Capítulo 33 - Convicção

Todos os pensamentos e lembranças me ocorreram em milésimos de segundos. E mais uma vez o barulho dos aplausos dos convidados lá em baixo me fez tornar à consciência. Olhei para Victor, que ainda exibia uma cara de poucos amigos. Novamente me senti incomodado. Senti meu rosto corar. Voltei a prestar atenção no que meu pai falava.

- Por isso estou tão feliz em abrir a terceira loja da Santos Sá Planejados. -dizia meu pai. - E é um prazer ainda maior para mim, ter meu filho à frente dela. - Ele girou seu corpo em noventa graus e apontou em minha direção com a mão espalmada. Todos me olharam. Aplausos. Sorri. Por sorte voltei a prestar atenção no seu discurso a tempo. Victor também olhou para mim e eu me senti aliviado por ter uma boa desculpa para meu rosto corado. - Assim como aconteceu em nossa segunda loja, administrada, desde sua inauguração, pelo meu filho mais velho, Frederico.

Olhei na direção para onde meu pai, agora, apontava e vi Fred. Mais aplausos. Foi a vez do meu irmão ficar vermelho de vergonha. Eu relaxei por não ter mais aqueles olhares me fitando. Mais uma vez o cerimonial se movimentava e percebi, pela bagunça, que se tratava dos meus amigos. Acenei para eles com a cabeça e ao findar das palmas, voltei a observar meu pai.

- E por falar em família, gostaria de aproveitar esse momento especial... - Ele fez um sinal para minha mãe, que subiu os degraus até onde estava seu marido. Ela trazia em em suas mãos uma caixa preta, aveludada, dessas que comumente carregam jóias. O que será que... - Essa é minha esposa, Laura. - Ele falou, interrompendo meus pensamentos. Mais aplausos. - E junto dela, quero convidar para vir até aqui alguém muito especial, que em uma semana estará entrando oficialmente para a família. Luna, minha nora, por favor.

Antes que meu pai terminasse de falar eu já olhava minha cunhada, que estava ao lado do meu irmão. Observei-a a tempo inclusive de ver sua pele alva enrubescer. Envergonhada, Luna puxou Fred para ir jundo a ela. Subiram os degraus até onde estavam meus pais. Meu irmão e minha mãe subiram um degrau, liberando espaço para meu pai e minha cunhada. Eu já estava certo sobre o que aconteceria, era o que eu antes imaginara.

- Em uma semana você se tornará minha filha. - Meu pai falava pra Luna, que a cada momento ficava mais vermelha de vergonha. - Você e meu filho se casarão. E eu quero aproveitar a noite de hoje para te dar um presente especial. - Ele estendeu a mão para minha mãe, que lhe entregou a caixa. Em seguida abriu, revelando a joia que estava dentro. De longe não consegui enxergar, mas sabia do que se tratava. - Esse é o símbolo da nossa família e nada mais justo do que você passar a carregar ele.

Longos aplausos se seguiram enquanto meu pai tirava a corrente com o pingente, idêntico ao que eu carregava no pescoço, de dentro da caixa e o colocava em Luna. Senti uma emoção com aquela cena. Olhei a mãe da minha cunhada, que enxugava as lágrimas do rosto. Meu irmão segurava as lágrimas. Senti uma leve cotovelada, olhei para o lado.

- O coroa sabe emocionar. - Disse Victor, também visivelmente emocionado.

- Quando ele tá inspirado é assim. - Falei, sorrindo orgulhoso.

- E com isso, encerro minhas palavras. - Disse meu pai. - Sintam-se sempre bem vindos à Santos Sá Caruaru. Divirtam-se. - Encerrou ele.

Enquanto os aplausos finais ecoavam dentro da loja, desci alguns degraus ao encontro de minha família. Esperava que esse ocorresse em uma semana, no casamento, mas meu pai gosta de surpreender. Juntos com eles desci o resto da escadal e, já no térreo, parabenizei minha cunhada. A gargantilha que segurava seu pingente era de ouro, fina e bem delicada, quase invisível. Eu estava sorridente, quando vi Davi se aproximar e meu sorriso sumiu.

- A conversa lá em cima tava boa. - Ele disse, levando os olhos ao mezanino. - Tu e o funcionário do mês quase não prestaram atenção no que Tio Ciro falava.

- Pelo jeito você também não prestou nem um pouco de atenção nele. - Retruquei. - Tava de olho no que não é da tua conta.

Saí andando e deixei ele lá. Vi meu ex-sogro próximo a mim e procurei Victor. Ele me olhava de longe, como se soubesse o que eu estava pensando. Sorri pra ele ao encontrar seu olhar. Um alívio depois de trocar poucas palavras com Davi. Acenei e aquele príncipe de pele bronzeada caminhou em minha direção. Logo ele me alcançou, exibindo aquelas covinhas que derretiam meu coração.

- Pronto para conhecer Romero Villa? - Perguntei, pousando uma mão em seu ombro esquerdo. Seus olhos se iluminaram ainda mais.

- Sério? - Ele perguntou, parecendo criança quando oferecem doce. - Eu nem sei como te agradecer Theozinho. - O modo como ele me chamou me pegou de surpresa. Meu coração acelerou e não consegui conter meu sorriso.

- A gente acerta isso depois! - Falei, piscando um olho e apertando de leve seu trapézio. Ele assentiu com a cabeça. Me virei e ele me seguiu. Alguns passos e alcançamos

- Tá concorrido, né? - Falei me aproximando de Romero, que acabara de sair de uma roda de pessoas que pareciam fãs dele. Ele olhou de lado e ao me ver abriu um sorriso largo.

- Theo, meu querido! - Disse meu ex-sogro. Me deu um breve abraço. - Parabéns pela loja. Ficou excelente!

- O arquiteto responsável pelo projeto é novo no ramo, mas tem futuro. - Brinquei. O projeto da loja, assim como das outras duas e de qualquer obra do meu pai, era dele. Ele riu.

- Como tá a vida nova por aqui? - Seu sorriso foi se desmanchando e eu percebi o rumo que aquela conversa tomaria.

- Tá sendo melhor do que eu esperava. - Resumi, tentando fugir. - A cidade é muito boa. 

- Theozinho! - Exclamou Raquel, se aproximando. 

- Oi, Raquel! - Falei enquanto a cumprimentava com dois beijos.

- E você... - Ela se dirigiu a Victor. - já nos conhecemos. - Simpática, ela também deu dois beijos nele.

- Pois é! - Victor confirmou.

- Só eu que não conheço então? - Perguntou Romero, fingindo um leve ciúme da esposa. Rimos.

- Eu sou Victor. - Ele, como sempre astuto, se adiantou na apresentação. Esticou a mão em cumprimento, sendo correspondido. - Curso arquitetura e urbanismo e fui entrevistado por sua esposa para uma vaga estagiário aqui na loja. 

- E como vocês podem ver, conseguiu. - Falei. Nós rimos. - Já é um grande amigo meu. - Eu disse tentando deixar Victor mais à vontade. A frase servia para outras coisas também.

- Sou grande admirador do trabalho do senhor. - Victor elogiou Romero.

- Espero que por senhor você esteja se referindo a Deus. Também admiro o trabalho Dele. - O arquiteto brincou. Mais uma vez rimos. - Sem essa de senhor comigo. - Continuou. - Ainda mais se tratando de um amigo do meu genro. - Deixou escapar. Em seguida ele fez uma leve careta, ao perceber a gafe. - Ex-genro. - Corrigiu.

- Ex porque quer. - Disse Raquel. Sorri constrangido.

- Eu queria te fazer uma pergunta sobre o quarto do casal que você expôs na Casa Cor Paraíba ano passado. - Disse Victor, quebrando o silêncio embaraçoso. Ele se dirigia ao meu ex-sogro.

- Só uma? - Perguntou Romero. - Pode fazer quantas quiser. Vi o sorriso surgir na boca de Victor e seus olhos brilharem.

- Se me dão licença, vou deixar vocês com esse papo de arquiteto. - Anunciei, pensando em me livrar de mais emboscadas. - Tenho que cumprimentar os convidados.

- Ok, meu querido. - Disse Raquel, enquanto Victor e Romero se entrosavam na conversa. Saí de lá.

• • • • •

Eu dei uns poucos passos, até esbarrar com Andreza, coordenadora do curso de arquitetura e urbanismo que havia me ajudado com as inscrições para o estágio. Não esperava encontrar ela por lá. Nos cumprimentamos e começamos a conversar um pouco. 

- Estou realmente muito feliz de te ver aqui. - Eu dizia a ela, quando nos despedíamos. 

- Eu não poderia deixar de vir. - Ela falou. - Inclusive, estou gostando muito de tudo. Tenho que ir agora, por conta do horário. Mas volto no meu dia de folga, durante a semana. A correria com a faculdade não me deixa pegar muitos projetos, mas estou com um e vi alguns móveis aqui que se encaixam muito bem.

- Venha mesmo, por favor! - Falei sorrindo. - Me avisa o dia, que faço questão de te atender. - Trocamos mais algumas poucas palavras, um abraço e ela se foi.

  • • • • •  

- Mais um pouco e vocês chegavam na hora certa para o aniversário de um ano da loja. - Eu falei para meus amigos.

- E pra que a gente ia chegar cedo? - Perguntou Igor. - A parte boa é agora. Comida e bebida até não aguentar mais.

- Ainda mais que se nós chegássemos cedo, íamos ter que escutar o tradicional discurso infinito do teu pai. - Disse Gui. Todos rimos.

- A gente até já decorou. Toda festa a mesma coisa - Gab falou. 

- Ah... e por falar em infinito, - Falou Toninho. - a gente pegou a parte bonita da noite. Luna agora é oficialmente da família, né? Ganhou o pingentinho do infinito.

- Pingente Santos Sá, rapaz. Respeita! - Brinquei. Rimos, conversamos mais um pouco e eu saí para cumprimentar mais algumas pessoas. Falei que depois voltaria para combinarmos algo leve para fazer depois da festa.

    • • • • •    

- Ele é muito gente boa! - Falava Victor, sobre Romero. - Pensava que ele ia ser cheio de não me toque.

- Ai que inveja! - Lamentou Bia. - Porque tu não me chamou também. - Ela me deu um leve tapa no braço.

- Onde tu tava? - Perguntei.

- Procurando comida. - Victor respondeu por ela. - Certeza!

- Cala a boca! - Ela falou, fingindo indignação e dando um tapa mais forte no amigo. Em seguida desviou o olhar. - É que esses canapés são maravilhosos. - Nós rimos.

- Se quiser eu posso... - Iniciei.

- Não! - Bia me interrompeu. - Ele pode até ser gente boa, mas não vamos abusar, né?!

- Oportunidades não vão faltar. - Falei. Isso era um fato, infelizmente. Não por Romero, mas porque essa aproximação entre nossas famílias significava também a proximidade de Fernanda.

- Olha! - Disse Victor, pegando o celular. - Até foto com ele eu tirei. Meu Instagram vai bombar! 

Enquanto eles olhavam distraídos as fotos no celular de Victor, eu lembrei do meu plano para descobrir se o toque do celular de Victor era exclusivamente meu. E aquela era a oportunidade perfeita. Aproveitando a desatenção deles comigo, peguei meu celular no bolso e desliguei. Em seguida olhei ao redor, procurando alguém ausente por ali... Fred! 

Meu irmão, momentos antes, tinha me pedido a chave do meu escritório para trocar sua camisa que alguém havia sujado. Uma coisa que nossa mãe sempre nos ensinou foi a evitar usar branco em festas. Ensinamento esse ignorado por meu irmão aquela noite. Por sorte ele havia obedecido outra lição que ela nos havia dado: sempre levar consigo uma roupa reserva, caso insista em usar branco. Como seu carro estava estacionado bem na frente da loja, ele não se trocaria ali.

O DJ trocou a música, enquanto meu coração já pulsava mais acelerado de nervosismo pelo momento oportuno e aumentou ainda mais a velocidade quando decidi colocar meu plano em prática. Aguardei Victor encerrar seu momento exibição, fazendo inveja à amiga. Assim que ele colocou o celular no bolso, conferi que Bia estava com o seu na mão. Tudo perfeito. Vamos lá!

- Bia, tu me empresta teu celular? - Minha voz saiu meio trêmula. Pigarrei. - É que o meu descarregou. - Mostrei o aparelho apagado. - E eu preciso falar com meu irmão. Ele tá no meu escritório e eu não queria ir lá.

- Claro. - Ela falou esticando o braço, ao mesmo tempo em que Victor também tirou o seu do bolso.

- Toma o meu! - Ele ofereceu, ameaçando todo o meu plano. Eu encarava os dois segurando seus aparelhos à minha frente.

- Pode usar o meu, tenho bônus! - Falou Bia.

- O meu é de conta. - Argumentou Victor. - Pode falar à vontade. Eu estava tenso com meu plano indo por água abaixo.

- Mas eu ainda preciso babar muito o ovo de Theo, para ele começar a me apresentar aos amigos arquitetos foderosos dele. - Disse Bia, em tom de brincadeira. - Tu já conquistou o chefinho, agora é minha vez! - Ela deu o ultimato e pegou minha mão, me forçando a segurar seu celular. Sorri aliviado por poder prosseguir com meu plano e um pouco envergonhado pelas brincadeiras dela. 

- Já que você insiste... - Falei. Eles riram.

A segunda parte do plano dependia de sorte. A última ligação feita por Bia precisava ter sido para Victor. Logo explico o porquê. Apertei o botão e a tela bloqueada surgiu à minha frente. Mostrei à dona do celular, que o destravou. Apertei o botão do telefone, fui nas ligações efetuadas e... Ufa! Foi para Victor seu último telefonema. Segue o plano.

Próximo passo era, de fato, ligar para o meu irmão. Digitei o telefone dele e apertei discar, mas antes de levar o aparelho ao ouvido eu apertei o botão vermelho, cancelando a ligação, para que houvesse o registro de efetuação de chamada, sem que o telefone do meu irmão chegasse a tocar. Com o aparelho mudo, junto à orelha dei um sorriso sem mostrar os dentes aos dois que me observavam. Virei de lado, fingindo procurar alguém, para que eles não vissem a tela. 

- Caixa de mensagem! - Fingi lamentar. - Vou tentar mais uma vez.

Chegara a parte mais importante do plano. O tudo ou nada. Agora, eu tinha que fingir discar para o último número chamado, porém "sem querer" discaria pra o celular de Victor, que estava logo abaixo. Meu coração parecia tentar sair do peito, tamanho o nervosismo em que eu me encontrava. Apertar aquele botão poderia significar muita coisa pra mim. Seria a substituição de incerteza por convicção. Discretamente, respirei fundo. Apertei no contato de Victor. Levei o telefone ao ouvido.

Todos os sons ao redor pareceram sumir e meu ouvido livre estava focado apenas no som que sairia do celular daquele que havia raptado meu coração nos últimos dias. Enquanto isso o outro ouvido se concentrava na ligação sendo completada. Primeiro o som que confirma a ligação para a mesma operadora. Em seguida um curto silêncio. Então um toque. Victor movimentou seu corpo, levando sua mão ao bolso. Eu ainda não conseguia ouvir nada, até que ele tirou o aparelho.

O toque era o padrão do iPhone, igual ao que ele usara para as ligações comuns. Não era a música de Matheus e Kauan. Não era o meu toque. Meu toque. Meu! Tentei conter a alegria que dominou meu corpo. Cheguei a sentir uma dor nas costas, vindo junto com o alívio dos meus músculos antes tensos. Meu coração agora convertia as palpitações de tensão em felicidade. Isso significava muita coisa. Eu não podia ignorar.

Victor olhou seu celular e franziu o cenho, confuso. Em seguida, me mostrou o celular que exibia na tela "Bia Chamando". Coloquei, falsamente, a mesma expressão que ele em meu rosto, também fingindo surpresa. Abaixei o aparelho que estava em meu ouvido e o encarei, continuando o teatro. 

- Oxe! - Exclamei. Cancelei a ligação. - Liguei errado.

- Tu deve ter apertado sem querer a ligação anterior. - Bia falou, me ajudando. Era justamente a explicação que eu ia dar, mas vindo dela tornou o "engano" ainda mais real. - Eu liguei pra Victor, antes de a gente vir pra cá, para pegar uma carona com ele e o pai.

- Ah! - Eu ainda encenava. - Então foi isso. Desculpa Victor.

- Por uma besteira dessa? - Ele perguntou retoricamente, sem saber que de besteira aquilo não tinha nada. Significava muito, mas muito mesmo.

Sorri pra ele. Um sorriso leve, mas cheio da minha paixão, que agora era carregada de uma quase certeza em ser recíproca. Apertei mais uma vez o número do meu irmão na tela, repetindo o que fiz da primeira vez, para que a chamada ficasse registrada, mas sem que o celular dele chamasse. Levei o telefone ao ouvido e depois abaixei, meneando negativamente a cabeça.

- Mais uma vez caixa de mensagem. - Lamentei. - Vou ter que ir lá. - Entreguei o celular a Bia. - Já volto.

Antes de sair, sorrindo encarei Victor e, mais uma vez, em milésimos de segundos, imaginei. Eu queria, ali mesmo, no meio da festa, segurar suas mãos e perguntar se era loucura minha ou se aquilo estava mesmo acontecendo. Se meus sentimentos por ele eram realmente mútuos. Ouvir um sim. Beijar aquela boca que eu tanto desejava e me fazia passar por cima de qualquer receio que antes me dominava. Ser dele. Ter ele para mim.

Victor por sua vez abriu um daqueles sorrisos com as covinhas. Aquelas covinhas. Parecendo me responder com aquele olhar brilhante. Será que ele lê mentes? Viajei. Foi então que notei seu sorriso se desmanchando lentamente, até que seus lábios formavam uma linha reta, sem expressão. Ele encarava alguém que estava atrás de mim. Me virei para descobrir de quem se tratava. A pessoa estava mais próxima do que eu imaginava.

- Oi Theo! - Fernanda falou, meio tímida. - A gente pode conversar? 

Fazia um bom tempo que eu e ela não nos falávamos pessoalmente. Desde aquela fatídica tarde, em que meu mundo desmoronou, não havíamos mais nos cruzado. Eu até já tinha me acostumado completamente com a ausência daquela voz delicada, que agora me levara para mais um mergulho forçado em minhas lembranças. 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top