Capítulo 11 - Encontro

Na faculdade, às 22:00h. Esse era o combinado. Olhei o relógio, que marcava 20:30h. Eu tinha cerca de uma hora e meia para estar no lugar e horário combinados. Embora Bia também fosse sair conosco, a ansiedade era a mesma que eu sentia nos meus primeiros encontros. E faziam anos que eu não tinha primeiros encontros. Perdi a prática. 

Mesmo considerando que seria um encontro de amigos para mim era algo complicado, pois não sou muito bom com novas relações de amizade. A maioria das minhas amizades eu comecei no colégio e faculdade, onde o convívio é praticamente forçado. As demais vieram por intermédio dessas.

Agora, minha realidade era outra. Eu tinha escolhido mudar de cidade e isso incluía fazer mudanças dentro de mim também. Fiz a barba, tomei banho e fui escolher a roupa. Calça jeans com lavado claro e pequenos rasgões, camiseta branca lisa e sapato branco da Adidas. Uma combinação de algumas de minhas peças casuais preferidas. Voltei ao espelho do banheiro para ajeita meu cabelo.

Quando terminei de arrumar meu cabelo notei que a minha fina corrente de ouro, segurando um pingente de mesmo material estava por fora da camisa. Segurei o pingente em minha mão, o olhando pelo reflexo no espelho. Por um momento senti saudade de minha família. Eu jamais tirava aquela corrente, pois ela representava muito para mim.

O pingente com dois "S" entrelaçados formavam uma figura que parecia dois símbolos do infinito unidos. É a logo da empresa do meu pai, a Santos Sá planejados, mas tem um significado muito maior, principalmente para nossa família. Significa união, conexão e eternidade. Meus pais sempre usaram um pingente daquele, desde que eu tinha lembrança. Eu e meu irmão ganhamos os nossos ao completarmos 18 anos.

Agitei levemente a cabeça, retornando do momento nostálgico.  Coloquei a corrente por dentro da camisa, fui até o quarto, peguei um relógio, minha carteira, meu celular, a chave do carro e meu perfume favorito. Conferi a hora e ainda tinha 20 minutos até o horário combinado, tempo o suficiente. Fechei o apartamento e chamei o elevador para descer até a garagem.

• • • • •

Dentro do carro, parado no estacionamento do shopping em frente à faculdade, eu tentava contato com Victor pelo Whatsapp, mas as mensagens só marcavam um check, indicando que ele não as estava recebendo. O volume de pessoas saindo aumentava a cada minuto, chegando ao ponto de achar que não conseguiria o identificar na multidão. Ledo engano.

 Assim que ele dobrou a mureta  de saída da faculdade eu o vi. Algumas pessoas vinham com ele, mas não vi Bia. Buzinei e pisquei o farol, ele olhou, arqueou as sobrancelhas, surpreso e acenou. Já havia me acostumado com a reação que minha Range Rover Evoque causava. O carro por si só é bem imponente, mas meu pai fez questão de me dar uma dourada. Com certeza uma tentativa descarada de destruir meu jeito discreto.

Enquanto ele se despedia dos amigos, antes de vir até o carro, eu preparava uma música, para colocar quando fossemos sair. Victor parecia popular, o que não me surpreendia, pois com aquela sua simpatia natural não poderia ser diferente. Ele caminhava, já sozinho, no sentido de onde eu estava, quando parou de repente, olhou em minha direção por dois segundos, passeou seu olhar, agora sério, pelo carro. Pensei que ele ainda não havia absorvido o impacto. Isso me deixava tímido. 

Victor levou uma de suas mãos aos olhos, inclinando a cabeça. Achei que ele tivesse esquecido algo. Então ele ergueu novamente seu olhar e me encarando sacudiu negativamente cabeça. Eu não entendi o que estava acontecendo e o sorriso que brotou simultaneamente em seus lábios piorou tudo. Fiquei hipnotizado. Que sorriso. Acho que jamais me acostumaria com tanta beleza. Atordoado, mal percebi ele chegar no carro. Quando ele entrou e sentou no banco do carona, ainda rindo, perguntei:

- O que foi? - Olhei meu corpo. - Tô engraçado?

- Não! - Ele respondeu. E riu. - Não... Não! - Ele ria mais a cada tentativa de falar. Apoiou seu cotovelo direito na coxa, escondeu seus olhos em sua mão. - Eu não acredito. 

- O que foi? - Eu agora ria com ele, mesmo sem ter a mínima noção do que estava acontecendo. Ele me encarou, conseguindo controlar o riso. O encorajei. - Fala!  

- Desculpa. - Soutou um riso rápido e se concentrou novamente. - Desculpa! Por favor.

- Mas desculpa pelo quê? - Eu ainda estava perdido. Então insisti. - O que foi?

- Era tu! - Ele passeou o olhar rapidamente pelo carro. - Era tu o motorista que cortou o ônibus. - Ele então levou a mão aos olhos mais uma vez sacudindo a cabeça incrédulo. Quando me dei conta do que se tratava imitei esses movimentos. - Esse carro, nunca vi um dessa cor por aqui. Só pode ser tu. - Ele ainda escondia os olhos com seus dedos. - E eu te xinguei, várias vezes. - Ele voltou a rir. - Inclusive te xinguei pra tu mesmo.

- Então... - Nós riamos. - Eu tava pensando em uma maneira de te contar. 

- Que vergonha. - Ele falou.

- Imagina como eu fiquei quando tu me falou que quase não entregou tua ficha por conta do motorista louco. - Falei meio envergonhado. 

- Verdade! - Ele mudou sua expressão para uma de acusação exagerada, quase cômica. - Acho que você, senhor Theo, me deve desculpas pelo incidente. - Ele cruzou os braços com uma cara séria que não segurou por muito tempo, logo estava rindo novamente.

- Desculpa! - Falei tentando fazer uma cara de cachorro pidão. 

- Você tem sorte... - Ele iniciou. - que te alcancei e consegui a vaga. Porque se tivesse dado errado e eu cruzasse por aqui com tua carruagem ela ia ganhar uma arte abstrata na lataria. - Inquieto ele falava passeando seus olhos pra todos os lados. Ele fixou seu olhar na rampa de saída da faculdade. - Até que enfim. 

Olhei para ver do que se tratava. Bia finalmente tinha aparecido. Por alguns instantes tinha me enchido de esperanças que seriamos só eu e ele, mas não. Ela procurava o carro, repeti a tática para que ela me encontrasse. Mais olhares de surpresa ao ver o carro. Ela deu passos apressados até o carro e entrou no banco de trás. Antes mesmo que ela fechasse a porta Victor foi falando.

- Porra Bia! O combinado era um retoque, não passar reboco, argamassa e pintura. - Entendi as referências à arquitetura. - Pensei que tinha descido pelo ralo do banheiro.

- Victor! - Bia exclamou, em tom de repreensão. Ele encarou ela, me encarou e voltou a encarar Bia.

- Relaxa! Ele é super de boa. - Victor falou. Então me encarou novamente. - Ela tá nervosa de sair com o patrão. Mas eu disse a ela...

- Victor! - Ela o repreendeu mais uma vez. Sua voz demonstrava timidez.

- Eu não tô falando?! Relaxa! - Victor insistiu. - Ele é muito gente boa. E tu não vai acreditar. Lembra a história do ônibus? Então, descobri quem era o motorista... - Victor contou a história do que tinha acabado de descobrir. Bia ria muito. Começamos a conversar. Dei partida no carro e play na música.

https://youtu.be/su0C_EdEWNU

Apenas quinze minutos depois de pegar eles já conversávamos com bastante descontração. Bia estava mais a vontade e descobri o quão engraçada ela era. Soltava charadas para as pessoas que iam passando ao lado do carro, na saída da faculdade. Victor dava corda e eu ria descontroladamente. Pegamos uma avenida em direção ao centro da cidade. Victor aumentou o som, cantava, falava alto, ria. As covinhas que apareciam em suas bochechas me desconcentravam a ponto de eu causar um acidente. Por isso, tentava olhar pra ele o mínimo possível.

Victor foi me guiando até a "rua da má fama", que segundo eles era um dos pontos de maior movimento na vida noturna de Caruaru. Lá encontraríamos vários barzinhos, pub's, baladas, publico jovem e diversificado. O nome da rua era bem sugestivo e Bia, que já estava bem mais solta, expilcou que foi um apedido dado no passado, por conta do frequente público alternativo e "fora dos padrões" da sociedade à época. Com o passar do tempo o espaço se tornou bastante popular, recebendo pessoas de todas as tribos.

Estacionei o carro numa avenida onde há uma antiga linha de trem, perpendicular à rua que estávamos indo. Descemos do carro e fomos dar um "giro", como falou Victor, pelas calçadas da má fama. Ele e Bia cumprimentavam algumas pessoas, me apresentando como seu amigo. Eu estava super a vontade, Victor e Bia pareciam amigos de longa data. Deu pra perceber como a rua era alternativa. Diversidade é a palavra.

- Aqui! - Exclamou Victor, que vinha andando entre eu e Bia. Ele segurou nossos braços para que parássemos, em seguida, apontou para o outro lado da rua. - Vamos começar por aqui. - Pela fachada e nome se tratava de um bar mexicano. - Tequila!

Ele saiu nos puxando, sem nem olhar para os lados. Uma moto quase nos acertou. Depois do susto rimos e atravessamos a rua até o bar. Entramos. O ambiente era bem agradável, com decoração cheia de elementos típicos mexicanos, iluminação quente. Fomos direto ao bar e pedimos três tequilas. "Arriba, abajo, al centro y adentro!", falamos fazendo os movimentos tradicionais antes de beber cada um sua dose. 

Ficamos naquele bar por mais alguns minutos, Victor contando uma história de quando ficou bêbado com tequila. Eu poderia ouvir todas as histórias que ele tinha para contar. Aqueles sorrisos, a voz levemente rouca, as covinhas, ah as covinhas... Nunca fui forte para bebida e apenas aquela dose já era capaz de me deixar solto. Eu o olhava com admiração e desejo. Se ele ainda estivesse sóbrio notaria. Bia pediu a conta, quando o bartender entregou eles iam pegar dinheiro.

- Não! - Falei, tomando o papel da mão de Victor. - Essa é por minha conta.

- Nem pensar... - E iniciou. - 

- Não! - Interrompi. - A primeira rodada por minha conta. - Coloquei um sorriso no rosto e completei.-  Pela receptividade. 

- Tá! - Victor falou e encarou rapidamente Bia. - Mas só essa. Pela receptividade.

Paguei a conta e saímos mais uma vez andando pela rua. Alguns poucos metros de caminhada depois, notei um estabelecimento mais à frente, dou outro lado da rua, que estava bem movimentado. Tinha até fila pra entrar.

- Ali deve ser bem legal. 

Falei apontando. Victor e Bia se entreolharam instantaneamente, assim que viram para onde eu apontava. Percebi um certo desconforto no rápido olhar que trocaram. 

- Nem tanto... - Bia falou gaguejando de leve. Olhou novamente pra Victor, como se pedisse ajuda.

- É! - Ele balançava a cabeça tetando ressaltar a confirmação. Então me olhou. - Muito cheio! - O modo como ele falou deixou claro que era uma justificativa que ele acabava de inventar. Parecia até que ele dizia "tive uma ideia". - Não é tão legal. - Ele olhou novamente pra Bia, entregando a ela a responsabilidade de tentar me convencer.

- Pois é! - Bia falou, ainda olhando pra ele. Então me olhou. - Não é tão legal. - Ela repetiu, sem argumentos.

- Gente! - Eu falei, soltando um leve riso, pela situação. - Se não querem ir é só dizer. - Eles se entreolharam e riram. - Vocês são péssimos mentirosos. - Nós três rimos da situação. Senti a tequila começar a fazer efeito. Lembrei que eu ainda não tinha comido nada aquela noite. - Vamos procurar algo pra comer, se não fico bêbado rápido.

- E quem disse que isso é ruim? - Perguntou Victor, descontraindo. Mais uma vez rimos.

- Ali na frente tem um sanduíche ótimo. - Indicou Bia.

Por dentro estava me corroendo de curiosidade pra saber o motivo da aversão deles àquela boate, mas ia me intrometer. Quando e se eles ficassem à vontade contariam, se quisessem. Continuamos nossa caminhada em direção à lanchonete na calçada oposta, até que  chegamos em frente à tal boate. Eu observava a logo dela, que assim como a da Santos Sá fazia alusão ao símbolo do infinito, quando uma voz feminina gritou.

- Victor! 

A rua é estreita e o barulho não era suficiente para abafar a voz da garota, então o grito foi bem audível. Eu olhei, instintivamente e também movido pela curiosidade. Parecia ser a hostess da boate em questão. Vendo que olhei, ela apontou pra Victor, pedindo que o chamasse. Embora soubesse que ele tinha ouvido, obedeci o pedido da desconhecida.

- Victor, aquela menina tá te chamando. - Falei.

- Ai meu Deus. - Ele falou baixinho, antes mesmo de se virar.

Eu ouvi o que ele falou e pensei se tinha sido uma boa ideia ter olhado. Certamente aquela menina era o motivo pelo qual ele não queria ir até lá, mesmo que fosse o lugar mais animado daquela rua. Ela atravessava apressadamente em nossa direção. Victor encarou Bia, percebi tensão nos olhares. Em seguida colocou um sorriso amarelo no rosto, olhando para a garota que agora estava bem próxima e a cumprimentou.

- Oi, Sophia!

- Oi, Victor. - Quando falou, Sophia já estava na mesma calçada que nós. Em seguida olhou pra Bia. - Oi, Bia! - Claro que ela conhecia Bia também. Então me encarou - Oi...

- Theo! - Me apresentei estendendo minha mão. Ela apertou. Sua mão estava gelada e seu toque era delicado. - Prazer. 

- Sophia. - Ela se apresentou. - O prazer é meu. - Ela abriu um sorriso bonito. Seu rosto era belo, mas a maquiagem era um pouco pesada, mas comum para quem trabalha na noite. - Obrigado por chamar Victor. Ele é meio desatento mesmo.

- Por nada! - Falei, imaginando porque uma menina tão simpática causaria aquela leve repulsão em Victor. Ela voltou a encarar ele.

- Então Victor, como você está? A gente não se viu desde que...

- Pois é! [...]

Victor a interrompeu. Seu tom de voz demonstrava nervosismo. Foi então que eu enxerguei uma possibilidade ali. Como não notei isso antes? Certamente era o motivo dos olhares. Lembrei da mensagem em que ele me disse que terminara recentemente o namoro, ficando solteiro, alguns dias atrás. Pela tensão no ar, ela devia ser sua ex. E eu tinha acabado de fazer um favor a ela: aproximá-los.

Aquela situação me fez lembrar a primeira vez que encarei Nanda, depois do fim de nosso relacionamento. Assim como a jornada que nos levou ao término. 

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