono da loja onde o Vitinho está estagiando. Não é?!
- Isso! - Confirmei. - Eu mesmo.
- Eu sou Miguel, o pai. É um prazer conhecer você! - Ele se apresentou, como se fosse necessário dizer quem era, com aquele sorriso idêntico ao do filho no rosto. - Desculpa não poder apertar sua mão. - Ergueu a lixeira que segurava.
- Sem problemas. - Falei. - E o prazer é todo meu.
- Minha esposa falou que te conheceu. Que você passou por aqui um dia desses. - Comentou.
- Verdade! - Confirmiei. - Muito simpática, dona Milena.
- Se ela sonhar que tu tá chamando ela de dona... - Ele brincou.
- Nossa! - Exclamei exageradamente. - Já levei uma bronca por chamar ela de senhora.
- Ela é linha dura. - Ele falou rindo. Gostei do pai de Victor. Agora eu entendia ainda mais de onde vinha tanta simpatia. De repente, mais uma pontada no coração pela possibilidade de não poder desfrutar mais dessa qualidade do meu príncipe. - E comigo também não precisa ter cerimônia. Nada de senhor. Só você ou Miguel mesmo!
- Se você prefere assim! - Falei. Rimos.
- Então, rapaz. Vamos entrar? - Ele convidou. -Tu tá muito corajoso para quem foi assaltado recentemente.
- Pois é! - Eu ri, arregalando os olhos, sem graça. Claro que ele já sabia. Pior que todo esse meu foco em Victor até me fez esquecer o trauma. - É que... - Eu tentava pensar em uma desculpa para estar parado aquela hora na frente da casa dele. - É que eu fiquei de confirmar com Victor uma viagem da loja a João Pessoa, nesse fim de semana. - Foi a única coisa que me ocorreu naquele momento. - E o dia hoje foi tão movimentado que nem consegui falar com ele. É coisa rápida. Eu tentei ligar para ele, mas não deu linha. - Me senti mal por mentir. - Aí resolvi dar uma passada só para confirmar isso com ele. É coisa rápida. Falo com ele amanhã, na loja. - Eu parecia uma metralhadora de palavras. Nem me dei conta de que já tinha falado o suficiente para convencê-lo.
- Eu aviso a ele que você passou por aqui, então. - Não! Eu pensei, desesperado, quando ele propôs!
- Não precisa. - Eu disse, num tom mais calmo do que aquele em minha cabeça. - Ele vai acabar pensando que era algo mais importante e ficar preocupado. Só vim porque tava passando aqui por perto mesmo. Pode deixar, que amanhã eu falo com ele.
- Se você prefere assim. - Falou, me parafraseando. Voltamos a rir.
Foi quando um farol bateu em meu rosto me chamando a atenção. Era uma moto, que se aproximou rapidamente, subindo na calçada da casa. Com a lembrança recente do assalto, trazida a tona por Miguel minutos antes, eu senti, ao mesmo tempo, um aperto no coração e meu sangue sumir do rosto. Mas essa agonia virou alívio, assim que o motociclista tirou o capacete e se revelou o rosto mais lindo que eu poderia ver. Victor!
- Que susto! - Eu falei. Miguel riu.
- Pelo menos você não vai mais perder a viagem. - Falou o homem que em minha mente eu desejava chamar de sogro. Que loucura! - Já filho? - O pai perguntou.
- Já! - O filho respondeu, olhou brevemente para mim, voltou a encarar o pai. - Larguei mais cedo.
- E a moto, ficou boa? - Perguntou miguel, ainda se dirigindo ao seu primogênito.
- Ótima! - Victor exclamou em resposta. Só então lembrei o motivo da moto precisar de concerto. Em flashs relembrei nossos últimos dias juntos. Como eu desejava aquele garoto. - Perfeita. Obrigado por levar para concertar, pai.
- Por nada, filho! - Falou Miguel. - Teu patrão quer falar contigo.
- Vou guardar a moto e já saio. - Ele respondeu ao pai, como se evitasse falar comigo. Em seguida me encarou mais uma vez, rapidamente. Rezava para que o pai dele não percebesse o clima. Ele apertou alguma coisa na jaqueta de couro e o portão da garagem começou a se abrir e, assim que o espaço era suficiente, entrou com a moto.
- Foi um prazer, Theo. - Disse Miguel, voltando a se abaixar para me mirar pela janela do passageiro. - Apareça mais vezes. - Ele convidou.
- Sempre que der. - Respondi com um sorriso tenso.
Eu desejava realmente ter muitas outras oportunidades de voltar ali. Em situações mais felizes, preferencialmente. Vi Miguel colocar a lixeira no chão, próximo à porta de entrada para qual ele se dirigiu. Deu de cara com o filho que saia. Trocaram algumas palavras, Victor assentiu, seu pai acenou com a mão para mim, e eu respondi com um balançar de cabeça, antes que ele entrasse definitivamente.
Por uma fração de segundo eu esqueci de tudo que se passava, ao me distrair com a beleza de Victor vestindo aquele jeans rasgado, camiseta branca e jaqueta de couro por cima. Estou apaixonado. Completamente. Voltei a mim quando ele cruzou os braços, parado à porta, mostrando que não viria até o carro. Respirei fundo, desliguei o carro e desci. Dei alguns passos até ficar frente a frente com ele.
- Eu... - Tentei falar.
- Theo! - Victor me interrompeu. - Eu não falei na frente no meu pai, par evitar que ele presenciasse. Mas eu não quero falar contigo. Vim só te avisar isso, caso tu não tenha percebido. - Sua voz saia tremida, seus olhos brilhavam. Meu coração se despedaçava no peito.
- Mas Victor... - Tentei falar algo, mas meu desespero me calou.
- Eu não vou deixar Bia sozinha lá na loja, para não sobrecarregar ela. -Anunciou ele, falando a última coisa que eu queria ouvir aquele momento. - Mas quero avisar formalmente, assim que vocês conseguirem chamar alguém para ocupar minha vaga eu entrego meu cargo. - Falou. - Até lá eu só te peço espaço.
- Não faz isso. - Pedi. - Por favor!
- Não precisava vir até aqui. Eu não quero outro obsessivo em minha vida. - Ele disse, revelando minhas suspeitas. Lembrei do comportamento de Caio mais cedo. Com certeza era sobre ele que Victor falava. - Inclusive, vocês combinam bastante.
Com a última palavra uma lágrima caiu de seu olho esquerdo. Em seguida o direito também escorria. Eu queria abraçá-lo, beijá-lo, acalmá-lo. Jamais quis fazê-lo chorar. Mas se eu tentasse algo e ele não reagisse bem? Ele acha que eu ou obsessivo, só porque vim até a casa dele? Pensei. Foi o que me fez ficar parado. Não piorar essa impressão errada. Tentei então explicar tudo, sem me movimentar. Meus olhos ardiam.
- Victor, sobre Caio... - Tentei mais uma vez.
- Sobre Caio, eu devia ter ouvido o que Davi falou. - Disse Ele. Eu franzi meu cenho, imaginando do que ele estava falando. - Você não perde tempo, Theo. Só não pensei que fosse tão rápido.
Com isso ele bateu a porta na minha cara, fazendo com que no passo que dei para trás minhas lágimas também caíssem. Meu estômago embrulhou com a lembrança do primeiro momento em que Victor e meu primo estiveram frente a frente. Eu desejava que isso nunca tivesse acontecido. Que Davi nunca tivesse saído do meu passado, onde já tinha feito tanto estrago, para perturbar também o meu presente.
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[RECADO]
Oi! Acabei esquecendo de avisar no capítulo passado que eu lancei no meu perfil o livro "Os Segredos de Rafael". Se você ainda não viu, vai lá. Falei um pouco sobre a reta final de "Insônia", entre outras coisas. Tem um Book Trailer lá, também. Espero que gostem! Beijão!
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