Capítulo 1 - Mudança (Revisado)
Um mês inteiro. Nunca pensei que minha mudança fosse levar tanto tempo, até porque eu havia levado poucas coisas, além das roupas. Desde o dia em que peguei as chaves do apartamento que aluguei na cidade para qual me mudara, foram exatos trinta dias, até eu finalmente conseguir colocar todas minhas coisas lá dentro. A burocracia na mudança de cidade acabou consumindo muito tempo. Transferência das agências bancárias nas quais tinha conta, pequenas reformas e concertos no apartamento, viagem dos meus pertences da cidade antiga, instalação de móveis e eletrodomésticos novos. Consumiu mais dinheiro do que eu queria, também.
Porém, nada disso conseguia me deixar triste ou cansado. Minha mudança significava a expansão dos negócios da família, o que era algo muito bom. Se tratando do início de 2017, com o Brasil todo em crise, ir nessa contramão era um privilégio. Foram vinte e sete anos de trabalho do meu pai, desde quando ele abriu a primeira loja de móveis planejados na cidade de João Pessoa - PB, até aquele momento, em que a marca chegava a seis lojas, divididas, agora, em três estados. Meu pai estava me confiando administrar a nova filial no estado vizinho. Dessa vez a Santos Sá Planejados abriria as portas na cidade de Caruaru-PE, sob meu comando.
Eu, com apenas 22 anos de idade, recebia uma responsabilidade imensa. Acabara de sair da faculdade de administração, mas estava com todo gás para encarar esse desafio. Bernardo, meu irmão, também teve essa chance, três anos antes, quando tinha a mesma idade que eu, conseguindo alcançar grande sucesso com a filial de Natal-RN. Isso me inspirava. Eu tinha apenas mais uma semana para a inauguração, precisava resolver algumas coisas.
Entrei no banheiro para tomar um banho, já atrasado. Precisava ir até uma faculdade, onde tinha deixado uns formulários para inscrição de estagiários do curso de arquitetura e urbanismo. Saí do banho e me troquei voando. No trânsito saí cortando todo mundo, até que um ônibus que mudava de faixa, quando eu tentava o ultrapassar, me trancou. Freei, fazendo os pneus cantarem e buzinei. Quando o motorista me notou, jogou o carro de volta para a faixa dele, perdeu o controle e eu entrei na lateral novamente. Consegui passar. Ao olhar pelo retrovisor, vi que ele tinha subido na calçada. O trânsito e o atraso não me permitiram parar. Mas não pareceu nada grave.
Mesmo correndo, ainda cheguei com 30 minutos de atraso. Estava um pouco nervoso pelo que havia acabado de ocorrer, mas tive que esperar um pouco mais pela coordenadora do curso, foi tempo o suficiente para que eu me acalmasse. Fiquei ali sentado no corredor, admirando o vai e vem das pessoas. Ainda não havia tido tempo o suficiente para que eu sentisse falta daquele corre-corre da faculdade. Aguardei uns 10 minutos, até que fui chamado.
Andreza, a coordenadora, aparentava ter uns 45 anos, com uma espiritualidade e um sorriso na cara que a deixava com um ar mais jovial. Simpática, como da primeira vez que me atendeu, agradeceu pela oportunidade que a empresa estava dando aos alunos, pois as vagas de estágio não apareciam tão facilmente na cidade. Conversamos por um tempo breve e ela me entregou os formulários que haviam sido preenchidos. Doze inscritos para duas vagas, eu ia ter que entrevistar todos eles no dia seguinte para poder agilizar a parte burocrática e conseguir estar com eles trabalhando já na inauguração. Me despedi e saí de sua sala.
Eu caminhava de volta à saída da faculdade, planejando ir comer algo no shopping que fica ao lado dela, onde eu também havia deixado meu carro estacionado. Já eram quase 20:00 horas e eu só tinha almoçado. Estava tudo realmente muito corrido. Me aproximava do elevador, quando ouvi uma voz masculina gritando meu nome:
— Theo! Theo!
Parei por um segundo, mas pensei que não deveria ser comigo, já que ninguém ali me conhecia.
— Theo, espera! Theo! — Continuou insistindo.
Por curiosidade virei para olhar.
— Theo, você é Theo, não é isso? — Indagou o rapaz, parando de correr, ao se aproximar o suficiente de mim.
Ele estava um pouco ofegante. Quando olhei para o seu rosto senti um impacto. Ele era lindo. Não fazia ideia de quem era, de onde me conhecia, ou o que queria comigo, mas era um garoto extremamente bonito. Tentei repreender esses pensamentos. Eu não queria pensar aquilo, não por um homem. Mas a presença daquele rapaz me atordoou. Mil lembranças recentes tentaram invadir minha mente, mas ele voltou a falar, tomando minha atenção.
— Oi?! — Exclamou, diante do meu silêncio constrangedor.
— Sim, eu sou Theo! — Respondi, balançando de leve a cabeça para recobrar meus sentidos, enquanto esforçava minha memória, não muito boa, para lembrar de onde podia conhecer aquele garoto. — Desculpa, mas eu não estou lembran...
— Você não me conhece, relaxa! — Falou, me interrompendo.
Parecia um pouco nervoso, desajeitado. Então, ele fechou os olhos por um segundo e deu uma rápida inspirada. Pronto, estava recomposto. Em seguida, colocou um sorriso no rosto, como se fosse falar algo engraçado. Aquele sorriso. Não admirar a beleza do rapaz seria mil vezes mais fácil sem aquele sorriso que tinha dado ainda mais charme a ele. Algo que eu nem sabia que era possível. Eu admirava o surgir das covinhas em suas bochechas, quando ele enfim me tirou do transe, ao falar:
— Ou, pelo menos, não me conhecia até agora. Sou Victor, prazer! — Se apresentou, me estendendo a mão direita, ainda com o sorriso no rosto, por conta da piada que acabara de fazer.
Também sorri. E nem foi por conta da piada. É que meu corpo precisava sorrir. Ao mesmo tempo, automaticamente, respondi o gesto dele, apertando sua mão estendida. Antes não tivesse feito isso. assim que encostei nele senti como se uma corrente elétrica passasse por mim, foi uma sensação estranha. Puxei rápido minha mão, ele percebeu algo, deu uma leve franzida no cenho, mas, novamente, se recompôs rápido.
— O prazer é meu, Victor. Em que posso te ajudar? — Perguntei.
Ele me encarou, eu dei uma desviada no olhar, as sensações que ele me causava eram desconcertantes.
— Desculpa te abordar assim, mas é que fui entregar o formulário... — Ele mostrou um envelope que segurava, que só então vim notar. — E a professora Andreza falou que você tinha acabado de sair. Ela disse que você estava usando uma camisa vermelha e que eu talvez conseguisse te alcançar pra entregar. Você ainda pode aceitar?
— Sem problemas! — Respondi.
Tentei colocar um sorriso natural no rosto, não sei se fui bem-sucedido. Peguei o envelope, com cuidado para não encostar em Victor novamente. Então, falei algo numa tentativa de descontrair.
— Eu também acabei me atrasando pra chegar. Então, tá tudo certo.
— Mas, em minha defesa, eu não costumo me atrasar! — Exclamou, um pouco exaltado, tentando se justificar. — É que o motorista do ônibus em que eu vinha teve que desviar de um louco que estava cortando todo mundo no trânsito, pensando que era o dono do mundo só porque estava em um carrão.
Senti meu rosto corar instantaneamente, lembrando do ocorrido minutos antes. Com certeza ele estava naquele ônibus.
— Nossa, sinto muito. — Falei, com a voz falhando de nervoso. — Alguém se machucou? — Perguntei, realmente preocupado.
— Não, não! — Respondeu. — Por sorte foi só o susto mesmo. Ainda bem!
— Ainda bem! — Repeti, com um alívio também real.
Olhei mais um pouco para ele, percebi que isso era algo que eu poderia fazer por horas seguidas. Meu racional me fez voltar a mim e falar algo para tentar encurtar a presença dele ali.
— Então, tenho que ir. Para variar estou atrasado. — Levantei os envelopes que segurava. — Nos vemos amanhã?!
— Nos vemos amanhã! — Ele repetiu, se virou e foi embora.
Senti um misto de alívio e tristeza, vendo ele sumir ao virar no corredor. Desisti do elevador, que a essa altura já havia chegado e partido mais uma vez. Então, fui pelas escadas. Até porque minha fome passou, depois do que acabara de acontecer. Logo, não tinha motivos para ter pressa.
Enquanto subia os degraus, tentava pensar em outras coisas, mas o garoto que eu tinha acabado de conhecer não saia da minha cabeça. Eu não queria sentir aquilo, mas fui tomando por uma felicidade enorme, só por lembrar que voltaria a ver Victor, no dia seguinte, na entrevista. E talvez seguisse vendo todos os dias, caso ele conseguisse a vaga de estágio.
Era um pensamento que eu tentava evitar, mas não conseguia controlar. Era algo novo para mim e eu me culpava por isso. Mas eu não carregava essa culpa sozinho. Porque passei a ter esses sentimentos diferentes por outros homens por conta do que o meu primo, Davi, fez pouco tempo atrás. E esse acontecimento com Victor me fez lembrar de tudo que havia acontecido no meu passado.
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