Capítulo 23 - Perguntas
Eu encarava a imagem do lembrete que Davi me encaminhou, aberta na tela do meu celular. Ela me trazia uma série de possibilidades que eu ainda não tinha considerado. A inauguração carregava consigo um monte de cenários possíveis. Podia ser que, por exemplo... Victor me tirou do transe.
- Theo? - Não sei quantas vezes ele tinha chamado meu nome, mas o tom de sua voz entregava que não era a primeira.
- Oi! - Falei arregalando os olhos e sacudindo a cabeça, a fim de repelir os pensamentos que me abduziam. - Me distraí aqui com uma coisa do trabalho. - Disse erguendo o celular. - Daqui pra amanhã eu enlouqueço com essa inauguração.
- Se tu tiver sobrecarregado e tiver alguma coisa que tenha como me delegar... - Ele falou. - Até porque agora além de teu funcionário, sou teu amigo. Pode abusar de mim. - Ele piscou o olho de um jeito que me deixou doido. A proposta parecia ser mais ampla. Ou seria loucura de minha cabeça? Pra piorar ainda abriu um daqueles sorrisos capazes de me desorientar. Sorri de volta, suspirando e relaxando meu corpo no banco booth.
- O instinto de herói, né?! - Ele riu. - Relaxa! Tá tudo encaminhado. É só a ansiedade mesmo.
- Certeza? - Ele perguntou todo simpático.
- Tenho sim. - Falei, ainda sorrindo, hipnotizado pela presença dele.
- Tá bom. Vou acreditar. - Ele falou, exagerando propositalmente na expressão de credulidade. Eu sorri ainda mais. Em seguida seu rosto ficou brando. Ele olhou minha mão livre, que descansava sobre a mesa, então deslizou uma dele até pousá-la sobre a minha. Fazendo um discreto carinho, falou. - Mas é sério. Se precisar de qualquer coisa me chama. Tô a disposição. - Meu rosto perdeu o sorriso, sendo tomado por gratidão. Meu coração acelerou e minha boca soltou a única palavra que conseguia pronunciar naquele momento.
- Obrigado! - Eu disse, quase cochichando. O painel que chamava o número dos pedidos mudou para 346 e junto a isso foi emitido um aviso sonoro que captou nossa atenção. Victor pegou minha nota que estava à minha frente e conferiu a numeração.
- É o teu. - Ele falou. Em seguida o ritual do painel se repetiu e ele conferiu sua nota. - E agora o meu.
- Vamos lá, então. - Falei, já me arrastando pelo banco.
- Não! - Ele exclamou. Eu parei e ele saiu da mesa com mais agilidade que eu, se pondo em pé ao meu lado. - Deixa que eu pego.
- Relaxa! Não precisa. - Falei começando a me mover novamente. Ele colocou a mão em meu ombro, segurando com firmeza para me deter. Seu toque me paralisou. Senti um calor se espalhar pelo meu corpo, partindo do ponto onde ele me tocou.
- Fica aí, resolvendo as coisas... - Ele apontou para meu celular com a mão que segurava as notas. - que eu vou lá. - Eu continuava inerte, incapaz de responder. Ele se virou, falando em tom de deboche. - Não tá nada fácil ser herói. O pessoal não quer ser ajudado.
https://youtu.be/8j741TUIET0
Soltei um sorriso bobo com a piada. A música ambiente mudou. Acompanhei com o olhar ele indo até o balcão e, em seguida, colocar os dois pedidos juntos em uma só bandeja. Enquanto ele caminhava de volta à mesa, percebi algo que, decerto, por conta de toda a tensão existente em nossa noite, eu não tinha notado: a dedicação dele em encarnar o papel de motociclista.
Calça jeans escura, bota tipo coturno idem, camiseta branca lisa e uma jaqueta de couro preta por cima, mesmo não sendo uma noite tão fria. O sorriso com aquelas covinhas obscenas foram a cereja do bolo para formar a visão mais sexy de Victor que eu havia tido, pelo menos até aquele momento. E tudo parecia natural, nada forçado.
Embora houvesse toda essa volúpia, que inclusive potencializava minha insônia, o sentimento que eu nutria por ele ia bem além do puro desejo sexual. Sua presença, uma troca de olhares, um toque, um sorriso, seu cheiro, um suspiro. Tudo isso, ou qualquer uma dessas opções, eram capazes de me satisfazer, quando vinham dele.
Não via como não me apaixonar por ele. Desde que nos conhecemostudo foi tão inusitado, tão intenso, tão rápido. Jamais me senti apaixonado de forma tão arrebatadora antes. Talvez até me interessasse por alguém, subitamente. Mas jamais havia percebido o amor tão depressa. Nem acreditava que algo assim pudesse ser possível, ou real, para ser sincero.
Enquanto comíamos conversamos sobre sua paixão por motocicletas. Falei de como meu irmão também amava. Lhe contei também do meu trauma. Ele disse que se soubesse teria ido de carro. Mas concluímos que talvez ele não tivesse chegado a tempo de me salvar, então agradeci mais uma vez a ele e sua XRE 300 preta.
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Já no carro, conversávamos sobre as opções da noite em Caruaru, enquanto íamos a uma sorveteria ali perto, que ele insistiu que eu deveria conhecer. Logo, vi uma oportunidade de descobrir mais sobre ele. Formulava na minha cabeça perguntas que pudessem me trazer respostas úteis, sem que fossem tão diretas.
- Quer dizer que tu é mais da agitação. Prefere passar a noite na farra? - Perguntei depois de ele citar uma lista de lugares badalados que ainda teria que me apresentar.
- Depende. - Ele falou e parou, como se elaborasse algo mais para falar. - Quando tô sozinho... digo solteiro, caio na noite. Mas se tô comprometido sou bem mais light. Prefiro um programa mais calmo, a dois. Se bem que dessa última vez foi exatamente o contrário. - Percebi um leve desconforto na última frase. Lembrei de Sophia. Tentei descontrair.
- Quando tá solteiro vai à caça, né? - Soltei um sorriso ao fim da pergunta. Puxei o freio de mão, terminando de balizar o carro.
- Eu pareço ser galinha? - Ele perguntou. Olhei para ele que fez uma simulou uma expressão de espanto.
- Comunicativo. - Falei semicerrando os olhos.
- Ou seja, galinha! - Victor concluiu. Nós rimos. Descemos do carro e eu o contornei ao encontro dele, que continuava falando. - Sabe, Theo? Por incrível que pareça, sou mais de relacionamentos sérios. - Ele se calou por dois segundos. - Claro que quando tô solteiro aproveito um pouco. - Ele piscou o olho e me cutucou com o cotovelo. - Mas sempre na esperança de me amarrar de novo.
- É um partidão. - Falei.
- Sou sim! - Ele segurou as aberturas da jaqueta, fazendo uma pose de galã. Mais uma vez ri de suas gracinhas. - Mas acho que esse meu jeito, um tanto quanto... - Pensou um pouco. - comunicativo. - Ele levantou o indicador ao encontrar a palavra. - Faz com que tenham uma impressão errada de mim.
- Mas desde que se esteja solteiro, ser pegador não é algo errado. - Eu falei, tentando aliviar a impressão que ele percebeu que eu tinha dele. Ele me encarou e me senti um pouco intimidado. - Ou é? - Perguntei.
- Quando você quer mostrar que é o cara certo, namorável, um partidão... pode ser algo ruim. - Ele respondeu. Senti as palpitações do meu coração acelerarem. Será que aquilo que ele falava era pra mim? Uma resposta à brincadeira exagerada que fiz com a impressão que ele passava? - Duas casquinhas com uma bola de coco. - Ele interrompeu meus pensamentos, fazendo o pedido no balcão.
- Mas tu nem sabe se eu gosto de coco. - Eu disse, brincando. O atendente que já tinha se virado para buscar o sorvete retornou, me encarando. Arregalei os olhos. - Brincadeira, moço! Pode colocar. - Falei constrangido pela situação. Victor caiu na gargalhada, rindo da minha desgraça e aumentando minha vergonha. - Para! - Exclamei.
- Desculpa! - Ele murmurou, diminuindo as risadas. - Mas essa foi demais. Tentou me pegar né? O feitiço virou contra o feiticeiro.
Fomos até o caixa pagar, para poder pegar o sorvete. Vi o que eu tinha de trocado, que era uma nota de dois reais e mais algumas moedas. Não era suficiente para pagar o sorvete e a menina que recebia não tinha troco para uma nota de cinquenta.
- Cobra os dois aqui, então. - Falei.
- Não moça. - Victor interviu. - Toma aqui, pra facilitar tua vida. - Ele entregou uma nota de dez, que era o valor das duas casquinhas. A garota me encarou, eu encarei Victor. - Toma, menina! - Ele sacudiu a nota. Ela me olhou, eu assenti e ela pegou o dinheiro.
- Fico te devendo. - Falei, sendo educado.
- Nem vem com essa! - Victor replicou. - Dessa vez é por minha conta. E de qualquer modo eu já ia propor a devolução do teu dinheiro, caso não ficasse satisfeito com o produto. - Nós rimos. - Se bem que é impossível alguém não gostar. É o meu sorvete favorito.
- Se eu não gostar vou ter que mentir pra não te decepcionar, então. - Falei brincando. Ele ficou sério.
- Não! Mentir não. Odeio mentira. Melhor me decepcionar sendo sincero do que tentar me agradar com uma mentira. - Ele metralhou. Me arrependi da brincadeira.
- Foi uma brincadeira. - Eu disse, acanhado. - Pode deixar que vou ser sincero.
- Gosto assim! - Ele falou, retomando o sorrido e apertando a ponta do meu nariz, como um adulto que parabeniza uma criança. Senti meu rosto corar.
Pegamos nossos sorvetes e fomos até uma mesa vazia. Era realmente uma delícia e Victor ficou todo bobo quando eu disse que tinha que concordar com ele. Dessa vez ele que estava com o celular na mão, olhando para a tela. Ele sorria, enquanto deslizava o dedo para ver suas redes sociais, até que de repente o sorriso se desfez. Ele respirou fundo e me encarou.
- Theo... -Ele pigarrou, para melhorar a voz que saiu meio cortada, certamente por conta do gelado e doce do sorvete. - Posso te pedir um favor? - Ele perguntou meio tímido. Muito incomum para alguém confiante como ele.
- Claro! - Respondi sem nem pensar. Minha expressão também ficou séria.
- É que... - Ele iniciou, mas parou reformulando por onde começar. - Lembra da Sophia? - Perguntou.
https://youtu.be/KftuRfLlO_s
- Claro! - Retorqui. Como eu esqueceria? - Lembro sim.
- Então... - Ele falou. - É que ela estuda comigo. E eu tô devendo um favor a ela. - Parou. Respirou. - Ela tinha me pedido pra tentar conseguir um convite para a inauguração amanhã. É que tá o maior comentário lá na faculdade, sobre a inauguração da loja e...
Ele falava, mas eu parei de prestar atenção. Só via seus lábios se mexerem. Eu imaginava qual seria o favor que ele devia a Sophia, para intervir por ela. Outro fato que me intrigou foi saber que eles estudavam juntos. Fui tomado por um ciúme incontrolável. Sentia meu corpo começar a tremer, até. Puxava o ar pelo nariz, soltava lentamente pela boca. Tentando controlar aquele sentimento.
Ele não é meu! Ele é só meu amigo. Eu não posso sentir isso. Eu repetia em minha mente, tentando me conter. Eu considerava Sophia a maior ameaça a qualquer coisa que viesse a acontecer entre Victor e eu. Mas eu nem sabia se era possível que os meus desejos de tê-lo para mim pudessem ser um dia realidade. Por enquanto ele era apenas um amigo. Um excelente amigo.
- ...tiver algum problema. - Retomei a consciência a tempo de ouvi-lo concluir.
- Não! - Ele arqueou as sobrancelhas. - Não tem nenhum problema. - Esclareci o que eu quis dizer, colocando um sorriso forçado no rosto.- Na verdade a inauguração será aberta ao público.
- Certo! - Exclamou ele. - Vou avisar aqui a ela. - Seus lábios franziram.
Um toque de celular me fez parar de olhar pra ele. Tratava-se do mesmo som das minhas chamadas, mas ao olhar para o meu celular, que estava sobre a mesa com a tela pra cima, vi que não era ele que emitia a melodia. Voltei a encarar Victor, que olhava para a tela do seu aparelho com o cenho franzido. Ele deslizou um dedo e levou o telefone ao ouvido. Nossos iPhones eram iguais, mudando apenas a cor. O meu preto, o dele prata.
- Oi, Xande! - Ele falou ao atender. Ouviu um pouco. Sorriu. Relaxei. - Tô com ele sim. - Ele me olhou enquanto falava. Agora, era o meu cenho que franzia, comigo tentando entender do que se tratava. Dessa vez Victor escutou a voz do outro lado por um tempo mais prolongado. - Pode dar meu número, aí eu passo pra ele. - Mais um tempo em silêncio. - Não. Sem problemas. Obrigado, viu? Tchau.
- O que foi? - Perguntei, sem conseguir conter a curiosidade.
- Os policiais ligaram lá na farmácia. Querem falar contigo. Tu preencheu o boletim de ocorrência certinho? - Ele indagou, tentando, assim como eu, achar o motivo para o contato.
- Acho que sim. - Eu disse. Pensei um pouco. - Será que passei batido em alguma coisa?
- Não sei. - Victor falou. - Vamos esperar eles ligarem.
- Isso... - Concordei. Então lembrei de um detalhe da nossa noite e usei como desculpa para tratá-lo com maior carinho. - vamos esperar, Vitinho. - Eu disse o apelido dando tom mais grave a minha voz em tom de brincadeira, ele riu, percebendo imediatamente do que eu falava.
- Xande trabalha na farmácia desde que eu sou criança. - Ele justificou a intimidade. - Por isso me chama assim. - Eu ri. - O que foi? Tu não tinha apelido também?
- Meu nome é ruim de apelidar. - Expliquei. - No máximo um "Theozinho", como o teu.
Falar "Theozinho" em voz alta me lembrou a pessoa que mais me chamava assim: Davi. De repente minha cabeça estava tomada mais uma vez pelos pensamentos e dúvidas do sobre as possibilidades do dia seguinte. Ainda mais agora, com a presença de Sophia confirmada na inauguração.
Victor estava distraído, tentando revidar a brincadeira que fiz com seu apelido. Numa tentativa de me preparar melhor para o que pudesse acontecer na noite do dia seguinte, criei coragem, abri meu Whatsapp, fui na janela de Davi e escrevi uma pergunta. Tentei ser o mais curto e direto possível.
Theo Santos Sá: Tu vem amanhã?
Assim que recebeu a mensagem ele ficou online. O duplo check ficou azul. O status mostrou que ele estava escrevendo. Meu coração acelerou, com medo de que o meu passado invadisse o meu presente.
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