Capítulo 13 - Imprevisto
- Pois é! - Victor interrompeu Sophia. - Tô bem! Um dia após o outro...
- Ah... - Ela amenizou seu sorriso, com olhar mais sério. - Que bom! Porque...
- Sophia, desculpa! - Ele a interrompeu mais uma vez. Fingi procurar meu celular no bolso pra não ter que assistir àquelas cenas constrangedoras. - É que a gente tá com fome e...
Um carro buzinou insistentemente do outro lado da rua, em frente à boate. Era um Hyundai Equus preto, com vidros idem, não dava pra enxergar nada dentro. De repente os três se entreolharam, sérios, e sem se despedir Sophia atravessou a rua em direção ao carro. Eu ainda procurava meu celular.
- Vamos embora! - Exclamou Victor já se virando.
- Espera! - Falei. Ele olhou assustado, como se eu o fosse interrogar pela cena que acabara de acontecer. Mas não era isso. - Meu celular, não estou encontrando. - Continuei. - Acho que esqueci ele no carro.
https://youtu.be/eC-F_VZ2T1c
O motorista do carro preto aumentou o som do carro, depois saiu em arrancada, cantando pneu e chamando a atenção de todo mundo na rua. Mais uma vez Victor e Bia se entreolharam, ele com cenho franzido. Consegui ver que no porta-malas um havia um adesivo com a logo marca da bote: CXC Club.
- Vou no meu carro, buscar o celular. - Falei, retomando a atenção de Victor e Bia.
- Quer que eu vá contigo? - Perguntou Victor.
- Não! - Respondi. - Eu sozinho vou e volto mais rápido. Encontro vocês na lanchonete.
Antes mesmo que eles concordassem girei meu corpo em 180º, para refazer o caminho de volta até onde estacionei o carro. Toda aquela situação de estarem escondendo algo me deixou um pouco entristecido, mesmo eu entendendo que eu tinha acabado de chegar e que alguns assuntos não eram de minha conta. Mesmo assim, a sensação de segredo era incomoda para mim que não entendia nada.
Com passos apressados, logo cheguei no carro e peguei meu celular. Na volta resolvi ir pela calçada da CXC Club, na esperança de que trocasse algumas palavras com Sophia e entendesse melhor o que aconteceu. Quando eu a avistei, junto a um segurança controlando o acesso à boate, nos encaramos, abri um sorriso e ela começava a retribuir, quando abriu de repente a boca e apertou os olhos. A expressão assustada em seu olhar pareceu ver algo errado acontecendo comigo. Quando ia tentar olhar sobre meu ombro, senti um impacto.
Alguém esbarrou em mim, me fazendo perder o equilíbrio. Recebi o peso do corpo sobre o meu, e pendi em direção a um vaso com vegetação que ficava no limite entre a boate e o bar vizinho. Quando eu me preparava para o choque com as plantas, as mãos da pessoa que esbarrou em mim me seguraram pela cintura, me colocando de volta em pé.
Seu corpo estava exageradamente colado ao meu. Mesmo ele estando por trás, percebi ser um homem. Me afastei num salto e girei o encarando. A intenção era dizer umas poucas e boas, mas a imagem à minha frente me constrangeu, levemente. Um homem moreno, bonito e elegante, com estatura aproximada à minha me encarava de volta. Seu rosto bastante expressivo demonstrava embaraço com a situação. Ele levou a mão até meu ombro.
- Desculpa. - Ao falar ele me olhou rapidamente de cima a baixo, me encarou novamente. Seu olhar era intenso. - Você se machucou?
- Não. - Respondi. Olhei pra baixo, como se procurasse algo que tivesse saído do lugar. - Tô inteiro.
- Eu sou mesmo um desastre. - Ele falou, como se pensasse em voz alta. - Estava olhando o outro lado da rua e não te vi passando.
- Entendo! - Exclamei. - Inclusive eu também sou bem estabanado. Tem chances até de o esbarrão ter sido mais culpa minha que tua. - Ele sorriu. Seu rosto ganhou um tom sensual. Eu devia estar sofrendo os sintomas do longo período seca sexual.
- Cinquenta, cinquenta? - Ele perguntou estendendo a mão, como se estivéssemos fechando um negócio.
- Cinquenta, cinquenta! - Respondi apertando sua mão.
- Percebi que estava indo em direção à entrada. - Ele apontou a porta da boate. Quando olhei vi que Sophia nos encarava, mas virou rapidamente o rosto quando nossos olhos se cruzaram. - Como pedido de desculpa, tu é meu convidado.
- Não! - Falei. - Eu... - Pensei numa desculpa. - Eu pensei ter visto uns amigos aqui na entrada. É que sou novo aqui na cidade e é a primeira vez que venho aqui na má fama. Me perdi deles e tô procurando.
- Ah! Você é de onde? - Pela voz ele parecia mesmo interessado.
- João Pessoa! Me mudei recentemente. - Respondi.
- Legal, adoro Jampa. Fui muito pra lá na minha adolescência. - Ao falar isso ele soltou um leve sorriso, como se lembrasse de algo. - Então, deixa eu te mostrar a receptividade pernambucana e me desculpar pela trombada. Vamos conhecer a boate?
- É que meus amigos... - Iniciei.
- Pode chamar eles. - Ele me interrompeu. - Estou convidando.
- Tá doido? - Falei dando uma risada. - Vai gastar uma nota por conta de uma esbarrada?! Além do mais, eu já disse que acredito que a culpa seja mais minha que tua.
- Não... - Ele falou, meneando a cabeça negativamente e riu. Não entendi porquê. - Não vou gastar nada. A boate é minha!
- Ahhh... Sua?! - Não consegui disfarçar a surpresa.
- Pois é! - Ele confirmou. Em seguida fez uma proposta. - Então, vamos fazer assim: entra comigo pra conhecer o ambiente, depois tu chama teus amigos pra cá. Deixo o nome de vocês na lista VIP. A entrada hoje é por minha conta.
Eu fiquei um pouco envergonhado de negar o convite, mas lembrei da aversão de Victor e Bia à CXC Club, certamente por conte de Sophia. Embora ele estivesse sendo tão atencioso, algo nele me incomodava. Por mais bonito e simpático que ele fosse, alguma coisa me fazia ficar com o pé atrás. Talvez fosse a altivez exagerada que sua presença causava. Não sei. Outra coisa que percebi que não sabia era o nome dele.
- Então... - Iniciei e parei para tirar a dúvida. - Como é mesmo seu nome?
- Caio. - Ele falou sorrindo. - Caio Xavier Colombi. E o seu?
- Theo. - Fiz a mesma pausa dramática que ele. Quase num tom de deboche. Então falei meu nome inteiro como ele. - Theo Santos Sá. Prazer! - Estendi a mão.
- O prazer é meu! - Ele falou, ao apertar minha mão firmemente. - E vai ser maior se você aceitar o convite.
Flerte. Era isso. Assim que ele falou, apertando minha mão daquele jeito, o tom de voz, eu percebi. Pela primeira vez eu estava flertando, livremente, com outro homem. Mesmo que inconsciente e despretensiosamente. Já tinha pensado muito em como aconteceria, mas ainda não tinha passado por isso. Porém, assim que percebi isso, de algum modo, eu me sentia preso a Victor. Talvez por isso eu estivesse com um pé atrás. Meu subconsciente percebeu antes de mim.
- Três minutos. - Falei. Ele ainda segurava minha não.
- Três minutos! - Ele repetiu.
Não queria ser deselegante com ele. Além do mais, ainda tinha poucos amigos na cidade e precisava aumentar a lista. Com a exceção de alguns detalhes, como a sensação causada pelo meu subconsciente, não via porque rejeitar ele. Resolvi entrar, dar uma olhada e em seguida ir embora. Ia ser tão rápido que Victor e Bia nem perceberiam.
Segui seus passos até a entrada. As pessoas na fila olhavam, pareciam o reconhecer. Ao cruzar com Sophia ele apontou para mim e acenou positivamente. Quando ela me encarou soltei um sorriso amarelo, retribuído por ela. Um homem com quase o dobro de sua altura me encarou, era o segurança da casa. Seu rosto era carrancudo, amedrontava. Qualquer um pensaria duas vezes antes de fazer algo errado ali.
- Ah... Milton! - Caio falou, assim que pisamos no hall de entrada, parando e dando meia volta.
Descobri que ele estava falando com o segurança. Mesmo Caio sendo alto, Milton teve que inclinar sua cabeça para conseguir ouvir o que seu patrão lhe falou ao pé do ouvido. Ele me encarou novamente, senti um arrepio. Em seguida passamos pelos caixas, mais dois seguranças e estávamos no primeiro ambiente.
https://youtu.be/gCYcHz2k5x0
A música estava alta. O espaço lá dentro era maior do que eu imaginava. Já estava bem cheio. Caio andava, me mostrando tudo. No térreo um bar, banheiros e a pista de dança. Plataformas iluminadas paralelas cruzavam o teto, descendo atrás do DJ que tocava num palco elevado, ao fundo do ambiente. Em cima do bar retângulos de espelho e vazados, sem nenhuma ordem específica. Caio pegou minha mão, me guiando até uma escada.
No primeiro piso um espaço aberto, com fumódromo. O cheiro indicava que os fumantes eram muitos. Outro bar, sofás, pufes. A música era mais calma, tornando o espaço bem agradável. A CXC Club superou minhas expectativas. Caio falava sobre tudo, eu dava total atenção, retribuindo a simpatia. Ele me levou de volta à escada, parando num patamar intermediário, onde haviam dois seguranças. Eu não tinha os notado quando subi. Um passo do patrão na direção deles foi o suficiente para eles abrirem espaço.
Ao entrar me deparei com um corredor cheio de portas. Passamos por duas fechadas e entramos na terceira que estava aberta. Era um camarote. De lá víamos a pista de dança. Ele me mostrou que o espaço podia ficar mais privado, puxando um vidro espelhado. Entendi os retângulos em cima do bar, eram as janelas dos camarotes. Em seguida apresentou o sistema de controle do som. Abaixou o volume.
- Agora podemos conversar melhor. - Ele falou, dando um passo em minha direção. - E aí, gostou?
- Demais! - Fui sincero. - Os ambientes são bonitos. Tudo de muito bom gosto.
- Que bom! - Ele abriu um sorriso. Mais um passo. - Mas me diz. O que te fez trocar Jampa por Caruaru?
- Então... - Pensei como podia resumir. - Vou cuidar da filial de uma das lojas do meu pai. Móveis planejados.
- Santos Sá... - Ele falou. Parecia pensar em voz alta. - Quando tu falou teu nome achei algo familiar.
- Você conhece? - Perguntei surpreso.
- Vocês investiram bem em propaganda. - Ele explicou. Mais um passo.
- Ah... - Falei me virando de lado para olhar a pista de dança lá em baixo. - Inclusive achei uma semelhança entre a logomarca da CXC Club e da Santos Sá. A alusão ao símbolo do infinito. - Dei dois passos, me distanciando um pouco dele.
- Talvez tenhamos mais coisas em comum. - Ele falou. Meu coração acelerou com as suspeitas que cresciam dentro de mim. Voltei a encará-lo e um sorriso malicioso brotou em seu rosto.
- A inauguração será semana que vem. - Tentei acabar com o silêncio, mudando de assunto. - Sinta-se convidado a aparecer lá.
- Obrigado pelo convite.
Ele agradeceu dando dois passos em minha direção. Agora eu estava sem escapatória, preso entre ele e a janela. Confirmei minhas suspeitas: ele estava querendo algo mais comigo. Me arrependi de ter aceitado o convite para ir até ali. Ele se aproximou mais. Eu estava tenso. Paralisado. Vi seu rosto se aproximar. Olhos fechando.
Por mais que eu tivesse pensado nesse tipo de situação, parecia não estar preparado. Senti sua respiração bater em meu rosto. Seus lábios tocaram os meus. Eu nem fechei os olhos. Quando senti o movimento do corpo dele erguendo as mãos para me prender em um abraço, consegui reagir. Me abaixei passando ao lado de seu corpo e em um segundo estava atrás dele.
- Então, Caio... - Comecei a falar, andando de costas. Ele se virou, em seu rosto surpresa. - Meus amigos devem estar preocupados. - Esbarrei na porta fechada. - Eu tenho que ir.
Me virei sem deixar ele falar nada, abri a porta rapidamente e a fechei atrás de mim, assim que passei. Corri para sair daquela boate. Não me senti bem com aquela situação. Parecia estar traindo alguém. Ou talvez, de fato, não estivesse pronto para paquerar um homem, tão diretamente. Não entendia bem. Só sabia que algo estava errado.
• • • • •
Eu voltava ao portão de acesso da boate, apressado. Do hall de entrada, onde ficavam os caixas, vi Victor alterado na porta. Parei, num susto, tentando entender o que estava acontecendo. Embora o som da música atrás de mim ainda fosse alto, consegui ouvir o fim de uma frase que Victor praticamente gritava:
- ... sendo uns ridículos! Sabem, mais do que ninguém, que tenho 19 anos. Meu aniversário foi nessa droga de boate. E eu nunca precisei de documento para entrar aqui.
- Victor... - Bia chamou, por trás dele. Ele ignorou. Dei mais um passo.
- Ordens são ordens. - Falou Milton. Sua voz grave condizia com a primeira impressão que tive dele.
- Victor! - Falou Sophia, que estava ao lado do segurança. Ele a encarou. O olhar dela pedia para que ele se acalmasse. Então ela tentou falar. - Se eu soubesse que...
- Ah... Quer saber? - Victor disse, a interrompendo. Voltou a encarar Milton. - Quero ver vocês me impedirem...
Ele deu um passo. Milton segurou seu braço direito, impedindo que ele continuasse. Victor fechou a mão do braço livre com força. Em seu rosto vi ódio. Instintivamente gritei:
- Victor!
Ele me olhou. A respiração dele estava ofegante. Dei alguns passos, me aproximando. Seu rosto mudou de expressão. Mesmo com o cenho ainda franzido, notei certo alívio em seu olhar. Aquela expressão no olhar eu já tinha visto antes, em outra pessoa. Quando finalmente respondi Davi, depois de deixá-lo por um tempo falando só.
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