Capítulo 31 - Reencontros

https://youtu.be/T7K0pZ9tGi4

Um par de olhos azuis e um par de olhos castanhos, que fitavam os meus olhos perdidos, me fizeram recobrar à consciência. Eu tentava me organizar meus pensamentos e disfarçar o quão abalado eu estava. Não era só fisicamente que meu primo havia mudado, sua personalidade parecia outra. Com uma longa inspirada de ar pelo nariz inalei oxigênio, em seguida, liberei lentamente pela boca o gás carbônico. Pelo menos vinte músculos trabalharam em meu corpo, para que eu conseguisse dar esse respiro, o qual ajudou a me acalmar. 

- Tu já foi bem melhor com piadas. - Falei, também irônico, tentando dar tom de brincadeira ao Davi acabara de falar. Victor riu. Aparentemente funcionou.

- Davi, o primo. - Disse o dono dos olhos azuis, estendendo sua mão direita ao se apresentar para Victor.

- Victor, o amigo. - Disse o dono dos olhos castanhos, apertando a mão do meu primo. - Ou seria estagiário? - Ele perguntou brincando, ao me olhar. Eu ri com ele. Davi arqueou as sobrancelhas. 

- Ah... Tu trabalha aqui? - Perguntou Davi.

- Trabalharei. - Respondeu Victor. - A partir de amanhã. Então, por enquanto é só amigo mesmo. - Ele falou como se chegasse a uma conclusão. Mais uma vez Victor e eu rimos com a piada. Davi forçou um sorriso junto e eu desmanchei o meu ao encará-lo.

- Theo, licença. - Falou uma cerimonialista ao se aproximar. - É que vamos começar em cinco minutos. Ainda faltam dois funcionários. - Ela olhou um papel preso à prancheta em sua mão. - Beatriz e Victor.

- Não faltam mais. - Falou Victor, estendendo a mão. - Bia tá ali. Mas tá faltando a gente pra quê?

- Vou posicionar vocês, para quando Theo for apresentar os funcionários aos convidados. - Explicou a mulher.

- Ah... ok! - Victor falou, me olhou e eu sorri. - Vou com ela chamar Bia. Depois conversamos. 

- Vai lá! - Falei. 

- E você na escada. Agora! - Ela disse se referindo a mim. Victor fez uma careta por trás dela, como se eu tivesse levado uma bronca. Prendi a risada. Ele saiu com a cerimonialista o seguindo.

- Assédio sexual no trabalho. - Disse pausadamente Davi ao ver que eles tinham tomado distância o suficiente para não ouvir. Em seu rosto um sorriso sarcástico. - Geralmente isso não acaba bem.

Me limitei a encará-lo, mostrando todo meu desprezo não só pelo que ele tinha acabado de fazer, mas como por tudo pelo que havíamos passado. Ele desmanchou o sorriso, me satisfazendo em ver que ele entendeu o recado. Dei alguns passos, desviei de seu corpo e continuei andando, sem direcionar mais nenhuma palavra a ele.

- Ser ignorado pessoalmente é bem pior. - Ele quase gritou. 

Olhei para os lados, procurando alguém que pudesse ter ouvido, mas ninguém prestava atenção. Eu mereço! Pensei. Ainda tem Fernanda, que deve esbarrar comigo logo logo. Sophia também está por aí, rondando Victor. Aquela situação, para mim, era a pior que eu podia imaginar.Mas uma coisa me deixava confortável: A noite chegou a um ponto em que nada poderia piorar. Nenhuma presença podia me surpreender. Pelo menos era o que eu achava.

• • • • •

- Boa noite. - Falou a cerimonialista ao microfone que soltou um som agudo de microfonia que incomodou a todos. O DJ fez uma careta e ajustou o som. - É com imenso prazer que recebemos vocês aqui, na inauguração da Santos Sá Planejados unidade Caruaru. Agradeço a atenção e todos e convido para tomar a palavra nosso anfitrião: Theo Santos Sá.

Ao som dos aplausos de todos convidados, subi alguns degraus, pegando o microfone da mão dela. Meu coração estava acelerado, não só por toda a tensão que aquela noite estava me causando, com certas presenças, mas também porque falar em público nunca foi algo confortável para mim. Coloquei um sorriso no rosto e olhei de volta todos aqueles rostos que me encaravam.

- Boa noite a todos. - Cumprimentei, recebendo de volta a mesma saudação em uníssono. - Serei breve em minhas palavras. Gostaria de agradecer a recepção que vocês, profissionais da área de arquitetura e design de interiores, tiveram comigo e com essa empresa. Tenho me sentido acolhido em Caruaru. Como muitos de vocês devem saber não sou daqui, mas é como se eu estivesse em casa. - Eu falava, passeando o olhar entre os diferentes rostos que me miravam. - Eu deixei muita coisa para trás...

Por coincidência, nessas palavras encontrei o rosto de Fernanda, que entrava na loja, acompanhada de seus pais. Perdi a linha de raciocínio por alguns instantes. Seus olhos entregaram que ela ouviu as últimas palavras que eu tinha dito. Desconfortável ela desviou o olhar, procurando qualquer outro lugar para observar. Me lembrei que eu estava em meio ao discurso, voltei a me concentrar e continuei.

- Mas Caruaru tem compensado, me dando presentes. - Olhei para o mezanino, onde estavam localizados os funcionários que tocariam a loja comigo. Encarei Victor, que estava em uma das pontas. Ele sorriu. Será que ele entendeu essas palavras direcionadas a ele? Tomara! Indiquei com a mão estendida a direção deles. - Como essa maravilhosa equipe de colaboradores, que estará comigo, a partir de amanhã, pronta para recebê-los, junto aos seus clientes. - Como orientados pelo cerimonial eles acenaram. Voltei a encarar o público, que aplaudiu. - Agora me juntarei a eles, passando a palavra para o maior responsável por tudo isso. Com vocês, o fundador da Santos Sá Planejados. E meu pai. - Falei cochichando e pisquei um olho. As pessoas riram. - Ciro Santos Sá.

Meu pai subiu os degraus, em meio a aplausos, até alcançar o patamar em que eu estava. Nos abraçamos, passei-lhe o microfone e subi o resto da escada. Cheguei ao mezanino, onde me juntei à equipe que trabalharia na loja, enquanto meu pai iniciava suas palavras. Posicionei-me, obviamente, ao lado de Victor, que me acompanhava com um daqueles sorrisos. Preciso falar das covinhas?

- Caramba! - Victor cochichou, assim que cheguei. - Tu fala muito bem em público. - Elogiou ele.

- Tu deve estar falando isso pra me animar. - Falei, também cochichando e realmente incrédulo.

- Nada disso! - Ele retrucou. - Quando tu começou eu fiquei até um pouco nervoso aqui, mas tu deu um show lá.

- Sério?! - Perguntei, animado e acreditando nas palavras convincentes dele.

- Sério, porra! Mas... - Ele falou e parou, como se reformulasse o que ia dizer. - Só deu uma travada, quando tua ex chegou. 

Olhei pra ele, arregalando meus olhos. Como ele sabia que era ela que tinha chegado? Como ele percebeu que foi esse o motivo que fez com que eu me atrapalhasse com as palavras. Se pra ele foi tão evidente, imagino para as pessoas mais próximas de mim, que sabiam da minha história com ela. Senti meu rosto corar.

- C-como... - Gaguejei. - Como tu...

- Tua ex-sogra. - Ele falou, apontando na direção dela com o queixo. Esqueci que eles haviam se conhecido na entrevista. - Eu sabia que a conhecia de algum lugar, mas não lembrava de onde. - Disse Victor.

- E de onde é? - Perguntei, sem conseguir segurar minha curiosidade.

- Tu era genro de Romero Villa! - Concluiu ele. - Caralho! Romero Villa. Um dos arquitetos de interiores mais fodas da atualidade. - Ele falava baixinho. - Sigo Romero no Instagram e devo ter visto ela nas fotos que ele posta. Só agora associei. 

- Ah... - Deixei escapar.

Eu tinha uma noção da fama que meu ex-sogro tinha, principalmente entre aficionados por arquitetura, estudantes e profissionais da área. Volta e meia os ambientes projetados por ele eram publicados em revistas. E ele sempre participava das principais mostras de arquitetura e design de interiores pelo país. Meu pai era parceiro dele em tudo isso.

- Que legal! Como tu não me contou isso antes? - Ele perguntou, fingindo indignação.

- E eu ia imaginar que tu era um fã dele? - Perguntei rindo. - Se tu quiser... - Comecei. Victor me encarou. - Posso te apresentar a ele.

- Sério? - Ele indagou, entusiasmado. Depois ficou sério. - Não vai ser chato pra tu? - Perguntou. - Com essa  história de...

- Não! - Interrompi. - Relaxa. Ele me viu crescer. É como um tio e é muito legal. Tu vai ver. 

Fomos interrompidos por aplausos. Não estava prestando atenção no discurso do meu pai. Óbvio! Com Victor do meu lado minha atenção tinha apenas um foco. Era mais forte que eu. Cutuquei ele com o cotovelo, pisquei um olho e indiquei com a cabeça a direção de onde meu pai discursava. Ele entendeu o recado e assentiu com a cabeça.

- ... Mesmo em meio à essa crise. - Dizia meu pai em meio à sua fala. - Então me sinto um privilegiado que as coisas estejam sendo diferentes... 

Mais uma vez eu deslisava meu olhar pelos convidados, vendo como eles recebiam as palavras do meu pai. Notei uma movimentação na entrada, que do lugar onde eu estava, agora, conseguia enxergar apenas parcialmente. Alguém havia chegado, pois o cerimonial entregava os brindes. Imaginei ser meus amigos, que já estavam bastante atrasados. Mas não eram eles. Era alguém, que eu não esperava ver ali.

https://youtu.be/Ib8-iA3jKNs

Reconheci imediatamente a silhueta daquele moreno que acabara de chegar, mesmo ele estando quase de costas. Caio, o dono da boate. De repente, me arrependi de ter pensado que as coisas não podiam piorar. Que nenhuma presença conseguiria aumentar meu embaraço aquela noite. Eu não tinha nem mais uma gota de habilidade para lidar com tantos  problemas ao mesmo tempo.

Caio acenou para alguém e seguindo com meu olhar na direção para onde ele fez o cumprimento, vi Sophia abaixando a mão depois de dar um tchauzinho. Assisti os dois caminhando até se encontrarem, se abraçarem e começarem a conversar. Algumas trocas de palavras depois, apenas Caio falava, enquanto Sophia consentia com a cabeça. Ela então se voltou para o mezanino, fazendo gestos para avisar que estava indo embora.

Automaticamente Caio acompanhou com o olhar para onde ela gesticulava. Ao me ver colocou um sorriso sacana no rosto, que me deixou completamente desconcertado. Sorri de volta, constrangido, fazendo um leve movimento com a cabeça. Percebi Bia, que estava ao lado de Victor, o empurrar. Ele não acompanhava os acontecimentos, pois estava prestando atenção no que meu pai falava.

- Puta merda! - Ele deixou escapar. - Não é possível.

- Sophia tá indo embora. - Bia falou, alto o suficiente para que eu ouvisse.

- O que ele tá fazendo aqui?- Perguntou Victor. - Quem convidou esse... - Não completou. - Só pode ser proposital. - Concluiu.

Senti meu rosto corar. Se ele soubesse que fui eu? Além disso, eu estava completamente confuso. Primeiro Victor demonstrou total rejeição à presença de Sophia, quando a encontramos em frente à  CXC Club, boate de Caio. Mas depois não só me pediu para que ela pudesse vir à inauguração, como acabaram vindo juntos. Isso demonstrava que as coisas entre eles já não estavam tão ruim assim. Senti um leve incômodo. 

Mas e o que explicaria esse asco dele com Caio? Será que o dono da boate tinha alguma coisa a ver com o fim do relacionamento de Victor? Dúvidas e mais dúvidas brotavam em minha cabeça. Contudo, eu não conseguia chegar a conclusão alguma. E parei de conjecturar, assim que vi o que acabara de acontecer no andar de baixo.

Ao despedir de Sophia, Caio se virou e, sem querer, esbarrou em Davi, que também girava seu corpo, depois de pegar mais uma taça de champanhe. O lindo moreno definitivamente não tinha noção de espaço. Segunda vez que o vejo, segunda vez que ele esbarra em alguém. E embora dessa vez não fosse em mim, me causaria um impacto, de qualquer modo.

A colisão entre os dois me deixou preocupado. Não pela intensidade do choque ou nada do tipo, mas pela conversa que eles iniciaram a partir daquele momento. Sorrisos. Caio tentando limpar o líquido que caiu na gravata de Davi. Senti minha garganta secar. Aparentemente, depois de tudo que me causou no passado, mesmo sem que ele percebesse, meu primo parecia começar a invadir o meu presente. Algumas recordações começaram a surgir, mas agitei a cabeça, afastando-as.

- Por que Sophia tá indo? - Perguntei a Victor, tentando entender algo e ao mesmo tempo me distrair do que acontecia lá em baixo.

- O patrãozinho deve ter mandado. - Ele respondeu, num tom nada amigável.

Fiz a pergunta para tentar captar algo mais, porém acabei ficando mais confuso. Há dois dias Victor não queria nem se aproximar de Sophia e agora estava tão incomodado porque seu patrão a mandara embora, certamente para trabalhar, pelo horário. Não estava entendendo mais nada. Meu peito doeu. Ciúmes, mais uma vez. Eu não podia ter tanto apego ao que não me pertencia. Queria saber mais, para afastar aquele desconforto, mas tinha medo de ser mais direto e acabar me tornando inconveniente. Enquanto isso, mais perguntas surgiam em minha cabeça. 

Será que aquilo significava uma possível volta entre Victor e Sophia? Mas e eu? Como lidaria com todo o sentimento que já não conseguia controlar? E se eles voltassem? Nos afastaríamos? Manteríamos nossa amizade? E se as coisas entre nós continuassem a evoluir? E se, mesmo namorando, ele me quisesse? Eu aceitaria ignorar sua relação com Sophia em nome dos meus sentimentos e desejos? Será que era isso que Davi sentia por mim, quando esteve na mesma situação à qual agora eu, hipoteticamente, me via?

Dessa vez foi inevitável mais uma vez mergulhar em lembranças.

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