Capítulo 36 - Lembranças: Parte 18
Tudo estava escuro. Um barulho grave e intermitente ecoava em minha cabeça. Algumas vozes pareciam falar algo que ecoava, distante demais para que eu compreendesse. Mais uma vez o barulho. Eram batidas. As vozes pareciam se aproximar, mas eu ainda não compreendia do que se tratava. Eu percebi então que meus olhos estavam fechados. Comecei a abrir à medida em que o som das batidas agora eram quase completamente nítido. E eu consegui finalmente entender o que as vozes falavam.
- Theo! - Dizia a voz que eu achava ser de Nanda. - Abre essa porta!
- Tu tá bem Theo? - Esse era Davi, sem dúvidas.
Foi então que identifiquei onde eu estava. Sentado na bacia sanitária do lavabo social da minha casa. Eu cochilei aqui! Dei um salto e senti o ambiente todo girar ao meu redor, senti uma náusea. Me apoiei na parede ao meu lado. Fechei os olhos e respirei fundo, tentando me recompor. Estava embriagado. Mais batidas na porta.
- Eu tô aqui! - Gritei. - Já vou!
- Aleluia! - Ouvi Nanda falar lá fora. Dei alguns passos, cambaleando, até alcançar a porta. Destranquei e abri.
- Calma! - Falei, tentando fazer uma cara serena. - Eu cochilei sem querer. Foi só um minuto... - As palavras saíam emboladas da minha boca.
- Um minuto? - Bravejou Nanda. - Só que nós batemos nessa porta fazem vinte. Vinte Minutos!
- Eu já ia arrombar. - Disse Igor. Só então percebi que estavam todos meus amigos ali, além da minha namorada e meu primo. Eles se afastaram ao perceberem que estava tudo bem e que uma DR se iniciava.
- Antes disso eu passei meia hora por aí, te procurando. - Disse Nanda. - Fui em todos os quartos, andei pelos convidados...
- Eu disse que vinha no banheiro. - Falei em minha defesa.
- E eu vim aqui. - Ela rebateu. - Bati na porta, mas ninguém falou. Pensei que era algum convidado envergonhado.
- Nossa! - Eu disse. - Tá bom! Não aconteceu nada. Eu só cochilei, já falei. Vamos voltar pra festa.
- Voltar pra festa? - Nanda perguntou, num tom irônico. - A festa já tá acabando Theo. E pra completar eu dispensei a carona dos meus pais, pensando em dormir aqui.
- Quer subir então? - Perguntei. Achava até melhor, o mal-estar aumentava cada vez mais.
- Contigo nesse estado? - Ela perguntou. - Nem pensar! Eu disse para você parar de beber, mas tu é mais teimoso que uma mula. Eu arranjo uma carona fácil.
- Deixa de besteira, Nanda. - Falei juntando as sobrancelhas, como cachorro pidão. - Eu tô bem. - Foi só falar. Senti meu estômago contrair e uma pressão subindo pelo meu peito, até chegar em minha garganta e... vomitei. Bem ali no meio do salão. E em seguida veio mais. Pior sensação. Meu sistema digestivo me fazia tentar expelir o que nem existia mais e eu tossia.
- Eca! - Ela falou. - Tô vendo como tu tá bem. - Me apoiei no aparador e os meninos se aproximaram.
- Tu tá bem? - Gui perguntou.
- Agora tô melhor. - E realmente. Depois de vomitar me senti um pouco melhor.
- Vou chamar alguém pra limpar isso. - Minha namorada falou.
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- Nanda, fica! - Eu insistia, agora sentado no sofá da sala de estar.
- Não! - Ela respondeu. - Que é pra ver se tu aprende a me ouvir. Pensa que eu falo alguma coisa desejando teu mal? - Ela perguntou.
- Eu sei. - Joguei meu corpo pra trás, envergonhado do vexame que dei. - Já aprendi a lição. E agora tô me sentindo melhor de verdade. - E realmente estava.
- A gente tá indo Theo! - Igor chegou na sala, falando. Atrás dele entrou vieram todos os outros.
- Davi, tu me dá uma carona? - Nanda perguntou. Encarei meu primo, que ao mesmo momento procurou meus olhos. Ele estava visivelmente incomodado com a sinuca de bico em que acabara de ser colocado. Mantive minha expressão neutra. Já tinha feito merda demais aquela noite.
- Nanda! - Exclamei, numa última tentativa.
- Eu não vou ficar. - Ela falou, ao me olhar. - Não adianta! - Voltou a encarar o loiro dos olhos azuis. - E aí Davi, rola a carona? - Ele respondeu balançando a cabeça que sim.
- Tchau, pessoal.
Eu falei sem olhar para ninguém, me levantei e rumei em direção à escada. Estava puto da vida com minha namorada e não queria acabar descontando em quem não tinha nada a ver com aquilo. Nem os acompanhei até a porta. Cheguei no meu quarto, e me joguei na cama com roupa e tudo. Eu encarava o teto que parecia começar a girar, então voltava ao ponto de partida e mais uma vez tentava girar, para então novamente voltar ao ponto de partida. Tonto com a sensação, fechei os olhos. O álcool me ajudou a driblar a insônia aquela noite.
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- ... dez, onze... argh... e doze. - Davi contava, com esforço, a última série de exercícios para os ombros. Eu estava sentado em um dos aparelhos da academia, atrás dele, agradecendo pela posição em que eu conseguia admirar o movimento dos músculos dele, contraindo e relaxando, sem que ele notasse meu olhar. Dentro do meu short um volume crescia. Se controla Theo! Pensei. - O que foi? - Ele perguntou, me encarando pelo espelho. Porra! Os espelhos. Será que ele me viu olhando para ele?
- Nada! - Respondi dando um salto. Todo estabanado, bati na minha squeeze, que saiu rolando no chão. - Acho que tu se encostou em alguma máquina e sujou de graxa aqui. - Passei minha toalha na parte de trás do ombro dele. - Pronto! - Falei, fingindo ter limpado uma sujeira que não existia. Me virei para pegar a garrafinha no chão e então foi a vez do espelho trair Davi. Vi ele encarando minha bunda. Levantei rapidamente, fingindo não ter notado. Nossos rostos vermelhos dos exercícios ajudavam a disfarçar qualquer vergonha.
- Vai tomar uma ducha aqui? - Davi perguntou.
- Não! - Respondi. Desde os acontecimentos entre ele e eu, passei a evitar momentos em que eu precisasse tirar a roupa em sua frente e vice versa. - Vou só no vestiário pegar minha bolsa. E tu? - Indaguei.
- Também não. - Ele respondeu. - Mas vou lá contigo.
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https://youtu.be/ownPILUah_8
Eu mexia em minha bolsa, que ainda estava dentro do armário, fingindo procurar a chave do carro que eu já tinha encontrado desde o momento em que a abri. Na verdade eu estava apenas criando coragem para falar com Davi, sobre um assunto que sempre me deixava sem palavras. Respirei fundo, na tentativa de com isso arranjar qualquer força que me ajudasse.
- Tá cada vez mais difícil te ver, né? - Davi perguntou, quebrando o silêncio constrangedor naquele espaço ocupado apenas por nós dois. O encarei, surpreso com o questionamento dele. - Digo... Eu tava conversando com os meninos, já saímos três vezes essa semana e depois da festa ninguém te viu ainda. - Ele explicou, abrangendo a falta aos nossos amigos. A pergunta parecia uma cobrança apenas dele.
- Pois é! - Concordei. - Esse TCC, velho... - Justifiquei. - Mas essa semana foi bem produtiva. Adiantei muita coisa. E como hoje é sexta-feira, vou sair com vocês! - Anunciei.
- Sério? - Ele reagiu um pouco mais animado do que devia. Seus olhos brilharam. Então seu rosto ficou acanhado. - E tu e Nanda, as coisas melhoraram? - Perguntou, curioso. - Vi que vocês não estavam tão bem no fim da festa. - Ele disse antes de me deixar responder.
- Relaxa! - Eu disse. - Já tá tudo numa boa. A gente se resolveu no outro dia mesmo. Aquilo era só coisa de namorada, preocupada comigo bebendo. - Lembrei que ele também pegou um pouco no meu pé na festa. Senti meu rosto corar, junto com o dele que também ficou vermelho.
- Que bom! - Ele exclamou. Sua boca sorriu, um sorriso sem graça, sem dentes. Seu olhos não sorriram. Aproveitei que já estava envergonhado e emendei o assunto que eu tanto queria falar.
- Por falar na festa, Davi... - Iniciei. Parei para um pigarro, arrependido de ter começado. Mas agora não tinha mais o que fazer. - Queria te pedir desculpas.
- Desculpas por que? - Ele forçou ainda mais o sorriso, enfim mostrando os dentes. Me deu um tapinha nas costas e se virou. - Não tem nada por que se desculpar. - Ele começou a andar. - Pega tua tralha aí e vamos!
- Espera, porra! - Falei calmo. Ele parou e se virou me encarando. - É sério. Meu comportamento não foi muito legal contigo. Tu não me deve nenhum tipo de satisfação. Nem sei o que me deu, para falar a verdade. - Ele respirou fundo. - Só me desculpa. Prometo que isso não vai se repetir.
- Se tu tá precisando tanto assim de uma desculpa, sinta-se desculpado. - Ele falou sem mudar muito sua expressão séria. - Mas não precisava se preocupar. Eu sei que bêbado sempre faz merda. - Então sorriu. Sorri de volta.
- Tu é meu primo, meu melhor amigo, meu irmão. - Eu falei. - Eu te amo! E não quero deixar nada interferir nisso velho.
- Eu também te amo, Theozinho. - Seus olhos mais uma vez brilharam. - Tu sabe. Fica tranquilo. - Sua voz pareceu não ser tão sincera. Eu podia entender, não seria assim tão fácil. Mas eu tinha que me esforçar para tentar ajeitar algo que eu pensava estar quebrado. - Mas então, bora lá?
Me senti mais aliviado. Havia um tempo que eu achava na dívida de dizer algumas palavras assim para Davi. Queria mostrar que aquilo tudo que aconteceu não iria mudar nada na relação que tínhamos antes. Ou pelo menos era o que eu achava.
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- Tu disse que vinha depois da faculdade, caralho! - Toninho dizia do outro lado da linha.
- Calma porra! - Eu falei, colocando o sinto de segurança. - Tinha que passar aqui em Nanda primeiro, pra manter tudo equilibrado. Mas já tô no carro, chego aí em dez minutinhos.
- Ele foi lá em Nanda! - Toninho falou pra os outros meninos na mesa. Ouvi a balburdia na mesa, depois da informação. Revirei os olhos. - Chega aqui nem tão cedo.
- Eu tô no carro, porra! - Falei. - Qual a parte da frase que tu não entendeu? Já dei o nó em Nanda aqui, falei que não ia beber, ela liberou fácil demais até.
- Davi tá bebão aqui, dizendo que duvida... - Toninho começou. - Espera... - Ouvi um barulho.
- Não aguento mais levar fora teu! - Reconheci a voz de Davi, embriagado, ao telefone. Pelo visto ele tomou o celular da mão de Toninho. - E ainda diz que me ama... - Meu coração gelou. O que ele tá fazendo?
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