Capítulo 29 - Inauguração

Mais uma mensagem que ficaria sem resposta, pois eu não gastaria o meu tempo falando com Fernanda. Não depois do que aconteceu em João Pessoa. Porém, embora aquela mensagem me causasse certo mal estar, ela também me deixava aliviado, pois sabendo que minha ex-noiva viria eu me prepararia duplamente para os reencontros do dia seguinte. Sai da conversa com ela, afastando as lembranças do passado.

Abri a conversa com Victor e respondi que sim, tinha chegado em casa. Trocamos mais algumas poucas mensagens, até que ele disse que tentaria dormir, pois iria na manhã seguinte, cedinho, para a missa. Estranhei um pouco, pois não tinha notado nenhum apego religioso nele. Também fiquei um pouco preocupado, pois a religião poderia ser uma barreira no desenrolar das coisas entre ele e eu. 

Lá estava eu, mais uma vez me preocupando com fatos existentes apenas em minha cabeça, quando ele me explicou que iria apenas por se tratar da missa de um ano do falecimento de seu avô paterno. Agora eu me sentia mal por me sentir feliz no fato de ele não ser tão religioso. Ai que confusão. Minha família também era católica, mas nunca fui muito de ir à igreja, apesar de que isso nunca me fez deixar de ter fé. Depois que "me descobri", meu interesse por religiões acabou diminuindo ainda mais, pelas posições conservadoras que elas têm.

Victor foi dormir e não me acompanharia em minha noite de insônia, que seguira. Insônia essa a qual antes eu odiava, porém passei a ver com bons olhos, depois que ela me possibilitou a aproximação com Victor e todos os sentimentos que vieram junto com ele. Eu suspirava aliviado só em lembrar daquele rosto lindo e, quase sempre, sorridente.

Indo na cozinha buscar água vi a cueca dele, dobradinha, em cima da mesa. Eu havia a deixado ali propositalmente, como desculpa para ele ter que subir quando voltássemos do nosso pequeno encontro. Mal imaginava eu o que a noite me guardava. De qualquer modo eu consegui ficar sozinho com ele, melhor até do que eu esperava. Abri a conversa com ele mais uma vez, para falar da cueca, mas já faziam quarenta minutos que ele não ficava online. Certamente avia dormido. Deixei para comentar no dia seguinte.

Aproveitei então o resto da noite para conversar com meus amigos de João Pessoa e confirmar a presença deles na inauguração. Com o fim do namoro do Gab, todos, agora, estavam solteiros. Isso facilitaria bastante a logística e impossibilitaria eles de arranjarem desculpas. Todos confirmaram presença em Caruaru na noite seguinte, depois, um a um foram saindo até que só restamos eu e a madrugada. O sono mais uma vez chegou apenas quando o clarear do céu indicava a chegada do domingo.

    • • • • •    

Sinal vermelho. Baixei a viseira do motorista para conferir no espelho se meu rosto ainda entregava a noite mal dormida. Olhos vermelhos, cara um pouco amassada, cabelo assanhado que não ia de jeito nenhum para o lugar certo. Pinguei mais uma vez uma gota de colírio em cada olho, depois tentei colocar o cabelo do jeito correto, sem sucesso. Sinal verde.

Eu ouviria poucas e boas da minha mãe, quando chegasse ao hotel com aquela aparência. Acordei com meu pai telefonando para avisar que já estavam chegando a Caruaru. Sai tão apressado que vesti a roupa da última noite. Chegando ao hotel estacionei, me olhei no espelho novamente. Os olhos estão melhores, estiquei um pouco a pele, mas esse cabelo... Merda! 

Peguei dentro do meu carro uma garrafa de água mineral, que estava pela metade, joguei na cabeça e consegui dar uma disfarçada no penteado. Tudo isso para chegar no hotel e descobrir que eles ainda não haviam chegado. Vinte e dois anos e eu ainda não havia me acostumado com o "já estou chegando" do meu pai, quando muitas vezes nem tinha saído. Eu estava chateado e aliviado, ao mesmo tempo. 

      • • • • •      

Trinta minutos depois, lá estava toda minha família.  Pai, mãe, irmão e cunhada. Tios e outros amigos chegariam mais tarde. Após deixar tudo certinho no hotel, fomos para a loja, para que meu pai ficasse por dentro de tudo. Ele realmente tinha confiado tudo a mim, o que foi uma prova de confiança muito grande. 

Meu pai até tinha acompanhado parte da obra, quando eu estava indo e voltando de João Pessoa. Mas, depois que me mudei para Caruaru, tudo passou a ficar sob minha responsabilidade. Tanto no que dizia respeito à conclusão da reforma e montagem da loja, quanto à contratação de pessoal e até os cuidados para a inauguração que, finalmente, ocorreria àquela noite. Fomos almoçar e, em seguida, fomos para a loja.

Alguns prestadores de serviço que trabalhariam no evento, logo mais à noite, já se preparavam. O estoque virou uma cozinha improvisada para que o pessoal do buffet pudesse trabalhar. O DJ montava uma pequena estrutura de som e iluminação no mezanino, onde estavam expostos as ambientações de cozinhas. As horas foram se passando e o sorriso que não saia do rosto do meu pai me deixava certo de que eu havia cumprido com meu dever.

        • • • • •        

Quando o céu já apresentava um belo crepúsculo, me deixando nervoso por anunciar a chegada da noite, meu telefone tocou. Eu não tinha o número na agenda, mas isso tinha se tornado algo comum depois que mudei de cidade. O código de área era de Pernambuco, o que indicava ser, certamente, alguém de Caruaru.

Era o capitão Ramos. Ele estava me ligando para informar sobre as atualizações acerca do incidente na noite passada. O que ocorrera foi que outras pessoas, as quais também haviam prestado queixa de assalto na noite passada, tinham feito reconhecimento, desta vez por foto, do assaltante. Isso aumentaria o número de acusações contra ele e seria o suficiente para que ele ficasse atrás das grades por um bom tempo.

De alguma forma as notícias eram boas, mas lembrar de tudo que passei, na noite anterior, me causava um mal-estar. Isso também me lembrou que eu ainda não trocara nenhuma palavra com Victor, aquele dia. As horas tinham voado e se aproximava o momento de nos encontrarmos pessoalmente. Eu também não ficava livre de tarefas a fazer. Preferi esperar.

          • • • • •          

Gui, Gab, Toninho e Igor chegaram quando eu já estava no meu apartamento, na correria para me aprontar e ir para a loja. Eles se encaixariam por lá mesmo, pois voltariam antes do sol nascer para João Pessoa, para desse tempo de chegarem aos seus trabalhos. Eu estava muito feliz em me reunir com eles novamente e gastei um tempinho lá conversando com eles. Saí, já atrasado, e eles iriam depois. 

            • • • • •            

De volta à loja, eu me preparava, junto ao cerimonial. Discutíamos sobre o momento e ordem dos discursos. Os convidados começaram a chegar. Minha família atrasou um pouco. Eu recepcionava alguns convidados, me apresentando àqueles que eu ainda não conhecia. A maioria dos convidados eram arquitetos e designers de interiores. Quando meus pais chegaram consegui dar uma passada lá atrás para conferir se tudo estava certo na cozinha.

Volta e meia sentia um leve aperto no coração, ao pensar em Victor. Nosso convívio havia sido tão intenso nos últimos dias, que passar algumas horas longe dele parecia ser suficiente para me fazer sentir saudades. Tudo certo na cozinha, eu voltava para a loja, quando me deparei com Victor vindo em minha direção, lindo, como sempre, mas vestido com roupa social ele ganhava um charme especial.

Ao lado do meu príncipe estava Beatriz, presença que também me deixava animado, com toda a alegria que ela trás consigo. Mas ao lado da querida Bia, com um braço cruzado ao seu, estava alguém que freou o sorriso que eu ia colocar em meu rosto: Sophia. Ela mesma. Eu já tinha esquecido que minha noite teria esse bônus. Agradecia em silêncio por Bia estar entre os dois.

Por outro lado, Victor não teve dificuldade nenhuma em sorrir ao me ver, mostrando aqueles dentes lindos e fazendo brotar em suas bochechas as covinhas que mereciam um beijo só por estarem ali. Forcei um sorriso de volta. Bia, ao me ver, me cumprimentou com a a cabeça, também sorrindo e de repente parou, fazendo Sophia quase cair. Não pude conter minha gargalhada com a cena. 

Victor olhou de lado pra ver o motivo do meu sorriso e também riu, meneando negativamente a cabeça ao ver que o motivo da brecada era uma mesa de canapés, para a qual Bia arrastou Sophia forçadamente. Ufa! Quando Victor voltou a olhar para a frente, sem parar de andar, quase se choca com um garçom que levava uma bandeja de salgados. Num salto, ele girou desviando. Nesse movimento ele acabou revelando, atrás de si, alguém que acabara de entrar na loja.

https://youtu.be/IwGEhEk_RrY

Respirei fundo. Eu não estava pronto para isso. Aqueles olhos azuis pareciam saber exatamente onde eu estava, pois me fitaram assim que o vi. Davi estava diferente, mais bonito, mais forte, seu cabelo tinha um novo corte e agora ele estava usando uma barba perfeitamente aparada. Fazia um tempo que não o via pessoalmente e tinha deixado de acompanhar suas redes sociais também. Meu primo, acompanhado dos meus tios, já havia cumprimento meus pais. 

Ele pegou uma taça de champanhe de um garçom e com um sorriso que beirava a malícia fez menção de um brinde na minha direção. Constrangido e com o coração acelerado parei de encará-lo, voltando meu foco a Victor, mais uma vez. Ele já estava bem na minha frente e me surpreendeu a me abraçar calorosamente, antes de falar qualquer coisa. Por cima do seu ombro vi o sorriso de Davi se desmanchar, enquanto sua testa franzia. Ele colocou a taça em cima de um móvel e começou a caminhar em minha direção. 

- E aí? - Perguntou Victor, desmanchando o abraço que eu nem tive tempo de retribuir. - Dia corrido, né? Nem me respondeu no Whatsapp. 

- Pois é. - Eu concordei, tentando disfarçar minha tensão com a proximidade de Davi. - Eu não tive tempo de olhar nada no meu celular hoje.

- Mas eu só falei besteira. Relaxa! - Disse Victor.

- Ah... é?! O quê? - Perguntei sem querer que parássemos de falar. Davi estava a poucos passos de nós e continuava andando. Não imaginava que logo em seguida me arrependeria da pergunta feita.

- Só comentei que depois de tanta coisa ontem à noite, acabei esquecendo minha cueca na tua casa, de novo. - Falou Victor, alto demais para a proximidade do meu primo que conseguiu ouvir o último trecho.

- Nossa! - Exclamou Davi. Victor girou para ver quem falava por trás dele. - Parece que as coisas já estão bem animadas por aqui. Cuecas sendo esquecidas... - Ele fixou por um breve momento seu olhar em Victor, então voltou a me mirar. - Não perde tempo, né primo? 

A retórica de Davi era carregada de ironia e ciúmes. Meu coração estava prestes a sair pela boca com as insinuações que ele acabara de fazer. Poderiam ser bem reveladoras para Victor. Minhas pernas formigaram quando percebi as coisas fugindo do meu controle. Ao ver que agora, de fato, meu passado invadira meu presente, relembrei, mais uma vez, como as coisas chegaram até aquele ponto.


Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top