Capítulo 17 - Ressaca
https://youtu.be/KIW_Ca8OWTo
Cheiro de queimado. Pontadas de dor em minhas têmporas. Meus olhos abriram lentamente, à minha frente um teto que não era o do meu quarto. Eu estava acordando, meio perdido. Desci a vista e luz intensa que vinha da varanda me fez semicerrar os olhos. A dor em cabeça aumentou. Olhei de lado, meu pescoço latejou. Tinha dormido em uma posição não muito confortável. Vi minha sala, então as memórias começaram a surgir em minha mente.
Mais cheiro de queimado. Girei meu corpo, me apoiando no cotovelo empurrei meu tronco e sentei no sofá. Levei as pontas dos três dedos intermediários de cada mão à têmpora do lado correspondente. Olhei para a cozinha, procurando a fonte do odor e lá estava Victor, por trás da bancada, de costas, sem camisa. Lembrei de tudo. Alguma coisa fumaçava e ele abanava como se fosse possível salvar o que quer que fosse. Pelo cheiro que me acordou não tinha jeito.
- Tá tentando tocar fogo no apartamento? - Falei. Minha voz saiu roca. Victor girou, seu rosto envergonhado.
- Não era com esse cheiro que eu queria te acordar. - Ele levantou a panela com a receita que deu errado. - Ia fazer o almoço pra te agradecer.
- Agradecer? - Perguntei levantando.
- É o mínimo que posso fazer, depois de ontem. - Ele falou. - Eu não consigo recordar muito bem de tudo que aconteceu, mas lembro do essencial.
- Esse essencial aí envolve tu querer fazer o elevador de banheiro? - Perguntei ao alcançar a bancada e me apoiar nela.
- Sério? - Ele perguntou. Suas bochechas coraram. Respondi balançando a cabeça positivamente e fazendo bico. Ele escondeu o rosto com as mãos. Olhei a panela, descobri que se tratava de macarrão o elemento tostado naquela panela.
- Tomara que tu se saia melhor na arquitetura. - Ele descobriu o rosto. Apontei o queixo na direção da panela.
- Eu fui um minuto no banheiro... - Ele tentou justificar. Nós rimos, minha cabeça quis explodir. Ergui as mãos para pressionar as têmporas mais uma vez. Victor tornou-se sério e perguntou: - O que foi?
- Ressaca! - Falei, encarando a bancada. - Tu não tá não?
- Eu vomitei, né?! - Tinha realmente um pouco de dúvida na fala dele. - Quando eu vomito acordo novo. Pronto pra outra...
- Inveja! - Soltei a têmpora direita e ergui um polegar me acusando. Nós rimos.
- Quer que eu pegue um remédio? - Ele se ofereceu. - Só dizer onde...
- Não! - Interrompi. - Ainda tô naquele pós mudança. Tá aí mais uma coisa que falta fazer: comprar remédios.
- Então eu posso ir comprar. Tem uma farmácia aqui...
- Relaxa! - Interrompi novamente.
- Porra! - Ele falou em tom de brincadeira. - Tá ganhando pra o Faustão viu? Não consigo terminar de falar nada. - Nós rimos.
- Desculpa. É mais forte que eu. - Me defendi. - Mas é que eu ia falar... Já que o almoço sofreu um pequeno acidente - Apontei a panela. - chamado Chef Victor. A gente sai pra comer alguma coisa, aí já passo na farmácia. Vou só tomar uma ducha e me trocar. - Me virei, indo em direção ao quarto. Girei o pescoço para falar com ele quando senti uma fisgada. - Ai! - Exclamei.
- Tá mauzão mesmo, né?! - Ele falou rindo.
- Rindo da desgraça alheia. - Falei, me virando mais uma vez pra ele. Continuei em tom de brincadeira: - Eu devia era ter te jogado aqui no sofá. Fui dar uma de hospitaleiro...
- Não dormiu na cama porquê? - Ele perguntou. - Cabia nós dois e ainda sobrava espaço. - A proposta dele, agora sóbrio, me causou um frio na barriga.
- Me distraí com umas coisas no Whatsapp... - Justifiquei.
- A menina lá de João Pessoa? - Ele perguntou, mais sério do que devia.
- Era de João Pessoa, mas não era ela não. - Fiz uma breve pausa. Olhei de lado, encarando o nada. - Quem dera ela fosse o único problema que eu tivesse deixado lá. - Pensei em voz alta. Quando me dei conta do que tinha falado voltei a encarar Victor. Em seu rosto uma expressão de dúvida. Soltei um sorriso amarelo e desconversei. - Enfim... Eu ia dizer que se tu quiser tomar...
- Um banho? - Ele completou, me interrompendo. O sorriso em seu rosto entregou que era um troco. - Já tomei. Assim que levantei.
- Além de me interromper, lê mentes? - Perguntei sorrindo.
- Meu jeito de me vingar. - Ele pisou o olho. Senti um arrepio na espinha. Ele estava tão lindo ali, me olhando, descalço, vestindo apenas a calça jeans. Lindo. Tão lindo. - Eu vou arrumar a bagunça que fiz aqui, enquanto tu vai lá. - Falou, interrompendo meus pensamentos.
- Certo! - Falei e me virei, indo para o meu quarto.
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Em baixo do chuveiro eu fazia movimentos ferozes de vai e vem com minha mão segurando meu pau rígido. Precisava me aliviar, para voltar a conversar com Victor livre do risco de cometer alguma bobagem. Meu corpo começou a estremecer, avisando que eu estava chegando à ejaculação. Alguns jatos na parede do box. Respiração ofegante. Me recompus e terminei o banho.
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Passamos em uma farmácia, bem próxima ao prédio. Peguei um coquetel de remédios que, segundo a promessa do farmacêutico, seriam tiro e queda para acabar com minha ressaca. Saímos de lá em direção ao shopping, para comer. No caminho eu contava a Victor as pérolas que ele tinha feito na noite anterior. Ele morria de rir, sem querer acreditar.
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Chegamos à praça de alimentação do shopping. Quando passávamos em frente ao Burger King vi uma pirâmide daquelas coroas de papelão que eles dão. Estiquei meu braço, peguei uma delas e coloquei na cabeça de Victor, de zoeira. Nós rimos. Pensei que ele tiraria logo em seguida, mas continuou andando com ela ali na cabeça, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Pegamos nosso almoço, sentamos em uma mesa e ele lá, com aquilo na cabeça. Até com uma coroa de papelão ridícula ele ficava lindo. Parecia um príncipe de verdade. Eu rezava para que não fosse tão evidente o quanto eu estava babando com aquela imagem. Cada sorriso, que fazia brotar em suas bochechas aquelas covinhas lindas me deixavam mais apaixonado. Silenciosamente eu pedia aos céus que fosse recíproco. Eu tentava de algum jeito descobrir alguma coisa.
- Nossa, tá muito gostoso isso aqui! Pena que tu não come camarão... - Interrompi o nosso diálogo sobre a noite passada, para fazer um comentário sobre o prato que eu tinha escolhido.
- Mas o meu também tá uma delícia. - Ele encheu um garfo em seu prato e o ergueu em minha direção. - Experimenta! - Meu coração acelerou com aquela cena. Abri minha boca e ele me deu a comida. Parecíamos um casal. Ele pareceu totalmente despretensioso, não estava nem aí para as pessoas ao redor. Meu coração se encheu de uma esperança que eu não conseguia controlar.
- Hummm... Delícia mesmo. - Dei um gole no suco.
- Tudo que eu escolho é gostoso! - Ele falou e piscou o olho pra mim. Senti um leve duplo sentido ali.
- Nunca espero muito desses restaurantes de shopping, mas esse me surpreendeu. - Falei, me fingindo de doido. Minha cabeça era uma confusão. Eu investia, mas qualquer sinal de interesse que ele desse, mesmo que fosse só coisa de minha cabeça, me deixava desorientado e eu mudava de assunto automaticamente.
- Mas voltando ao assunto... - Victor falou. - Até o barman? -Ele perguntava, ainda perplexo com as histórias da noite passada.
- Até ele. - Falei balançando a cabeça positivamente para reforçar a confirmação. Resolvi tentar mais uma investida. - Sabe? Eu até acreditei quando tu falou pra mim. Mas depois que até ele tu tava amando... - Nós rimos.
- Ah... Mas quem disse que pra tu não foi sincero? - Ele colocou um sorriso sereno em seu rosto. Paralisei, pra variar. Senti meu rosto aquecer, com o sangue sendo bombeado para me deixando corado. Antes que eu pensasse em algo pra falar ele continuou. - Tu é demais. Faz o quê? Nem uma semana que a gente se conheceu e aqui estamos nós, parecendo amigos de infância. Tu dá uma liberdade pra quem se aproxima. Me sinto a vontade, aqui sentado contigo, como se eu estivesse com um amigo de infância. Tu é amável.
- Nossa! - Falei, assim que consegui me mexer novamente. Parei de encará-lo, um pouco encabulado e brincava com a comida no prato. - Não tava preparado pra isso. Tu me deixou até... - Mais apaixonado, eu deveria dizer. - sem palavras.
- Ótimo! - Ele falou. Eu encarei ele, juntando as sobrancelhas. Ele prosseguiu. - Ficar sem palavras, nessas situações, é uma ótima resposta. - Eu sorri. - Mas não liga não. - Ele começou a girar uma mão acima da cabeça. - As vezes me baixa essa vibe piegas. Mas conta... Bia deve ter ficado uma onça, porque quando...
Continuamos a conversa. Duas ou três trocas de frases depois eu já estava submerso no bate papo, mais uma vez. Esquecendo o que ele tinha me falado. Terminamos nosso almoço e fomos levar as bandejas com os pratos até uma bancada sobreposta a lixeiras, para depois darmos uma volta no shopping. Eu parei e fiquei olhando pra ele, esperando que ele jogasse a coroa de papelão no lixo.
- O que foi? - Ele perguntou.
- Tu esqueceu que eu coloquei isso. - Peguei a coroa rindo e a dirigi até a boca do lixo, quando ele segurou firmemente minha mão.
- Não! - Ele falou. - Tá louco? - Com a outra mão ele pegou de volta a coroa. - Eu não esqueci nada. - Colocou ela de volta na cabeça. - Tua mãe não ensinou que é deselegante jogar fora um presente? - Arregalei meus olhos e dei uma risada. - Que é? Foi o primeiro presente que tu me deu. - Ele se virou e saiu andando e falando. - Não vou fazer a desfeita de não usar.
Ele parecia uma criança andando pelo shopping com aquele troço na cabeça. Embora eu achasse uma das coisas mais fofas que eu já tinha visto, me incomodava um pouco os olhares das pessoas. Mas ele estava cem por cento nem aí para o povo. Entramos em uma livraria, depois pegamos um sorvete e fomos para o carro.
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https://youtu.be/czghb8RB-eE
Depois de alguns minutos com ele arrancando risadas minhas, por imitar a voz da mulher do GPS, ao me guiar pelo caminho, chegamos à casa de Victor. Ficava próxima ao lugar onde ocorreu o incidente com o ônibus. Trocamos algumas palavras. Ficamos de comer uma pizza à noite. Ele já ia saindo do carro, quando fui tomado por um súbito de coragem e segurei seu antebraço. Ele parou e olhou pra mim.
- Tu conseguiu! - Falei.
- Consegui o que? - Ele perguntou curioso, com um sorriso enorme no rosto.
- Me dar a noite animada que tu prometeu. - Sorri. - Valeu, mesmo. Por tudo... Tu não tem noção da importância que teve tu aparecer assim... Eu tava bem solitário por aqui, nessa cidade. Tu me resgatou. Todas aquelas coisas bonitas que tu falou, eu que devia te dizer. Pra te agradecer por ter sido tão legal comigo. Por ter me acolhido, me oferecido essa amizade. - Ele me fitava, seu rosto tinha uma mansidão. Ele apontou para sua boca imóvel.
- Encare isso como uma ótima resposta.
Então abriu a porta e saiu. Pegou a chave de casa no bolso e antes de entrar me deu tchau. Acenei de volta e dei partida no carro. Dirigia de volta pra casa pensando nos últimos acontecimentos. Consegui deixar ele sem palavras, também. Ou ele foi pelo menos educado de me retribuir assim minha tentativa de chegar perto da declaração que ele tinha me feito. Ele não pronunciou as três palavras que eu tanto queria ouvir, mas disse que me amava nas entrelinhas.
Isso já era suficiente pra me reenergizar e deixar meu estoque de esperança lotado. Ele falou em amizade, mas eu insistia em pensar que grandes histórias de amor começavam exatamente com uma boa amizade. Eu já fazia planos em minha mente, sem saber se o sentimento que eu nutria era recíproco, ou se pelo menos Victor também se sentia atraído por homens.
Eu deveria ter me precavido melhor, mas fui pego por uma rasteira, desde aquele momento em que Victor me chamou no corredor da faculdade e cruzei meu olhar com o seu, tudo fugia do meu controle. A sensação era de que eu haviam me jogado de um avião sem paraquedas e eu só poderia contar com alguém me esperando de braços abertos no fim da queda. Era algo parecido com aquilo que eu senti num passado não tão distante.
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