Capítulo 35 - Exposto

Muito perto e se aproximando ainda mais. Notando meu momento de distração, Fernanda se aproximava de mim, em passos lentos. Ao perceber voltei ao normal, deixando minhas lembranças para depois. Muito embora eu preferisse não ficar recordando uma história que no fim me causou tanta dor. Ergui um pouco o braço, mostrando a palma da mão discretamente e balancei a cabeça num sinal negativo. Ela me obedeceu, parando.

- Perto demais. - Falei. 

- Theo... - Ela iniciou. Ouvir aquela voz. Ver ela ali na minha frente. Respirei fundo. Tudo ainda era bem mais recente do que eu imaginava. - eu só queria dizer...

- Não, Fernanda. - A interrompi. Senti meu sangue circular mais rápido. Meu rosto, certamente, estava ficando vermelho.

- É só que, eu queria entender. - Ela disse, com uma voz constrangida. - Eu não sei o que Davi fez para te convencer...

- Não! - Falei um pouco mais exaltado. - Eu disse que não. Qual parte dessa palavra tão curta tu não conseguiu entender? Eu não quero falar sobre isso. Vai ser melhor para nós dois que as coisas continuem assim. E me dá licença, que tenho que falar com meu irmão. 

Passei voando ao lado de Fernanda, deixando-a para trás, antes mesmo de ver a expressão que ela colocara no rosto diante da minha metralhada de palavras em negativa à sua aproximação. Tudo o que não precisava e não queria naquele momento era da presença dela. Já bastava toda a confusão no passado. E eu sendo ela teria até vergonha de falar comigo. Acredito que devera ter havido muita insistência por parte da mãe dela. Se ela nos viu trocando essas poucas palavras, deve ter notado seu erro.

      • • • • •      

Eu caminhava pelo corredor onde ficava a parte administrativa da loja, passando pelas portas das salas, algumas ainda vazias. Não precisava nem ter ido, de fato, até lá. Mas para concluir o plano, que havia funcionado magnificamente bem, valia a pena continuar essa breve encenação. Logo eu estaria de volta para Victor, disposto a ser cada vez mais claro sobre as minhas intenções com ele. A alegria da certeza me fez perceber quanto tempo eu estava perdendo.

Essa breve caminhada servia ainda como uma distração para o encontro desagradável que eu acabara de ter com Fernanda. Além do mais, queria saber também se meu irmão lembrava o caminho que ele tinha feito comigo à tarde, poque pela demora parecia ter se perdido. Cheguei à última porta, que era a da minha sala. 

Bati na porta, depois peguei no trinco que ao descer percebi não abrir a porta. Instintivamente tentei mais uma vez e obtive o mesmo resultado. Dentro da sala ouvi um barulho de algumas coisas sendo derrubadas, depois passos apressados e vozes cochichando algo que eu não conseguia compreender de fora da sala. Logo percebi o que estava acontecendo. Eles não podiam esperar chegar no hotel?

- Fred, sou eu. - Falei. - Não precisa abrir. Vim só ver se tá tudo bem. Eu pego a chave lá em baixo.

- Não! - Meu irmão falou do outro lado. - Espera! Já terminamos aqui... - Ouvi o som de um tapa. - Eu... eu já terminei de trocar a camisa. Espera. - Ele dizia todo enrolado.

- Relaxa. - Eu disse, soltando uma risada que não consegui conter. Eu meneava a cabeça, sem acreditar que eles estavam transando na minha sala. - Não precisa se agoniar.

- Espera, Theo! - Ele insistiu. Obedeci. Fiquei alguns segundos encarando a porta.

- Só assim pra eu conseguir falar contigo. - Disse a voz atrás de mim. Me virei apenas para garantir que era quem eu imaginava.

- Oi, Caio. - Falei totalmente surpreso em ver ele ali.

- Tive que te seguir até aqui pra conseguir um momento contigo.  - Ele disse, jogando um charme descarado pra cima de mim. Aqueles olhos apertados, a mandíbula quadrada. Fiquei ofegante. A porta atrás de mim se abriu e eu dei um salto.

- Desculpa a demora! - Fred falou ao me ver. Quando meu irmão viu que tinha mais alguém ali, vi seu rosto se contrair. Luna estava vermelha, não sei se de vergonha ou porque seu sangue ainda circulava rápido demais. Sua boca, agora sem batom, confirmou minha suspeita. Voltei a olhar pra meu irmão e ao observar sua camisa não contive o sorriso. Me inclinei para falar no ouvido dele.

- Tu pulou um botão. - Revelei. - A camisa tá toda errada. - Ao recuar vi seus olhos arregalarem conferindo minha informação. 

- Eu vou andando! - Luna falou, se apressando em sair dali. 

- Espera! - Fred berrou com as mão já nos botões, indo atrás dela. - A chave tá na porta! - Ele gritou pra mim. Eu só conseguia rir da situação embaraçosa.

- Parece que não foi só a gargantilha que ela ganhou essa noite. - Caio, que os acompanhava com os olhos, falou falou baixinho. Em seguida me fitou, colocando um sorriso malicioso nos lábios. Agora, eu quem arregalava os olhos diante da ousadia dele, retribuindo com um sorriso meio tímido. - Animados eles. - Concluiu.

- Pois é! - Concordei. - Nem consegui te apresentar. - Mudei de assunto, fingindo lamentação, quando na verdade me sentia levemente aliviado. Ia anunciá-lo como amigo, colega, um safado que me beijou de surpresa? Ainda bem que não deu tempo! 

- Sem problemas. - Disse o moreno que ainda me encarava com aqueles olhos misteriosos.   

- Então... - Ele passeou os olhos pelo corredor enquanto falava. - Aqui que é o teu reino?

- Quartel General. - Falei rindo.

- Quartel General! - Repetiu Caio.

- Quer ver? - Convidei, liberando a passagem. Ele tinha feito um tour comigo por toda a boate dele. Mostrar meu escritório era o mínimo que eu podia fazer. Porém, com ele, sabia que devia estar sempre atento.

- Claro. - Ele disse, já dando alguns passos e passando por mim ao ingressar no ambiente. Entrei logo atrás dele, parando próximo à porta que ficou atrás de mim. Ele girou seu olhar pacientemente pela sala, demonstrando um interesse genuíno. - Bonito demais. - Ele se virou pra mim. - Parece o dono. - Mais uma vez me vi intimidado pela audácia dele. Nunca dei nenhum sinal claro de que gostava de garotos. Até me livrei do beijo que ele me dera, na tal noite da boate. Como ele podia ter tanta certeza? 

- Desculpa! - Falei, realmente sem graça, mas pelo motivo errado. Eu estava tentando mudar de assunto e levar a conversa numa direção em que eu entendesse melhor o passado de Victor. Pelo franzir de cenho dele, notei que não tinha entendido. - Eu não ter falado contigo antes. - Ele demonstrou entender do que eu falava, agora. - Vi quando tu chegou. É que são tantas pessoas para cumprimentar. - Me expliquei. - E eu não esperava que tu fosse aceitar o convite e vir.

- Tu não queria que eu viesse? - Ele perguntou, demonstrando um choque exagerado.

- Não! - Falei num sobressalto. Não queria parecer ingrato. - Não foi isso que eu falei. Apenas pensei que tu não fosse levar o convite a sério. Ainda mais que tu tem a boate pra cuidar. E a inauguração sendo à noite...

- Relaxa! - Ele falou, me interrompendo com um sorriso no rosto. - Eu entendi. Tava só brincando contigo.

- Ah... - Suspirei, dando um sorriso amarelo. Ele deu um passo em minha direção.

- Eu jamais negaria um convite teu. - Ele mudou o tom de voz, deixando-a muito excitante. Meu corpo esquentou. - Obrigado, inclusive. A loja tá linda. - Mais um passo. Eu travei. Nem para agradecer. - E tem mais. Aquele beijo, lá na boate, me deixou com um gosto de quero mais.

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Dessa vez ele foi direto até demais. E falou a frase tão apressadamente. Como se a qualquer momento eu fosse o interromper. Estranhei. Foi então que vi seu olhar desviar do meu, passando por cima do meu ombro e mirando algo atrás de mim. Eu tinha certeza de que alguém estaria ali, quando eu me virasse. Seria meu irmão que esqueceu algo? 

Maldito corredor com piso revestido de carpete. Segundo Romero "Vai poupar as salas de barulhos externos, não atrapalhando o trabalho de ninguém!" Agora poderia ter criado um problema e tanto para mim. Dependendo de quem fosse a pessoa atrás de mim, aquilo poderia ser catastrófico. Com a exceção de Davi, ninguém ali sabia que eu beijava outros caras, como a última frase de Caio revelara. Seria meu primo? Dos males o menor. Sem aguentar a curiosidade me virei.

O rosto que vi era para mim, pelo menos naquele exato momento, o da pior pessoa que poderia ouvir aquilo. O contexto, o modo como descobrira da minha sexualidade. Tudo fugia de qualquer plano ou fantasia que eu tinha para o modo como eu pretenderia fazer tal revelação. Isso foi confirmado pela tristeza, que mesmo tentando ser mascarada, era evidente no rosto de Victor, enquanto ele me encarava parado na porta do meu escritório. 

Meneei minha cabeça vagarosa e negativamente, como se isso explicasse algo. Victor e sua mania de chegar silenciosamente. Eu não sabia se aquela expressão estampada em sua cara era por ele ter descoberto que eu quem convidei Caio. Se era por ele descobrir, ou confirmar, minha possível homossexualidade. Se por ter ouvido Caio falar do tal beijo, que nem foi tão beijo assim. 

- Victor! Tudo bem? - Caio cumprimentou, agora atrás de mim, interrompendo meus pensamentos. Victor, por sua vez, se limitou a tirar seu olhar de mim, encarar o outro moreno por um segundo e voltar a me encarar. Então ele encheu seu pulmão de ar, o liberando, em seguida, junto às palavras.

- Theo, teu pai... - Ele parou, apertou os lábio, pigarrou e recomeçou. - Theo, teu pai quer dar um aviso a todos os funcionários e quer você lá. Como eu sabia que tu tinha vindo aqui, me ofereci pra te chamar. - O tom de voz dele era seco. Cada palavra fazia meu coração se contrair ao ponto de eu sentir dor. - Recado dado. - Ele falou e se virou, voltando pelo corredor silencioso.

- Victor, espera! - Falei, indo atrás dele. - Espera, eu vou contigo. 

- Eu não quero atrapalhar nada. - Ele falou, sem se virar.

- Victor! - Gritei, ainda andando. Ele ignorou. Eu lembrei que mais uma vez tinha deixado Caio para trás. E eu tinha que fechar o escritório. Voltei.

- Caio, eu tenho que ir lá ver o que meu pai quer. - Tentei justificar, enquanto segurava a porta, esperando que ele saísse. Ele deu alguns passos e antes de sair me encarou.

- Desculpa! - Ele falou. - Não queria causar nenhum constrangimento.

- Relaxa! - Eu falei, mas por dentro estava arrasado com o que tinha acabado de fazer. - Eu resolvo isso. - Era o que eu esperava. Ele saiu e eu fechei a porta, posteriormente o acompanhando até ao salão da loja. 

  • • • • •  

Eu procurava pelo meu pai entre os convidados, para descobrir o que ele queria. Porém, minha cabeça ainda estava completamente atordoada e, inconscientemente, minha preferência era encontrar o rosto de Victor. Falar com ele. Explicar o que tinha acontecido. Será que ele queria explicação? Eu devo explicação a ele? Vi Bia.

- Bia! - Falei, mais alto do que esperada. Ela, que pegava um canapé, deu um salto. 

- Oi?! Que foi? - Perguntou, assustada. Balancei minha cabeça, tentando controlar as emoções. 

- Desculpa! - Falei, dessa vez mais calmo. - Victor... - Fechei os olhos e balancei a cabeça. Não era por ele que eu devia perguntar. Dei um jeito de concertar. - Victor falou que meu pai quer conversar com a gente. Onde eles estão? - Perguntei. Acho que consegui contornar.

- É! - Ela falou. - Eu já estava indo. Parei só pra... - Ela olhou para a mesa de comida, voltou a me encarar e deu um sorriso forçado. Eu ri, mesmo tenso. É uma figura. - Teu pai tá lá na cozinha azul. - Era um dos ambientes mais bonitos da loja e durante a festa já ganhou esse apelido, por conta da predominância da cor utilizada no mobiliário. Bia apontou na direção da cozinha, que ficava bem no fundo da loja, atrás de mim. - Ah... E Victor já tá lá perto.

Assim que ela falou eu me virei apressadamente. Foi então que meu coração tomou um choque, ao ver àquela cena. Victor estava de costas para mim, mas eu não o confundiria, embora desejasse que, naquele momento, eu estivesse enganado. Eu conseguia ver perfeitamente quem conversava com ele, todo sorridente. Davi. O que ele tá fazendo? Não é possível! Como ele se atreve? Já não basta o que ele me fez no passado?

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