Capítulo 37 - Atingido

Um, dois, três passos largos. Bia, que equilibrava alguns canapés em suas mãos, me acompanhava pedindo que eu a esperasse. Ela não tinha muito jeito com o salto alto. Quatro, cinco, seis. Davi me viu andando em sua direção e, ao me encarar, fez questão de abrir ainda mais aquele ridículo e lindo sorriso em sua boa. A versão 2.0 do meu primo era algo de tirar o fôlego de qualquer um, mas não o meu. O meu não! Seis, sete, oito. A curiosidade instintiva de Victor mais uma vez trabalhou, fazendo com que ele se virasse para ver o motivo do sorriso no rosto de Davi. 

Em seguida aconteceram duas coisas, as quais não consigo definir qual me machucou mais. Primeiro, vi o sorriso no rosto de Victor, o que fez meu coração parar por um segundo. Em seguida, vi o mesmo sorriso que me entristeceu sumir, assim que seus olhos encontraram o meu. Doeu. Só então eu tive noção da proporção em que eu estava ligado a Victor. Respirei fundo, mantendo minha expressão séria.

- Vamos lá? - Falei me dirigindo a Victor, enquanto com o queixo apontei a cozinha azul. 

Encarei rapidamente para Davi, deixando escapar em meus olhos o desagrado com o que acabara de acontecer. Ele, muito possivelmente, já tinha notado que a relação entre Victor e eu, pelo menos de minha parte, ia além de amizade. Continuei andando até onde meu pai, minha mãe, meu irmão e a equipe da loja já esperavam. Nem olhei se Victor tinha me seguido, mas o que meu pai falou em seguida me deu a resposta. 

- Agora sim estão todos aqui! - Disse ele. 

Olhei de lado, ao ver Bia e Victor pararem ali. Sorri para Victor, na esperança que eu estivesse enganado, que ele não estivesse estranho, que ele fosse rir de volta. Ouve um sorriso, mas tão discreto que eu até fiquei na dúvida se não seria fruto da minha imaginação. Como me incomodava ver Victor assim. E eu me sentia culpado. Mas então meu coração se encheu de alegria, ao perceber que ele estava assim por ciúmes. Isso significava que ele também sentia algo por mim. Eu só precisava desfazer o mal-entendido.

- Theo! - Minha mãe chamou. Ao olhar, ela fez um sinal para que eu me posicionasse ao lado do meu pai. Obedeci.

- Então. - Meu pai iniciou. - Gostaria de agradecer pelo sucesso da inauguração a todos vocês, que de alguma forma contribuíram para que tudo corresse tão perfeitamente. Em especial a você, Theo. - Ele colocou um sorriso orgulhoso em seus lábios. - Parabéns meu filho. - Ouvi alguns aplausos rápidos.

- Obrigado pai! - Falei retribuindo o sorriso, mas o meu era de gratidão. - Eu fui bem treinado. - Apertei o ombro dele e pisquei o olho. Algumas pessoas riram. 

- Tem outra coisa que eu queria falar. - Meu pai disse. - Como vocês sabem a loja não funcionará amanhã de manhã, para que as coisas aqui sejam organizadas e fiquem limpas. Mas à tarde abriremos e gostaria que todos estivessem aqui, para que eu faça uma rápida reunião, a fim de nos conhecermos melhor e também para que eu passe algumas informações importantes. - Todos concordaram. - Ah... - Meu pai interrompeu o burburinho. - E tem um convite especial pra vocês também. Mas só conto amanhã. - O pessoal reclamou, fazendo charminho. - Só amanhã! - Ele reforçou. - Agora vão aproveitar o resto da festa. 

O grupo começou a se desfazer, enquanto eu me despedia de meus familiares, que já iam voltar para o hotel. Ao beijar minha mãe, passei meu olhar pelo lugar onde estavam Victor e Bia, fingindo uma despretensão que nem seria necessária, pois já não estavam mais ali. Senti um aperto na boca do estômago, como um mal pressentimento. Tentei ignorar.

        • • • • •        

A parte de entrada da loja, onde se concentravam a maioria dos convidados, já estava quase vazia quando voltei. Alguns poucos visitantes, que por ali ainda estavam, se preparavam para sair. Um grupo era o contraponto. Meus amigos estavam às gargalhadas com algum assunto e junto a eles estava Caio. Uns cinco metros de distância separavam Victor, Bia e Davi, que também conversavam. Fiquei até tonto com aquela mistura do meu passado com meu presente.

- Vem aqui Theo! - Gritou Gui, tirando minha atenção do segundo e menor grupo.

- Tô indo! - Falei, colocando um sorriso leve no rosto. Não era verdadeiro.

O grito de Guilherme fez com que, não só aqueles que estavam ao seu redor, mas Victor, Bia e Davi também me olhassem. Enquanto caminhava até meus amigos, sorri, especificamente na direção de Victor, testando ele mais uma vez. Seu sorriso, mais uma vez discreto, foi só com a boca, os olhos não acompanharam. Senti uma pontada no peito. Respirei fundo. Ao passar os olhos por Davi, vi que esse sim tinha um sorriso enorme no rosto. Mas meu sorriso não foi pra ele e muito menos eu queria ele sorrindo para mim.

- E aí, qual o motivo dos risos? - Perguntei ao chegar no grupo maior. 

- Caio, teu amigo, se apresentou aqui pra nós. - Disse Gabriel. 

- E a gente tava dizendo aqui que tu não perde tempo, né?! - Completou Igor. Do que eles estão falando? Senti o sangue fugir do meu rosto. 

- Como assim? - Perguntei, com um sorriso sem graça no rosto. O que será que Caio falou?

- Tu já chega fazendo amizade com dono de boate, pra garantir as festinhas. - Explicou Toninho.

- Ah... - Deixei escapar, dando um sorriso de alívio. - Nada a ver. Dá ouvido pra esses doidos não Caio. - Falei.

- Até porque a gente se conheceu num esbarrão. - Contou Caio.

- Pois é! - Concordei. 

- Mas o que importa é que ganhamos convite para irmos lá hoje, conhecer a... - Gui olhou para Caio, pedindo ajuda.

- CXC Club. - Completou o dono da boate. Pelo jeito ele não se cansava de me ver deixando ele pra trás. Insistia na aproximação, sem parecer se incomodar.

- CXC Club. - Repetiu Guilherme. - Todo mundo com entrada free! - Completou.

- Inclusive o convite se estende a Davi, Bia e Victor. - Informou Caio, olhando para mim.

- Quem são Bia e Victor? - Perguntou Igor. Em seguida passeou os olhos pela loja. - Aqueles ali com Davi? - Perguntou. Caio concordou com um acenar de cabeça. - Davi, Victor, Bia! Venham aqui. - Gritou Igor. 

Meus amigos não sabiam de nada que havia ocorrido lá em João Pessoa. Muito menos que eu evitava Davi de todas as formas. Victor e Bia se entreolharam franzindo o senho ao imaginar quem era aquele louco berrando o nome deles no meio da loja. Os três trocaram algumas poucas palavras e, em seguida, caminharam em nossa direção.

- Que foi? - Perguntou Davi ao nos alcançar, fazendo papel de porta-voz dos outros dois.

- Farra meu amigo! - Disse Igor. - Farra!

- Opa! Tô dentro. - Se animou Davi. Enquanto eu imaginava um jeito de sair daquela situação que já me cheirava a problema.

- Victor e Bia! - Falei, interrompendo a animação do meu primo. - Esses são meus amigos de João Pessoa. - Iniciei as apresentações. Guilherme e Gabriel que, como vocês podem ver, são gêmeos. - Olhei para Gui e Gab. - Victor tem irmãos gêmeos. - Informei. Olhei de volta pra Victor que agora tinha um sorriso um pouco mais sincero no rosto. Talvez causado pela lembrança dos irmãos.

- Sério? - Perguntou Gui. Victor balançou a cabeça, dizendo que sim. - A gente precisa conhecer eles pra ensinar uns truques. - Todos riram. 

- Esses aqui são Igor e Toninho. - Falei. - Que, como vocês podem ver, não são gêmeos. - Brinquei. Mais risadas.

- Nem irmãos! - Igor reclamou.

- Ainda bem! - Disse Toninho. Mais risadas.

- Acho que o resto já se conheceu. - Falei. Sorrisos e olhares se cruzaram. Lembrei de alguns momentos desagradáveis da noite.

- Então! - Igor interveio. - A parada é que vai rolar entrada free na boate do Caião aqui! Quem tá dentro?

- Tô dentraço! - Falou Davi.

- Mas vocês não disseram que não queriam fazer nada pesado, porque vão voltar amanhã cedinho pra Jampa? - Perguntei, sendo iluminado repentinamente por essa lembrança. 

- Mas oportunidade assim não se dispensa não amigo! - Toninho falou. Mais risadas.

- E a gente não vai ficar louco. - Disse Gab. - Só se divertir um pouco, conhecer o lugar...

- Não dá pra mim. - Falou Victor. Seu rosto era zero animação com a proposta. - Tenho que finalizar um trabalho da faculdade que entrego amanhã. - Todos passaram a olhar Bia, esperando o que ela ia falar. Ela até parecia cogitar a possibilidade, quando Victor deu uma cotovelada de leve, a fazendo acordar;.

- Trabalho! - Ela falou num salto. - Pois é... faculdade. Eu estudo com Victor. Tenho que fazer esse trabalho também. - Pelo jeito como ela se perdeu nas palavras não tinha trabalho coisa nenhuma.

  - Primeira rodada é por conta da casa! - Caio atiçou! 

Aí virou uma balburdia. Eles querendo me convencer, eu tentando arranjar um jeito de sair daquela situação. Minha vontade era ficar com Victor, conversar com ele sobre o mal entendido e resolver as coisas embaraçadas entre nós. Dar um primeiro passo de verdade. Mas meus amigos tinham encarado mais de duzentos e cinquenta quilômetros de estrada, para chegar lá e eu dispensar uma saída com eles? 

- Tá bom! - Falei. - Tá bom! Eu vou. - Os meninos fizeram uma algazarra. Enquanto eles combinavam algo me aproximei de Victor e Bia. - Vocês querem uma carona? - Ofereci. Seria uma maneira de ficar um pouco a sós com Victor, antes de sair com meus amigos. 

- Claro! - Bia se adiantou.

- Relaxa! - Victor falou. Mais uma daquelas leves cotoveladas nada discretas na amiga. - Fiquei de ligar pra meu pai vir no buscar. - Davi, que nos olhava, de repente abriu a boca, antes que eu pudesse protestar.

- Quer saber? - Meu primo perguntou retoricamente. - Mudei de ideia. Acho que vou passar teu convite Caio. Infelizmente. - Ele forçou uma tristeza, que eu, alguém que conhecia bem ele, ou pelo menos pensava conhecer, identifiquei automaticamente como falsa. - É que amanhã eu volto cedo pra Jampa. Valeu por lembrar primo. - Ele me olhou. Fuzilei ele com os olhos, percebendo o que ele estava fazendo. - Se quiserem uma carona, não precisa incomodar teu pai. - Disse Davi. Victor e Bia se encararam rapidamente.

- Eu já disse... - Iniciei.

- Pode ser, Davi. - Falou Victor, me cortando. Então me encarou. - Tu vai ter que encerrar a festa aqui e eu não quero te atrasar. 

- Mas não vai... - Tentei mais uma vez falar.

- Relaxa Theozinho. - Dessa vez meu primo me interrompeu. - Teus amigos estão em ótimas mãos. Eu não conseguia enxergar Davi. Um ódio foi tomando conta de mim. Senti o sangue aquecer em minhas veias. Minha vontade era dar outro soco na cara dele. Mas se eu fizesse isso...

- E aí. - Gui passou a mão por cima do meu ombro. - Vamos lá?

- Vamos sim! - Falei, tentando não transparecer meu nervosismo. - Vou só falar com Camila, a gerente, para ela fechar aqui a loja quando os convidados todos tiverem ido. - Falei olhando pra Victor, para ver se ele mudava de ideia ao perceber que eu já estaria livre para sair. Ele permaneceu calado.

- E nós? - Falou Davi. - Vamos também?

- Vamos! - Concordou Victor, que se virou e saiu. Bia e Davi foram em seguida. 

  • • • • •  

Falei rápido com Camila. Eu já tinha deixado de sobreaviso que ela seria responsável por fechar a loja àquela noite, assim como por abrir na manhã seguinte para que o pessoal fizesse a limpeza e retirasse seu material de trabalho. Os últimos cinco convidados se preparavam para deixar a loja e ela não demoraria por lá. Me despedi da gerente com um abraço e um beijo e corri para fora da loja, onde estavam meus amigos. Mas a pressa era na verdade uma tentativa, sem planos, de cancelar a carona que Victor pegaria com Davi. Mas quando cheguei na calçada, vi apenas Toninho.

- Os meninos foram acompanhando o carro de Caio. - Ele explicou. - Eu fiquei pra tu não ir sozinho. - Ele apertou os olhos. - E não desistir, também. - Revelou. - Parece que tu não tá com vontade de ir.

- Relaxa. - Eu disse, passando os olhos pelos carros que desciam a avenida em frente à loja. - Vocês vieram até aqui. Não ia deixar vocês sós. - Mas se ele tivesse ido no carro com os meninos eu até podia ter ido atrás de Victor. Meus pensamentos já beiravam a loucura. Tentei me acalmar. - Vamos! - Falei. Destravei o carro que estava estacionado na primeira vaga ao lado da porta da loja. Entramos. Toninho já foi mexendo no som.

- Bora entrar no clima? - Toninho aumentou o volume de uma música eletrônica que ele havia escolhido no seu Spotify. Respondi com um sorriso.

Liguei o farol do meu carro, exatamente no momento em que Davi passava com o seu na avenida, bem à minha frente. Todos que estavam dentro do carro do meu primo olharam em minha direção, atraídos pela luz. Ele vinha na direção, Victor no banco do carona e Bia atrás. Senti mais uma pontada no coração. Aumentei o volume da música. Pelo jeito Davi havia conseguido, planejamento ou não, me atingir. Assim como havia feito no passado. 

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