Capítulo 24 - Lembranças: Parte 12
https://youtu.be/H9NZgi1PC-A
Os olhos azuis de Davi não se fixavam por mais de um segundo em algum ponto, como se sua cabeça maquinasse à procura do que dizer. Mais uma música ia embora, outra chegava. Ele transparecia tensão e arrependimento em ter falado mais do que devia. Então finalmente fixou seu olhar em um ponto: meus olhos.
- Porra, Theozinho... - Ele tentou iniciar alguma frase, mas desistiu. Embora eu estivesse me corroendo de curiosidade pelo assunto que, sem querer, ele deixara escapar, tentei acalmá-lo.
- Deixa quieto. - Falei. - Não precisa falar.
- Não. - Ele exclamou. - É que Diego e eu fizemos um pacto de segredo. Mas agora que comecei não vou te deixar curioso. Nem quero que tu tire conclusões erradas.
Não quer que eu tire conclusões erradas? Até parece que ele estava dentro de minha mente, pois, embora eu não quisesse admitir para mim mesmo, além de curiosidade aquela revelação despertou em mim um sentimento que eu não queria ter. Não naquele momento. Não por outro homem. Não por Davi. Ciúmes!
- Tu não me deve nenhuma satisfação. - Eu disse, no impulso dos pensamentos.
Percebi a decepção tomar conta do olhar dele. Gradativamente as reações de Davi me possibilitavam confirmar que, por mais que tentasse esconder ou negar, ele sentia algo por mim. O cuidado com as palavras, a necessidade de se justificar, até seu tom de voz. Tudo denunciava um pouco.
Enquanto isso eu tentava a todo custo levar a conversa na direção desejada por mim para aquele diálogo, que era por um fim naquela história. Meu bom senso travava uma luta interna com sentimentos que eu percebia nascerem em mim, mas meu ego não queria aceitar. Minha consciência era movida pelo medo do que tudo aquilo poderia se tornar.
- Se tu não quiser saber... - Ele iniciou.
- Não é isso. - Tentei amenizar. - É que... - Parei procurando uma desculpa. - Tá bom. Fala. - Me rendi, perdendo uma batalha. Ele forçou um sorriso que não me convencia de que ele realmente queria falar.
- Então... - Ele parou, pensativo. - Tudo começou na noite em que comemos a menina lá...
- Vocês... - Arregalei os olhos ao interrompê-lo.
- Não! - Davi exclamou. - Naquele dia não aconteceu nada entre eu e ele. - Ao falar ele fez sumir de minha cabeça mil cenas que eu já imaginava.
- Ahhh... - Deixei escapar, quase num sussurro.
- Não aconteceu nenhum ato. - Ele se corrigiu. - Mas Diego me pegou hipnotizado olhando pra o pau dele enquanto a garota lá chupava ele. - Respirei fundo ao sentir minha circulação sanguínea aumentar a velocidade. Ele fez uma leve careta. - Só que ela parou pra ajeitar o cabelo, que tinha se soltado, e eu dei a bobeira de continuar com o olhar fixado no lugar errado.
- Tu continuou olhando... - Mesmo com o som ligado, cochichei para completar a pergunta. - ...o pau dele? - Ele respondeu meneando positivamente a cabeça. - E aí? - Perguntei.
- E aí que ele segurou o pau e começou a balançar. - O volume em minha sunga, por baixo da toalha, começou a aumentar. Reposicionei o travesseiro no colo. - Eu achei que os movimentos eram para chamar minha atenção, mas não tive coragem de encarar ele. Passei o resto da transa me policiando. Depois disso o assunto morreu. Ninguém falou nada por um bom tempo.
- Até que... - Falei.
- Até que... - Ele parou, rindo da minha curiosidade, repentinamente, sincera. - Chegou o aniversário de Toninho. Aquele do quiosque na praia, lembra? - Ele perguntou apontando para meu antebraço direito.
- Ôh se lembro... - Falei, erguendo o antebraço e mostrando a cicatriz próxima ao meu pulso.
Era aniversário de Toninho e não haveria nenhuma festa "oficial". Para não passar em branco fomos para um quiosque na Avenida Almirante Tamandaré. Todo mundo acabou bebendo além da conta, exceto Davi que estava fazendo um tratamento médico. Ele acabou indo embora mais cedo e Diego foi junto.
Depois que eles foram embora o quiosque fechou. Os meninos que ficaram e eu resolvemos sair andando pela orla, jogando papo fora. De tão bêbado, eu tropecei e caí sobre uma bolsa com garrafas de cerveja que eu segurava. Acabei com a noite ao ganhar um corte feito por um caco de vidro, que me rendeu oito pontos e uma cicatriz.
- Foi um dos dias que mais bebi na vida. - Completei.
- Acho que foi um desses dias pra Diego também. - Disse Davi. - Pra ele ter tomado coragem de tocar no assunto... - Ele apertou os olhos imaginando como completar. - ...da minha distração.
- O que ele falou? - Perguntei, tentando mascarar meu interesse.
- Tá mais pra o que ele fez. - Davi me corrigiu. Ele me encarou por um segundo e mudou o foco de seu olhar para um lugar qualquer. - Quando chegamos na casa dele eu desci do carro e fui ajudá-lo a sair. Ele tava muito bêbado e quando abri a porta do carona ele não tinha nem soltado o cinto. Eu me curvei por cima dele pra apertar o botão e liberar ele, quando ele me puxou e... - Ele puxou o ar pelo nariz e soltou lentamente pela boa. - Ele me beijou.
- Diego? - Indaguei incrédulo. - Diego te beijou? - Insisti. Não conseguia controlar meu tesão com aquela história e meu pau chegava a latejar em baixo do travesseiro. Ao mesmo tempo sentia uma ponta de ciúmes da cena que se passava em minha mente.
- Pois é. - Ele disse, voltando a me encarar. Deu um sorriso amarelo de canto de boca. - Nem eu acreditei. Até que ele parou e perguntou: pensa que eu não percebi aquela noite?
- E o que tu falou? - Questionei.
- Nada. - Ele respondeu.
- Nada? - Perguntei, franzindo o cenho, sem entender.
- Nada. - Repetiu Davi. - Porque bem na hora tu me ligou chorando, dizendo que tava indo pra o hospital, que tinha cortado o pulso e achava que ia morrer. - Ele revirou os olhos e eu ri. - Tive que sair de lá voando, pra descobrir que na verdade tu tinha cortado o antebraço.
- Mas era muito sangue. - Tentei justificar. - Eu me assustei. Tu sabe como eu fico quando vejo sangue.
- Sei, sei... - Ele desdenhou proposital e exageradamente. - Joguei Diego lá, de qualquer jeito. Nem sei como ele chegou na cama. Se é que ele chegou... - Ele riu. - Depois daquela noite sempre que ele bebia dava um jeito de ficarmos juntos. No início ele só queria beijar, mas depois foi evoluindo...
- E ele só te procurava bêbado? - Perguntei, tentando compreender melhor tudo.
- No início. - Explicou Davi. - Pouco mais de um mês criei coragem e coloquei ele na parede sóbrio. Foi quando surgiu o tal pacto de segredo. Ele tinha a namorada dele e tudo mais. Vi que a princípio ele tinha um certo travamento para falar sobre esse assunto. Aí para facilitar as coisas criamos um código.
- Como assim um código? - Inqueri.
- Compramos duas pulseiras de prata, diferentes para que ninguém notasse. - Davi iniciou a explicação. - Aí combinamos que quando um de nós estivesse querendo algo, sairíamos com a pulseira. Se o outro também estivesse usando o sinal estava verde.
- Aí vocês se encontravam... saíam? - Perguntei.
- Isso. - Disse ele. - A gente dava um jeito. Com o tempo ele foi se soltando e vi que ele tinha certa experiência no assunto. Coisa da qual eu nunca suspeitei...
- Muito menos eu. - Interrompi. - E isso durou até...
- Até ele ir embora. - Davi completou. - Se bem que antes dele ir as coisas tinham estranhado um pouco. Estávamos afastados e... - O celular dele começou a tocar. Ele encarou a tela e por um segundo juntou as sobrancelhas. Ele ignorou a chamada e rapidamente recompôs a expressão. - É minha mãe. - Ele falou. Estranhei a cara de surpresa que ele havia feito. - Deixei ela no salão de beleza e vim pra cá. Fiquei de pegar ela e deve ter acabado. - Ele se levantou, fiz o mesmo.
- Certo. - Falei. - Vai lá, então.
- Eu vou. - Ele disse. - Mas eu quero que tu saiba que... - Ele pausou. - qualquer coisa que tu quiser falar, conversar... - Parou novamente. - Se tu quiser... Enfim. Qualquer coisa me avisa. Tô por aqui.
- Tá. - Falei levemente envergonhado. Fiquei com medo do que ele poderia oferecer em meio àquela confusão de palavras. - E obrigado, por hoje. Por tudo.
Ele deu um passo em minha direção e me envolveu num abraço. Fui pego desprevenido e fiquei paralisado, pois quando ele me apertou certamente sentiu o volume, que antes começava a relaxar em minha sunga, voltando a endurecer. Acredito que ele tenha sentido, pois eu consegui sentir que ele estava na mesma situação. Ele me libertou de seus braços, se virou e saiu.
Assim que Davi saiu peguei meu celular e entrei no Instagram, saí stalkeando os perfis dos meus amigos, procurando as fotos em que ele e Diego apareciam com as tais pulseiras. Me surpreendi com as vezes em que ambos as usavam e em minha cabeça fantasiei como seriam os encontros entre eles. Outra coisa que notei foi que quanto mais recentes ficavam as fotos, mais comum era ver Diego usando a pulseira e Davi não.
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https://youtu.be/tgIqecROs5M
Para variar Nanda se atrasou na arrumação para o jantar. Quando chegamos ao restaurante meus pais, meu irmão e minha cunhada já estavam na mesa. No momento em que meu viu, minha mãe acenou. Respondi com um sorriso de lábios apertados, enquanto meneava positivamente a cabeça. Cruzei o salão de mãos dadas com minha namorada.
Ao me aproximar, notei mais alguém sentado à mesa. Era Mauro Mota, arquiteto amigo de minha família. Nanda e eu cumprimentamos a todos, que se levantaram para nos abraçar. Mauro foi o único que continuou de pé. E quando ele fez um sinal pedindo para alguém esperar numa mesa próxima, percebi que ele não jantaria conosco e tinha ido certamente saudar meus familiares.
- Coisa linda reunir a família assim. - Disse Mauro. - Seu pai volta quando da Itália? - Perguntou se dirigindo a Nanda.
- Na terça. - Ela respondeu sorridente.
- Não pude ir esse ano à Feira de Milão. - Lamentou o arquiteto levando a mão ao peito. Assumidamente gay, ele tinha um jeito todo espalhafatoso. - Aquilo é uma maravilha. - Ele revirou os olhos. Nós rimos. Ele ergueu a mão para a pessoa em sua mesa. - Meu jantar chegou. Foi um prazer ver vocês. - Falou se despedindo.
- Muito gente boa esse Mauro. - Meu pai falou, assim que Nanda e eu sentamos. Ele olhou sobre o ombro, conferindo a distância que o arquiteto havia tomado. - Se não fosse tão gay... - Ele continuou. Senti um incômodo com o preconceito destilado pelo meu pai. Algo que antes, certamente, passaria batido.
- Ciro! - Minha mãe o repreendeu.
- Ué Laura. - Meu pai retrucou. - Vou mentir?
- Qual o problema dele ser gay? - Minha mãe perguntou, um pouco irritada com a indelicadeza do meu pai.
- Não é isso... - Ele tentava se explicar. - É que... Não que eu tenha preconceito. - Imagina se tivesse... Eu pensei. - Mas pensa como deve ser para os pais de uma criatura dessas? - Senti meu estômago embrulhar imediatamente. Tinha medo de transparecer algo. Mas as atenções estavam voltadas para meus pais.
- Criatura? Ciro, o que deu em você hoje? - Perguntou minha mãe visivelmente incomodada. Meu pai nunca foi dos mais simpatizantes da causa LGBT, mas naquele dia em especial ele parecia sentir algo.
- Enfim. - Ele pareceu querer dar um fim ao embate. - Não é algo com o que eu deva me preocupar. - Ele virou as palmas das mãos para cima, apontando uma para mim e outra na direção de Fred. - Olha aqui, meus filhos, são normais. - Que absurdo! Eu pensei. Mais absurdo era eu só sentir essa dor ao me entender como possível semelhante da vítima do preconceito. Meu desconforto aumentou. Eu só queria que aquele assunto parasse. - Cada um com uma moça linda. -Minha mãe bufou, fazendo bico e sacudindo negativamente a cabeça.
- Aproveitando o ensejo... - Interveio Fred. Por um segundo temi o que fosse sair de sua boca. - Já que o senhor citou a nós e as meninas, pai. Gostaria de informar a vocês, minha família, que Luna e eu vamos noivar.
- Ah... meu amor. Que notícia ótima! - Exclamou minha mãe, mudando drasticamente de expressão e colocando um sorriso no rosto.
- Que coisa boa filho! - Disse meu pai. Luna também abriu um lindo sorriso.
- Pois é. - Meu irmão falou. - Mesmo já morando praticamente juntos, aproveitamos que o curso dela finalmente acabou para nos organizarmos e casar. Eu estava feliz por meu irmão e me senti aliviado de a conversa ter tomado outro rumo.
- Vamos fazer algo aqui em João Pessoa, em no máximo um mês, para oficializar. - Falou Luna, toda feliz.
- Ótimo! - Exclamou dona Laura, toda animada. - Um mês é suficiente para organizar tudo.
- Mãe, a gente não quer nada grande. - Advertiu Fred.
- Deixa comigo. - Minha mãe disse, piscando para Fred.
- Conhecendo a senhora... - Falei. Todos riram.
- Theo, meu amor. - Minha mãe se dirigiu a mim. - Davi vem ou já podemos pedir? - Ela perguntou, fazendo meu coração disparar.
- Davi? - Indagou Nanda, me encarando.
- É! - Respondeu minha mãe. Nanda a encarou. - Ele estava no quarto do Theo quando fui avisar do jantar, aí convidei ele.
Nanda franziu o cenho, tirando seu olhar de minha mãe e me encarando. Seu rosto intrigado. As coisas desandaram para mim novamente. Como se já não bastasse todo aquele embate entre minha mãe e meu pai sobre homossexualidade, agora isso. Definitivamente eu estava no pior jantar da minha vida.
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