Capítulo 18 - Lembranças: Parte 09
Eu fiquei estático ali, olhando pra ele. Não acreditava que Davi estava na minha frente. Eu tinha passado boa parte do meu dia pensando nele, na influência que sua presença, ou até mesmo um mero pensamento sobre ele, andava causando sobre mim. Mas eu não esperava aquilo, tão rápido.
Eu tinha dúvidas a respeito de estar ou não preparado para aquele diálogo, mas resolvi que era melhor arrancar o curativo em uma só puxada. Com a cabeça apontei a direção do meu quarto. Ele entendeu e respondeu assentindo também em silêncio. Dessa vez fui na frente, na tentativa de que meus desejos dominassem a razão.
Era uma tarde de sábado, então, certamente, meus pais, Ciro e Laura, estavam em casa. Além disso Fred e Luna, que são meu irmão e sua noiva, estavam em João Pessoa, por conta do aniversário da minha mãe e também deviam estar por lá. Tinham ainda Cida e Ninha, as duas funcionárias que cuidavam da casa.
Por isso, quando chegamos ao quarto, fiquei na entrada aguardando que Davi entrasse e, assim que ele passou, fechei a porta na chave. Liguei minha caixa de som da Bose e dei play em uma música aleatória no meu Spotify, apenas para abafar um pouco o som de nossas vozes e prevenir contra possíveis ouvidos curiosos, ou não, que passassem pelo corredor.
https://youtu.be/gI2eO_mNM88
Eu me encostei na mesa de leitura, Davi sentou na beira da cama. Eu mantinha meu olhar distante, encarando algum ponto invisível próximo à entrada do meu closet. Não sabia se Davi me encarava ou não. Embora eu estivesse com pressa para resolver aquilo, não tinha coragem o suficiente para iniciar o diálogo. Para minha sorte ele falou.
- Então... - Ele parou e pigarrou. - Como tu tá se sentindo? - Não ajudou muito. Ele jogou para mim a responsabilidade de falar. Pensei um pouco procurando o que eu poderia dizer. Até que encontrei uma palavra.
- Estranho. - Assim que falei minha cabeça foi bombardeada com flashes da noite em questão. Relembrar aquilo, ali, com Davi do meu lado me embrulhou o estômago. Parecia algum tipo de tratamento de choque. Me arrependi de ter aceitado aquela conversa. - Mas eu pensei um pouco. Aquilo foi um erro. Melhor fingir que não aconteceu.
- Não vai funcionar! - A afirmativa saiu quase como um ultimato da boca de Davi, o que me fez o encarar. Conseguindo meu olhar, ele continuou. - Não se tu gostou. - Franzi levemente o cenho. - Tu gostou? - Me mantive calado, mas eu sabia que a resposta era sim. - Tu tem pensado no que aconteceu? - Mais uma vez silêncio, mas eu sabia que havia pensado todos os dias, em todos os momentos, depois daquela noite. - Tu sentiu vontade de repetir? - Eu queria agarrar ele ali, naquele momento.
- Deve ter um jeito... - Pensei em voz alta. - Como tu sabe que não vai funcionar? - Perguntei, confirmando as possíveis suspeitas dele, de que minhas respostas seriam positivas para todas as perguntas que ele me fez.
- Porque já passei por isso. - Seu olhar ganhou uma tristeza que me causou comoção e medo. - Por isso sei que não vai funcionar.
- Eu... - sinto muito, ia dizer. Mas parei de falar quando lembrei que tudo aquilo só tinha acontecido por culpa dele. Ele me tocou. Ele me seduziu. Ele me mostrou algo que eu não conhecia. - Por que tu fez isso comigo? - Levei minhas mão à cabeça, deslizando-as pelos meus cabelos e as pousei em minha nuca. Caminhei até a cama e sentei do lado dele, sem o encarar.
- Desculpa! - Ele falou. Eu olhava minhas mãos, que agora estavam apoiadas em minhas coxas. Davi então levantou sua mão esquerda e pousou sobre a minha mão direita. Fez um leve carinho e repetiu. - Desculpa! - Num reflexo puxei minha mão. O encarei e seu rosto tinha uma expressão de aflição. Percebi que havia sido rude.
- Não! - Falei chacoalhando a cabeça negativamente. Davi juntou as sobrancelhas, entendendo errado o que eu queria falar. - Não precisa se desculpar. - A culpa não era exclusivamente dele. Eu permiti. Dei espaço. Eu podia ter dito não, mas me calei. Quem cala consente. Ditados não são ditados à toa. Senti meus olhos arderem, meu rosto aquecer. Percebendo o que ia acontecer levei as mãos ao rosto. - Minha cabeça tá uma bagunça.
Assim que falei senti as lágrimas escorrerem de meus olhos. Elas eram quentes e molhavam meu rosto e meus dedos. Respirei fundo. Davi percebeu que eu estava chorando e passou um braço sobre meu ombro, me abraçando. Ele me puxou em sua direção e minha cabeça encontrou apoio em seu peito. Ficamos assim por alguns minutos. Eu já tinha abaixado as mão, as lágrimas já haviam cessado, quando perguntei.
- Por que tu não falou antes comigo? - Me recompus, sentando e voltando a o encarar. - Depois que aconteceu... Por que tu fingiu que nada tinha acontecido? - Os lábios dele formaram uma linha reta. Seu rosto ganhou um leve tom de embaraço.
- Eu sei que tu odeiam que te respondam com outra pergunta, mas preciso saber. - Consenti com a cabeça. - Tu nunca... - Ele parou, como se estivesse reformulando a pergunta em sua cabeça. - Antes de acontecer, tu nunca tinha sentido nada por...
- Não! - Respondi antes que ele conseguisse concluir. Ainda era algo difícil para mim ouvir aquilo em voz alta. - Nunca.
- Quando tu via um menino assim... - Ele insistiu. - ... mais bonito, gostosinho... - Essa última palavra saiu quase inaudível de sua boca.
- Nada. - Falei, o interrompendo mais uma vez. - Um ou outro até chamava mais atenção. Mas eu achava que era algum tipo de admiração. Sei lá... Vontade de querer ser daquele jeito.
- Então tu confundia desejo com inveja. - Ele falou.
- Não! - Exclamei num sobressalto, ofendido pelo que ele falou. Mas parei pra pensar rapidamente por esse ponto de vista. Realmente fazia sentido. Talvez meu desconhecimento não me permitisse entender os sinais que meu subconsciente me enviava. Abaixei a guarda, contorcendo meu rosto em dúvida. - Será? - Perguntei.
- É uma possibilidade. - Ele deu de ombros. - Eu não sei. Comigo foi diferente.
- Diferente como? - Perguntei curioso.
- Eu sempre soube. - Ele parou de me encarar e parecia olhar algo ao longe. - Eu acho. Desde que eu me lembro vejo os meninos de outra forma. - Sua voz tinha uma entoação de desabafo. Resolvi o ouvir sem interromper. - Demorei um pouco pra entender o que era. Mas quando eu tinha uns treze ou quatorze anos, lembro de uma viagem de férias que fiz com meus pais. Uma tarde eu desci sozinho pra piscina do hotel, quando eu vi um menino. Ele devia ter uns dezessete anos, fortinho, lindo... - Davi riu e me encarou rapidamente, conferindo se tinha minha atenção. - Ele começou a me encarar. Eu não sei se era coisa da minha cabeça, mas aquela situação foi me deixando tenso. Depois de uns minutos eu nem podia sair da piscina, porque meu pau tinha ficado duro.
- Sério?
O interrompi, propositalmente. O encaminhamento daquela história tava mexendo comigo. Já sentia o volume crescer dentro de minha sunga. Aproveitei a interrupção pra me afastar um pouco dele. Me encostei na cabeceira da cama e joguei um travesseiro pra ele, que se acomodou melhor, deitando de lado.
- Sério. - Ele continuou. - Ali eu tive certeza. Mas fiquei guardando. Não tinha com quem falar sobre aquilo. E acho que mesmo se tivesse eu não ia ter coragem. Aí fui levando... até hoje. Não sei como meus pais iam reagir. Então fico com meninas, mesmo sem querer... faço tudo dentro da "normalidade". - Ele fez aspas com os dedos enquanto falava a última palavra. Esse último trecho da história me deixou consternado.
- Mas tu não me respondeu. - Insisti.
- Então... Eu ia chegar lá. - Ele falou, antes de continuar sua saga. -Mesmo tendo uma noção de tudo isso, eu sempre tentei me manter o mais afastado possível dos meus desejos. E consegui. Pelo menos até dois anos atrás. - Ele ajeitou o travesseiro e depois perguntou. - Sabe o Gustavo?
- Da tua turma?
- Sim. O próprio. - Ele falou.
Eu lembrava do garoto em questão, já tinha o visto algumas vezes junto de Davi. Estudavam na mesma turma no curso de Publicidade e Propaganda. Ele tinha uma beleza normal, nada que chamasse muito atenção. Moreno, um pouco mais baixo que eu, magro, cabelo liso que estava diferente a cada vez que o via, tatuagens. Não tinha muitos detalhes em minha mente. Talvez pelo fato de eu nunca ter me aproximado dele, por conta do seu jeito meio "gay".
Meu estômago embrulhou. O mundo dá voltas. Não me achava preconceituoso antes, mas agora eu percebia o quão eu o era. Cheguei a ficar tonto. Será que eu seria visto assim se descobrissem? Eu seria ignorado? Teriam vergonha de se aproximar de mim? Me achei um nojento por ter tratado o tal Gustavo daquele jeito, mesmo que ele não tenha percebido, mesmo que meio inconscientemente, no "automático".
Me senti com medo pela hipótese, mesmo que mínima, de que eu viesse a passar por algo parecido. Minha respiração começou a ficar falha. Meu pulmão parecia menor. Já conhecia aquela sensação e por enquanto procurava minha bombinha de asma no criado mudo interrompi as palavras que Davi estava falando, sem que eu absorvesse.
- Eu não quero saber. - Falei ofegante. Achei a bombinha.
- Han? - Davi fez uma careta sem entender minha mudança de humor. Quando ele me viu tirar a bombinha da gaveta ele ficou um pouco nervoso. - O que foi Theozinho? Tu tá passando mal?
- Não! - Falei. Ele veio pra cima de mim e quando ele me tocou fiquei mais nervoso. - Sai daqui. - Empurrei sua mão e ele se afastou me encarando sem entender. Coloquei a bombinha na boca e inalei uma dose. - Sai daqui Davi. - Falei tossindo. Ele ficou em pé, seu rosto pedia piedade. - Sai! - Gritei.
- Theo?
O trinco da porta se mexeu com alguém tentando entrar. Davi e eu reconhecemos a voz feminina que vinha de trás da porta. Nos encaramos. Eu não podia ver meu rosto, mas tinha certeza de que, assim como no de Davi, era evidente o nervosismo.
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