Capítulo 40 - Lembranças: Parte 20

Davi ajoelhado aos meus pés. Seus olhos cheios de lágrimas. Era esse tipo de coisa que eu tentava, a todo custo, evitar. Mas ali estávamos nós, num desses momentos indesejados. Por que as coisas tomam o rumo que não queremos? Mesmo quando lutamos tanto contra. Eu sentia que por mais que eu tentasse desviar, meu destino caminhasse na mesma direção. Meu coração estava minúsculo, de tanto arrependimento por conta do que eu tinha acabado de fazer. 

- Desculpa, Davi! - Falei, com a garganta cortando. Me ajoelhei na areia, ficando com meu rosto frente a frente com o dele. Segurei suas mãos. - Desculpa, por favor! - Ele balançou negativamente a cabeça, enquanto mais lágrimas escorriam de seus olhos.

- Não. - Ele disse. Minhas sobrancelhas tentaram se juntar. Fiquei triste, mas não me surpreendi com a resposta. - Não tem o que desculpar. - Ele explicou. Soltei o ar preso em meus pulmões, aliviado. - Eu que sou um babaca. Passei do limite. Mas eu só fiz isso porque te amo. Eu te amo Theozinho. E não sei o que fazer com...

- Xiu! - Falei a interjeição ao mesmo tempo em que coloquei uma de minhas mão em sua boca, tapando-a, a outra foi para a nuca dele, fazendo pressão para que ele . Em seguida metralhei palavras, sem nem parar para respirar, desesperado. - Não! Não fala isso. Tu tá bêbado Davi. Tu tá confuso. Amanhã tu vai se arrepender. Vamos fazer assim... Tá tudo apagado. Tudo. Desde a hora que tu desceu do carro. O que aconteceu aqui. Foi tudo errado. Então vamos apagar. Esquecer. - Ele balançou positivamente a cabeça, entre minhas mãos. Eu o liberei.

- Se tu acha que é melhor assim. - Ele falou.

- Não é o que eu acho, Davi. - Eu disse em meio a uma careta, por ter que retomar o assunto. - É o que é.  Essas coisas que aconteceram... isso não foi certo. Foi um deslize. Não existe um futuro comigo incluído nisso. Não existe isso no meu futuro. - Fechei os olhos e respirei fundo. Então, voltei a olhar em seus olhos. - Eu nunca me relacionaria com um cara, simplesmente porque eu não sou viado. 

- Então... - Davi iniciou, colocando a mão no bolso. Ele tirou seu celular.

- Desculpa! - O interrompi, arregalando os olhos ao perceber que poderia ter o ofendido. Ele colocou o celular de volta no bolso. - O que eu quis dizer é que eu não escolhi isso para mim. Se tu escolheu para tu...

- Tu tá muito enganado se pensa que isso é uma questão de escolha. - Ele falou, soltando uma risada meio desesperada entre as palavras. Passou a mão no rosto, enxugando o resto das lágrimas que já não escorriam mais de seus olhos.

- Por favor, não vamos começar essa discussão novamente. - Pedi. - Se não a gente não vai parar nunca com isso. - Ele acenou positivamente com a cabeça. - Certo. O que importa é que um respeite o espaço do outro. A gente faz o que eu propus. Vamos apagar tudo isso: as discussões, confusões, as vezes que nós... - Parei. Pensei numa palavra leve. - ...nos encontramos. Isso tudo nunca aconteceu. O tempo vai passar e, quando olharmos para trás, nem lembraremos dessa fase.

- Certo! - Ele falou, sério. - Mais alguma coisa?

- Não! - Respondi. - Vamos só ver se meu carro não foi guinchado, porque parei em lugar proibido. 

Davi riu. Um bom sinal. Me levantei, ficando em pé e estendi minha não para ajudará-lo a se erguer também. Limpamos a areia de nossa roupa e começamos a caminhar, em silêncio, na direção oposta à qual eu vim antes. Eu me sentia um pouco mais aliviado, por depois de toda aquela confusão termos chegado a um ponto em que conversamos e nos acertamos. 

Embora eu já houvesse tido uma amostra de que todas essas coisas relacionadas ao desejo sexual por alguém do mesmo sexo  fugissem do controle de qualquer pessoa, eu ainda insistia em pensar que era possível ignorar e, assim, resolver tudo. Que desse modo eu estaria livre, não somente desses desejos, mas de todos os problemas que vinham juntos com eles.  

Eu torcia para que essa fosse nossa última conversa sobre isso. Não só conversa, mas que nada mais com relação a encontros sexuais entre meu primo e eu se repetisse. Porque dessa vez as coisas chegaram num ponto em que eu jamais queria ter tocado. Agressão. Eu não queri que aquilo tivesse acontecido, mas é assim quando as coisas fogem do nosso controle. E é por isso que tínhamos de evitar que algo se repetisse.

Chegamos ao carro ainda em silêncio. Entramos. Dessa vez ele não ligou o som, eu também não. Ninguém falava nada e o caminho até o apartamento dele parecia ainda mais longo que o comum, mesmo com as ruas livres. Falamos apenas ao darmos um "tchau" seco um ao outro, quando ele foi descer do carro. Eu dirigi para minha casa, prevendo mais um período de estranheza entre nós.

  • • • • •  

Deitado na minha cama, eu ainda pensava em tudo aquilo que acontecera algumas horas antes na praia. Mais uma vez minha cabeça trabalhava a mil por hora, quando na verdade eu já deveria estar dormindo. A madrugada silenciosa já tinha chegado e a insônia era minha companheira, como de costume. As palavras de Davi ecoavam em minha cabeça. "Eu que sou um babaca. Passei do limite. Mas eu só fiz isso porque te amo. Eu te amo Theozinho. E não sei o que fazer com...".

Não sabe o que fazer com o quê? Eu pensava. O que ele falaria se eu não o tivesse interrompido, calando sua boca. Se ele, por acaso, ia dizer que não sabia o que fazer com esse sentimento, eu não ia poder o ajudar muito. Eu já estava cheio de problemas por conta de tudo isso. Enfrentava uma contínua e cansativa batalha interna, na qual os meus princípios estavam em guerra com os desejos que tentavam me consumir.

Amor! De que tipo de amor ele estava falando? Se ele se referia ao amor daqueles com paixão, que casais sentem um pelo outro, eu também não poderia ajudar muito. Porque eu não poderia corresponder a isso, mesmo que eu fosse um cara solteiro e, sei lá, por uma hipótese muito louca resolvesse experimentar namorar um outro cara. Esse não seria Davi. Porque o amor que eu sentia por ele era o de amizade, o de família. O tesão foi uma coisa à parte, momentânea. Não sei explicar. Era como se tudo fosse separado. Mas eu não sentia o tal amor apaixonado.

Nossa! Se isso não for o sono chegando, eu não sei o que é. Tô considerando um namoro com outro cara?! Só pode ser o sono. Eu não sou gay. Eu tenho namorada. E mesmo que não tivesse, não existe um cara no mundo que me faça considerar uma loucura dessas. Mas é só uma hipótese. Pensei. É só uma hipótese, louca, mas só hipótese. 

E quando Davi pegou o celular, depois que eu chamei ele de viado, indiretamente. Será que ele se ofendeu tanto assim? Eu pensava. O que ele ia fazer? Ligar para alguém buscar ele lá? Ainda bem que pedi desculpa a tempo. Não sabia que ele era tão bem resolvido com essas questões dele, a ponto de se ofender tanto com uma coisa que evidentemente saiu de mim sem querer. Enfim... 

O que de fato eu sei é que preciso fazer algo mais efetivo se eu quiser, de fato, parar com tudo isso. Não quero ficar de mal com Davi. Não quero ver ele triste, como vi hoje. Mas o que eu posso fazer? Pensei um pouco. Ah... Já sei! Isso deve resolver. Vai me afastar de vez dessa tentação. Em meio a esses pensamentos, quando os primeiros passarinhos piavam em minha janela, eu consegui dormir.

  • • • • •  

A primeira semana correu como o imaginado. Eu para um lado, Davi para o outro. Odiava o estranhamento causado por essas situações. Por isso, odiava também essas situações que causavam o estranhamento. A segunda semana foi igual à anterior. Na terceira as coisas melhoraram um pouco. Nanda fez um Save The Date para o seu aniversário, que aconteceria em três meses. Foi em uma pizzaria, ele sentou na minha frente e isso ajudou.

Duas semanas depois desta, já estávamos totalmente normais. Íamos para a academia juntos, Saíamos com nossos amigos, quando dava. E o melhor, o assunto parecia ter morrido de vez. Um mês se passou, depois outro, quando tive férias. Passei quinze dias fora, sem ver Davi. Tirando os desejos que eu tinha às vezes, e que eu resolvia como dava, estava tudo na normalidade. 

Mais alguns dias se passaram e, enfim, chegou o aniversário de Nanda. Data que escolhi para colocar o meu plano, que tentaria me afastar de vez dos desejos, em prática. Embora as coisas estivessem numa boa com Davi, eu achava que talvez essa atitude reforçasse ainda mais isso. Faria tanto ele quanto eu pensar duas vezes antes de tomar qualquer atitude errada. Eu estava decidido.

  • • • • •  

A festa estava absurdamente linda. Eu não havia participado de nada, por isso fiquei surpreso com tudo. Entendi os sumiços pela dedicação da minha namorada àquele evento nos últimos meses. Entendi também porque, meses antes, ela fez questão de pedir para os amigos guardarem aquela data. Aquela festinha na pizzaria, para mim, já seria um evento suficiente para comemorar uma nova idade. Mas ela queria um evento e conseguiu. Claro que minha mãe ajudou nisso.

Procurei a responsável pelo cerimonial. Era a mesma que sempre fazia as festas da minha mãe, por isso, foi fácil convencê-la do meu plano. Ela mandou uma menina da sua equipe me acompanhar até o carro, onde entreguei a caixa. Eles distribuiriam o material que estava dentro dela entre os convidados, passando a instrução do momento exato para usar. Aproveitei para pegar a outra caixinha, menor, que se tivesse levado antes Nanda perceberia num abraço. Agora ela estava ocupada.

Cerca de uma hora depois, a cerimonialista pegou o microfone e convidou Nanda para se posicionar próximo ao bolo. Minha namorada franziu o cenho, percebendo que aquele momento fugia do roteiro da festa, mas obedeceu e foi até lá. Assim que ela chegou, as luzes do salão se apagaram. Os convidados gritaram.

A música começou a tocar, as pessoas entenderam que era o momento e começaram a piscar as lanterninhas que eu pedi para o cerimonial distribuir. As pessoas que não tinham lanterna, batiam palmas no ritmo da música. O resultado foi mais bonito do que eu imaginei. Eu caminhava na direção de Nanda, que não demorou para reconhecer minha silhueta em meio àquele pisca pisca de luzes. Ela começou a sorrir e quando percebeu a música que tocava, deixou seu queixo cair.

Me aproximei ainda mais dela, que demonstrava em seu rosto não acreditar que aquilo estava acontecendo. Quando a alcancei, as luzes do salão voltaram ao normal, mas as pessoas continuavam com as lanterninhas acionadas e piscando. Eu me ajoelhei, na posição clássica de quem está prestes a fazer o que eu estava fazendo. A gritaria foi enorme, principalmente das mulheres, que perceberam o que ia acontecer. Nanda levou suas mãos à boca. A cerimonialista me passou o microfone.

- Meu amor. - Eu falei. Mais gritos.  Respirei fundo nervoso, mas aliviado por estar de costas para as pessoas. - Eu sei que hoje é um dia muito importante para você. E por isso escolhi esse dia, no qual estão reunidas aqui todas as pessoas importantes para você, para te mostrar e a todas elas o quanto eu te amo. Eu escolhi esse dia para demonstrar meu amor, te convidando a dar um passo ainda mais importante no nosso relacionamento. - A gritaria recomeçou e quando levei a mão ao bolso do meu paletó aumentou ainda mais. Retirei a caixinha aveludada e a abri, mostrando o que tinha dentro. Os olhos de Nanda brilharam. - Você aceita se casar comigo?

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[RECADO]

Como muitos de vocês sabem, fui entrevistado pela crikabn para o "Wattentrevista". Então, se você ainda não leu, dá uma passada para ver. Espero que goste! A obra fica no perfil da Carioca_Santos

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