Capítulo 42 - Lembranças: Parte 21
Uma dor me incomodava. Meu joelho, o que estava encostado no chão, tinha pousado sobre alguma pedrinha que, possivelmente, devia ter caído dos adornados vestidos das mulheres que desfilavam pelo salão. Talvez fosse da própria Nanda, que deslisava seu olhar entre os convidados, ainda atônita, antes de responder. Anda, Nanda! Rápido! Eu pensava. Era uma dor chata, que beirava o insuportável. Talvez fosse um sinal.
- Sim! - Ela finalmente falou. - Claro que sim.
Ufa! Comemorei o fato da resposta enfim ter sido dada. Levantei num salto. Mais aplausos, gritos. A cerimonialista pediu para que um assistente seu trouxesse o buquê de rosas brancas. As preferidas de Nanda. Eu fazia questão de ficar de costas o quanto desse, para esconder meu rosto corado. Coloquei o anel no dedo da minha, agora, noiva. Ela estendeu o braço na direção dos convidados, como se fosse possível eles enxergarem de tão longe. Eu me posicionei ao seu lado para uma foto, foi quando fiquei frente à frente com as pessoas de todo o salão, as quais nos miravam de volta.
Encarei meu pai, que sorria orgulhoso. Minha mãe enxugava uma lágrima. Meu irmão, que abraçava minha cunhada fez um sinal de positivo com a mão, em apoio. Meus amigos, em conjunto bateram uma mão espalmada na outra fechada, num sinal de "se fodeu". Eu ri. Minha sogra me mandou um beijo e seu marido passou o dedo em riste pelo pescoço, como se ameaçasse arrancar minha cabeça. Eu pisquei para ele e ele sorriu. Por último vi Davi, que ao ver meus olhos cruzarem com os seus, lenta e negativamente balançou a cabeça, deu as costas e saiu. O perdi de vista entre os convidados.
- Um beijo! - Ouvi o fotógrafo falar, me tirando da minha distração. O encarei. - Um beijo para a foto! - Ele explicou.
- Ah! - Eu disse, obedecendo seu pedido em seguida.
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- É disso que eu gosto filho! - Meu pai falava. - Atitude! Homem, cabra macho, tem que ter atitude mesmo. Tá de parabéns!
- Mas podia ter me avisado. - Minha mãe interviu. - A gente podia ter feito uma festa de noivado. - Ela lamentou. De repente seu rosto se iluminou. - Mas podemos fazer um jantar em comemoração. Como o do teu irmão. Vocês são tão apressados. - Ela transferiu o olhar de mim para Fred. Voltou a me olhar. - Amanhã mesmo eu combino tudo com Fernanda.
- Inclusive, filho! - Meu pai retomou a fala. - Eu estou trabalhando uma ideia há um tempinho e você ter feito isso foi como um sinal de que talvez eu esteja certo. Amanhã conversamos sobre isso.
- Ok, pai! - Repondi.
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- Mas não é porque noivou que já tem que casar, né?! - Romero dizia. Todos riram. - Daqui há uns dez anos discutimos isso. - Continuou com as brincadeiras meu sogro.
- Para com isso! - Raquel falou. - Eu amo meu genro. Já é como um filho para mim.
- Obrigado sogra! - Eu falei.
- Eu sei bem! - Nanda disse. - Tem horas que defende mais ele do que eu.
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- Mas tu devia ter contado, porra! - Igor falava.
- É! - Gui concordou. - A gente te levava num psicólogo, psiquiatra, sei lá... Pra ver se tu tá em pleno uso das tuas faculdades mentais.
- Pois é! - Toninho interviu. - Meu avô teve que fazer uma parada dessa por conta do testamento dele.
- Vão se foder! - Eu falei rindo. - Vocês tão me chamando de louco? - Perguntei retoricamente. - Eu apenas achei que era o momento. - Eu forçava minha mente a acreditar que isso era verdade. - Mas me digam uma coisa, vocês viram Davi?
- Ele tava com a gente quando tu fez o pedido lá. - Gui respondeu.
- Eu vi! - Falei.
- Depois disso eu não vi mais ele. - Disse Toninho.
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- Eu ainda não tô acreditando. - Nanda falava. O salão já estava quase vazio. - Ele é tão lindo. - Ela encarava o anel. - Tu me pegou de surpresa.
- Essa era a intenção. - Eu falei. Ela sorriu.
- Obrigado! - Ela falou. Seus olhos lacrimejaram. - Muito obrigado, meu amor! - Seu olhar era estranho. Uma lágrima caiu. Ela me abraçou.
- Não precisa agradecer. - Eu disse. - Quer ir embora? - Perguntei.
- Quero sim. - Ela respondeu.
- Então vamos, eu te levo. - Falei.
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Deixei Nanda em casa quando o céu já ameaçava ficar claro. Conversamos um pouco no carro. Algo em seu olhar estava me incomodando. Tinha alegria, mas tinha algo mais. Arrependimento? Será que ela não queria aceitar o pedido? Será que eu me precipitei? Eu pensava. Nem desci do carro. Estávamos cansados e aquela noite não renderia nada mais para nós. Me despedi com um beijo e ela desceu. Segui para casa, pensando em tudo.
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Deitado em minha cama eu pensava em tudo. No que aquela noite havia significado para mim. Minhas esperanças eram de que eu tivesse conseguido colocar um ponto final em toda aquela história de me sentir atraído por homens. Tudo aquilo que aconteceu com Davi. Davi! O que será que está se passando com ele? Ele sumiu. Peguei meu celular e abri o Whatsapp, na conversa com ele.
Théo Santos Sá: Primo?
Ele recebeu a mensagem instantaneamente, mas olhei pela janela e vi o dia já claro. Ele certamente estaria dormindo. No dia seguinte eu falaria com... Antes que eu concluísse meu raciocínio seu status mudou para online. Eu nem tinha fechado o aplicativo ainda. O duplo check ficou azul, indicando que ele havia lido. Aguardei pelo status "escrevendo...", mas ele não apareceu. No lugar apareceu "Vistor por último às 5h21". Franzi o cenho, travei o celular, coloquei-o sobre o criado mudo e cobri minha cabeça com um travesseiro, tentando forçar o sono a vir. Ele, como sempre, demorou um pouco.
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- Mas Caruaru, pai? - Eu perguntava, depois dele me informar sobre a tal ideia que havia comentado na noite anterior. - Os planos da nova filial não eram pra Campina Grande? - Perguntei, tentando organizar minhas ideias. Tinha acabado de acordar.
- Eram sim. - Meu pai respondeu. - Mas nós analisamos que já temos um numero expressivo de clientes que saem de Campina para vir comprar aqui em João Pessoa. Então concluímos que é melhor fazer com que a marca entre em mais um estado. Caruaru é uma cidade central em Pernambuco e o mercado de arquitetura tem crescido bastante por lá.
- Sei. - Falei, surpreso com o avanço da análise de mercado que já havia sido feita. - E o senhor esperava me contar que me quer cuidando da nova loja, em outro estado, somente quando ela estivesse pronta?
- Não, filho. - Meu pai disse, rindo. - As coisas não estão assim, tão adiantadas. Eu ainda estava para decidir se de fato seria Caruaru e se já seria para o início do próximo ano. Tem sua faculdade e tudo mais. Queria esperar. Mas sua atitude ontem me mostrou que você tem planos e uma coragem maior do que eu esperava. Por isso, me decidi. Abriremos a filial em Caruaru e você cuidará dela. Já marquei uma reunião com uns contatos que tenho lá. Vamos amanhã cedinho.
- Mas já? - Perguntei, meio assustado com tanta novidade. Mudar de estado não estava entre meus planos. Muito pelo contrário. O que eu vou ganhar indo para um lugar onde não conheço ninguém? Pensei.
- Já! - Meu pai falou. - Temos que nos organizar, se quisermos abrir no primeiro semestre do ano que vem.
- É que, tem a faculdade de Nanda. - Tentei articular.
- Lá tem o curso dela. - Ele disse, me surpreendendo com o nível das informações que já tinha. E ainda diz que as coisas não estavam avançadas. - Qualquer coisa transfere. Ou se ela quiser terminar aqui, ela conclui quando?
- Ano que vem. - Falei.
- Pronto! - Ele exclamou. - Vocês se organizam. Ela vai um fim de semana, você vem no outro. Enfim. Pense no seu futuro, meu filho. Vá se acostumando. Caruaru é seu futuro. - Ele falou sem saber o poder que as palavras têm. Enquanto eu não estava nada feliz com essa decisão.
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Acabei cancelando a ida com Nanda à fazenda dos avós dela. Seus pais viajariam em dois dias, para comemorar o aniversário de casamento e queriam passar um tempo com a família, antes disso. Contei sobre a decisão do meu pai, que teríamos que levantar cedinho no dia seguinte para ir até Caruaru. Ela não gostou muito da ideia, mas acabou aceitando. Tentei falar com Davi novamente, mas depois de ser ignorado mais duas vezes, comecei a ficar com raiva e acabei desistindo.
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A viagem até Caruaru era mais longa do que eu imaginava. Eu não estava nem aí para a conversa que meu pai levava com o gerente da loja de João Pessoa. Olhava para o horizonte, vendo as paisagens passarem lá fora, quando meu celular vibrou. Peguei para olhar do que se tratava, era uma mensagem no Whatsapp. Davi. Abri a janela.
Davi Santos: Oi Theo! Desculpa a demora e o sumiço. Não adianta mentir, até porque tu deve ter percebido o motivo. Eu agi errado, porque fui pego de surpresa. Só precisava de um tempo para digerir tudo. Por mais que tu não queira mais tocar no assunto, é algo que para mim está sendo complicado de lidar e eu preciso ser sincero. As coisas entre nós estavam numa boa de novo, mas tu pedir Nanda em casamento foi um baque. De qualquer forma eu pensei em tudo que já falamos sobre isso e vi decidi que conviver com tudo é a melhor maneira de fazer com que as coisas sejam naturais para mim. Então, mais uma vez desculpa e por favor, ignora o acontecido. Como tu diz: "vamos fingir que não aconteceu. Deletar." kkkk. Espero que aceite meu pedido de desculpas.
Um texto e tanto para se escrever às sete horas da manhã. Enquanto eu lia, ele enviou mais uma mensagem.
Davi Santos: Se aceitar, vai que horas para a academia hoje? kkkkk...
Pensei um pouco em tudo que tinha lido. Me senti mal pelo que ele devia ter sentido. Mas eu tinha optado pelo tratamento de choque e isso fazia parte. Resolvi fazer o que ele sugeriu, usando minhas palavras e fingir que não tinha acontecido. Afinal, ele tinha algum crédito comigo para fazer besteira.
Theo Santos Sá: Já tava ficando com raiva, mas como sou bonzinho vou deixar pra lá. Vê só, eu não tô em Jampa...
Expliquei para ele os acontecimentos das últimas vinte e quatro horas, nas quais ficamos sem nos falar. A viajem até que passou mais rapidamente, depois que começamos a conversar. Em minutos, parecia que nada havia acontecido. Até que, enfim, chegamos a Caruaru e tive que dar uma pausa na conversa.
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O primeiro dia em Caruarufoi bem produtivo . Isso mesmo! Primeiro, pois acabou que tivemos que ficar pela cidade, para no outro dia visitar alguns possíveis imóveis para alugar. Meu pai estava tão decidido que eu cheguei por lá pensando num jeito de fazê-lo desistir dessa ideia e terminei, à noite, pensando em como seria minha vida em Pernambuco. Nanda não gostou muito da ideia de eu ter que dormir em outra cidade.
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O segundo dia foi ainda mais produtivo, tanto que meu pai acabou escolhendo o imóvel onde funcionaria a loja. Ficava em uma das principais avenidas da cidade. E para adiantar ligou para Romero, pedindo que ele fosse a Caruaru adiantar tudo para iniciar a reforma. Porém, meu sogro estava de viagem marcada para aquele dia, então mandou uma equipe para fazer o levantamento. Só que eles chegaram tarde. Dormiríamos pelo segundo dia em Caruaru. Tivemos que ir ao shopping comprar umas roupas também. Usar as mesmas pelo terceiro dia consecutivo não ia rolar. Nanda ficou uma arara quando falei que ficaria mais um dia por lá.
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Acordamos cedinho no terceiro dia. Enquanto a equipe de Romero fazia o levantamento da edificação, meu pai negociava com o proprietário do imóvel um desconto no valor do aluguel para o período de projeto e reforma da loja. Ele conseguiu, contanto o contrato de aluguel passou de um para dois anos e a multa rescisória ficou num valor que me assustou. Ao ver meu pai assinar aquele contrato, sentia como se fosse alguma sentença para mim.
Depois do almoço já estava tudo resolvido e voltaríamos para João Pessoa. Fiquei aliviado, pois temia um quarto dia de trabalho em Caruaru. Eu não tinha aula aquela noite, mas estava preocupado uma vez que no dia seguinte tinha orientação do TCC e já tinha perdido dois dias de aula. No carro, já fui planejando as atividades para quando chegar. Abri a conversa com Davi.
Theo Santos Sá: Tu já foi treinar hoje? Acho que dá tempo ir a noite. Finalmente tô voltando.
Em seguida abri a conversa com Nanda.
Theo Santos Sá: Amor!
Ela estava online e me respondeu no mesmo momento.
Fernanda Villa: Não me diz que tu vai ter que dormir aí mais uma noite, né?!
A pergunta dela acabou me dando uma ideia. Fazia um tempo que nós não transávamos. Com a semana da festa, depois ela foi pra o sítio, eu para Caruaru. Só desencontro. Esse era um dos principais motivos da sua falta de paciência. Eu também tinha reclamado algumas vezes disso. Pior que em Caruaru eu nem podia me masturbar para dar uma relaxada, dividindo o quarto com meu pai e o gerente da loja de João Pessoa. Por isso, resolvi brincar e fazer uma surpresa para Nanda.
Theo Santos Sá: Como tu adivinhou?
Eu perguntei, dando início ao meu plano.
Fernanda Villa: Sério amor?! Porra! Pede pra teu pai te liberar aí...
Theo Santos Sá: Acho que o levantamento até termina hoje, mas ficou umas questões de contrato. E meu pai quer voltar com tudo fechadinho.
Fernanda Villa: Não acredito!
Theo Santos Sá: Nem eu. Pensei que era hoje que eu ia dar um monte de cheiro no teu pescoço. Sair dessa seca... kkkkk.
Fernanda Villa: Nem me fala... eu já não tô mais aguentado. Logo hoje, meus pais viajando, Yasmim vai direto da escola para a casa de uma amiguinha que tá fazendo aniversário e dorme por lá. Nem Aline veio trabalhar hoje, o que é um milagre. A casa é só minha. Pensei que ia ser nossa.
Theo Santos Sá: Não fala assim que eu fico triste. :'(
Tudo estava correndo perfeitamente de acordo com o meu plano. Então eu lembrei que tinha falado da academia com Davi. Fui lá na janela dele correndo.
Davi Santos: Fui nada! Te espero então.
Theo Santos Sá: Primo, deixa em stand-by a academia. Se rolar vai ser um pouco mais tarde.
Davi Santos: Certinho!
Theo Santos Sá: Ahhh... E não comenta com ninguém que eu tô voltando. Porque eu disse a Nanda que vou dormir aqui pra deixar ela brava. Mas vou voltar de surpresa e passar na casa dela. Devo perder uma horinha por lá, aí te ligo pra resolver da academia.
Ele demorou um pouco, então respondeu.
Davi Santos: Beleza! Relaxa. Fico esperando. Avisa quando estiver chegando.
Theo Santos Sá: Falou!
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https://youtu.be/OMqBMxuX-ps
Cheguei em João Pessoa antes das 17h. Avisei a Davi e disse que mais tarde falaria com ele. Meu pai me deixou em casa, tomei uma ducha rápida e peguei meu carro. Passei na floricultura para comprar um daqueles buquês de rosas brancas. Fui até o apartamento de Nanda e antes de descer do carro passei um pouco de perfume. O sol já se preparava para se pôr, deixando o céu num tom de laranjado lindo e ao mesmo tempo melancólico. Senti um arrepio e agitei meu corpo me livrando dele.
O porteiro liberou minha entrada, pois já me conhecia bem. Falei com ele e segui até o elevador. Nos espelho, enquanto subia, dei os últimos retoques no visual. Cheguei ao andar dela. Ao chegar à porta do apartamento levei o dedo até a campainha, mas parei antes de apertar. Lembrei de um mal costume da família de Nanda, que é deixar a porta destrancada. Sempre reclamei disso. Mas nesse momento seria algo oportuno, pois deixaria a surpresa ainda maior se eu entrasse na casa.
Desci lentamente a maçaneta e voilà. Destrancada. Balancei negativamente a cabeça reprovando, mas feliz por ter a chance de surpreender ainda mais Nanda. Entrei na casa e caminhei como se pisasse em ovos. Cheguei ao corredor dos quartos e segui até a porta do dela. Parei e levei a mão à última maçaneta que me separava da surpresa. Porém, antes ouvi um barulho vindo de dentro do quarto. Franzi o senho, não querendo acreditar no tipo de som que ouvia.
Abri a porta o mais discretamente possível, mas a luz invadindo a penumbra do ambiente me entregou. Nanda estava de costas, nua, sentada em cima de um homem, também nu. O corpo dela impedia que ele me visse. Eu não acredito! Pensei. Ela fazia movimentos de vai e vem, mas de repente parou. Girou a cabeça, olhando por cima do ombro, quando me viu. Eu balançava a cabeça negativamente.
- Parece que não aguentou mesmo, Fernanda. - Falei.
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