Capítulo 19 - Disparo

Depois de estacionar o carro, fui até o elevador do prédio do meu apartamento. Peguei o celular, habitualmente. Uma notificação de mensagem de Victor no Whatsapp. Abri instantaneamente. 

Victor Ferraz: Chegou em casa?

Tratei de responder.

Theo Santos Sá: Tá com saudades já? 

Victor Ferraz: Um pouco... kkkkk.

Theo Santos Sá: Tô no elevador, chegando.

Victor Ferraz: Deixa eu te dizer uma coisa, pra tu não te surpreender. kkkk. Eu esqueci minha cueca no teu apartamento.

Theo Santos Sá: Como assim? kkkk...

Fiquei surpreso com a notícia. Então o tempo todo não tinha nada em baixo daquele jeans desabotoado? Senti meu sangue correr mais forte só de imaginar.

Victor Ferraz: Só tem um jeito de se esquecer, que é não lembrar... kkkkk. Acho que tirei ela durante a noite, não lembro. Sei que quando acordei ela tava no criado mudo, molhada. Pendurei ela próximo à máquina de lavar. Na janela da área de serviço.

Theo Santos Sá: Tô chegando aqui. Já falo.

O elevador já chegava ao meu andar. Abri a porta do apartamento e fui direto para a área de serviço. Lá estava ela, a cueca branca de Victor, no chão, certamente derrubada pelo vento vindo da janela aberta. Mal acreditei que, se caso eu voltasse ao quarto na noite anterior, flagraria a cena de ter ele, o cara que estava dominando meus pensamentos, ali, nu, na minha cama. 

Eu até queria ele nu na minha cama, mas talvez essa não fosse a forma mais correta. Retornei ao Whatsapp, com a intenção de usar o fato de ele ter esquecido a cueca ao meu favor. Isso me dava margem para disparar indiretas e duplos sentidos infinitos. Ele tinha respondido minha última mensagem.

Victor Ferraz: OK!

Theo Santos Sá: Essa, né? 

Victor Ferraz: A própria! kkk... Posso passar aí mais tarde? Pra pegar ela.

Theo Santos Sá: Tava pensando aqui em ficar com ela pra mim... Tinha gostado dela e tal. kkk.

Victor Ferraz: Eu até te daria, mas é minha cueca da sorte. 

Theo Santos Sá: Sério? Então ela não funcionou muito bem ontem.  kkkkkk.

Victor Ferraz: Depende do ponto de vista.

Theo Santos Sá: Como assim?

Victor Ferraz: Ontem a gente se aproximou bastante.

Theo Santos Sá: Realmente, vendo por esse lado... kkk. Ok, eu devolvo. Mas vai ter que pagar um resgate. 

Victor Ferraz: Qual?

Theo Santos Sá: Vai ter que sair comigo pra comer alguma coisa à noite. 

Victor Ferraz: Ah... Isso não vai ser sacrifício. Fechado!

Theo Santos Sá: Na próxima vou ser mais duro. kkkk...

Victor Ferraz: Vou ter que esquecer outra cueca aí, então? kkkkkk...

Theo Santos Sá: kkkkkkkkk. Tu não vale nada. Não precisa ser necessariamente por uma cueca esquecida. Embora eu tenha medo do que tu possa fazer, depois que a intimidade chegou ao ponto de tu dormir pelado na minha cama...

Victor Ferraz: Tu ficou chateado com isso?

Theo Santos Sá: Não! Precisando minha cama tá aqui. kkkk... Sorte tua eu não ter dormido lá, porque costumo dormir pelado também. Conhece aquele ditado? Sobre o bêbado não ser dono de certas coisas... kkkkk.

Victor Ferraz: Rapaz, tu falando agora... Certeza que tu não dormiu lá? Acordei com uma dor na bunda. kkkkkkkkkkk.

Theo Santos Sá: kkkkkkkkkkkkk... Como zoar alguém que já se zoa sozinho, né?

Victor Ferraz: Descobriu meu segredo pra ser intocável. 

Theo Santos Sá: kkkkk... Então, qual a pedida de hoje o noite?

Engraçado como pelo Whatsapp as conversas conseguiam tomar um rumo mais saliente. Fiquei feliz com a troca de mensagens. As coisas começavam a ficar cada vez mais claras. A receptividade de Victor para as indiretas, assim como até umas investidas dele, me faziam achar que estava no caminho certo. Continuamos conversando até o momento em que fui me preparar para sair.

  • • • • •   

Olhei o visor do celular mais uma vez, para ver o relógio que, no momento, marcava 20:07h. Apenas dois minutos tinham se passado desde a última vez que eu havia conferido o horário. Desci para esperar cinco minutos antes da hora que tínhamos marcado. Ele estava sete minutos atrasado.

Isso não era nada, principalmente para mim que geralmente me atrasava para tudo. Mas não aquela noite. Não para me encontrar com Victor. Não, tendo a chance de ficar encarando aquele rosto lindo. Ou de arrancar um sorriso e ver brotar em suas bochechas aquelas covinhas lindas. Ele me trouxe a paciência.

Eu já estava na calçada do prédio, aguardando. Tentava ver Victor no banco do motorista de cada carro que aparecia na rua. Alguns minutos se passaram e eu abaixei a cabeça, para conferir mais uma vez a hora. De repente, antes mesmo que eu conseguisse enxergar a tela do celular, o barulho de uma moto reduzindo bruscamente me fez levantar a cabeça.

Enquanto erguia a cabeça vi o piloto levantar a camisa e puxar da cintura um revolver. Ele estava sozinho. Tentei olhar seu rosto, mas ele estava coberto por um capacete preto. Ele movia a cabeça rapidamente para os lados e depois para mim, como se procurasse alguém se aproximando. Com exceção de um ou outro carro que passava, a rua estava deserta. Apenas o porteiro do edifício talvez estivesse vendo.

- Perdeu! – Ele anunciou o assalto. – Passa o celular, carteira, o que tiver aí.

Quando eu era criança, tinha por volta de dez anos de idade, Tio Cadu, pai de Davi e irmão da minha mãe, sofreu um leve acidente de moto. Na verdade, ele estava praticamente parando a moto dele, quando um carro o acertou. Segundo falavam, o carro nem estava tão rádio também, mas meu tio acabou caindo e a moto machucou sua perna.

Cirurgias, trombose, fisioterapia. Foi um longo período de sofrimento para ele, que ainda ficou com leves sequelas permanentes. E eu assistindo àquilo tudo desenvolvi um trauma que me fez criar aversão a motos. Acabei aprendendo a pilotar, porque ao contrário de mim, meu irmão Fred sempre gostou de motos.

Ele insistiu muito para me ensinar, quando eu ia completar dezoito anos. Pois dizia que quando eu fosse tirar minha habilitação eu pegaria a classificação AB e caso ocorresse uma necessidade e só houvesse moto disponível eu poderia pilotar sem preocupação. Eu acabei cedendo à sua insistência.

Agora, diante de mim, acontecia mais um fato que me faria temer ainda mais os tais veículos motorizados sobre duas rodas. Eu estava travado, incrédulo de que aquilo estivesse ocorrendo. Olhei a mão que segurava o revolver. Ela era coberta por uma tatuagem que vinha desde os dedos, imitando os ossos que estavam por baixo daquela pele. Ver aquele revolver apontado pra mim me deixou imóvel. Era uma sensação de fraqueza e impotência. 

Embora eu sempre me preparasse para, no caso de um assalto, entregar tudo que eu tivesse sem pensar duas vezes, como, inclusive, já havia feito em dois outros assaltos que sofri, daquela vez me encontrava hesitante. Há um dia da inauguração da loja, ficar sem meu celular poderia tornar tudo um completo desastre. Minha cabeça trabalhava a mil, pensando em alguma possível forma de negociação, quando o assaltante gritou:

- Vamos, porra! Tu tá querendo morrer mermão?

Então, ele levantou a viseira de seu capacete para me encarar. Deve ter pensado que era uma forma eficiente de intimidação, como se a ameaça proferida já não fosse o suficiente. Quando fitei seus olhos, notei que eram azuis. Toda a situação de medo me fez ver minha vida inteira em milésimos de segundos. 

Aqueles olhos azuis me lembraram uma pessoa em especial: Davi. Além do mais, ele tinha uma parcela de culpa por eu estar ali, naquele momento, naquele lugar. Pois foi um dos principais motivos pelos quais eu fugi de minha "vida perfeita" em João Pessoa, procurando refúgio em outra cidade, outro estado. 

Ouvi o disparo da arma que o bandido segurava.

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