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† CAPÍTULO III †
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18 DE AGOSTO DE 1999
MINHA INTERPRETAÇÃO ESTÁ longe de ser grandiosa, entretanto, quando o corvo terminou de moldar aquelas palavras no cemitério, eu tomei como eu tinha o mesmo efeito nele. Eu fazia todas suas defesas caírem, por esta razão, era inevitável para ele seguir ignorando a sede do espírito, e eu já havia sentido como era inútil lutar contra isso. Já éramos insanos o suficiente para portar aquilo, e cansar lutando contra, era pior.
Quatro meses já se passaram desde que ele me levou para o cemitério, desenterrando nossa curiosidade sobre o outro, dando partida a mais encontros secretos, permitindo que as únicas testemunhas dos nossos atos fora da risca fossem os mortos morando debaixo de nossos pés ㅡ conseguir por fim a visão do corvo sobre mim, e únicamente em mim ㅡ, porém, não costumávamos andar juntos pelo campus. Apenas trocamos olhares sucintos, nos lugares que era possível nos encontrar e não passava disso.
Por mais que eu gostasse de nossos encontros em vários lugares do internato, eu tive a coragem de o convidar para o meu quarto, para fazermos as atividades juntos. Ele se limitou a dizer que iria, sem mudar a expressão, e fiquei com medo dele despreciar a ideia. No entanto, no horário combinado, ele apareceu com os fios molhados e os materiais.
Dei passagem, fechando a porta uma vez que ele estava dentro, e fiquei com as costas apoiadas na porta até o garoto decidir qual lugar iria ficar. No fim, ele escolheu a mesa. A mesma mesa que eu impliquei com ele no nosso primeiro contato.
Achando-me um idiota, eu caminhei até ele, predendo meus dedos na beirada da mesa, incliando-me para vê-lo responder a atividade que eu demorei longos minutos para fazer com exímio.
ㅡ Como consegue entender tão bem o que o professor pediu?
ㅡ Eu simplesmente me aprofundo no que o professor disse, e quando eu acho que cheguei no fim, eu posso ir mais fundo.
ㅡ Assim como a vida ㅡ comparei após entender o que ele quis dizer.
Ele assentiu, soprando uma risada, sem retirar completamente a visão do papel amarelo, fazendo quase me arrepender de ter o convidado para meu quarto afim de fazer a atividade, quando poderíamos conversar sobre nossos conceitos, ou um de seus livros de anatomia e de ultra-romantismo.
ㅡ Sempre percebi seus olhares. Percebo-os desde o primeiro momento que entrei no internato. ㅡ Ele confessa repentinamente. Senti meu rosto esquentar com ela. ㅡ Em todos os lugares. Poderia ser perto ou longe. Você deixava rastros, e mesmo que tentasse disfarçar que não estava, sempre estava.
Eu queria gritar para ele parar de falar sobre meus comportamentos monomaníacos de forma tão casual, como se não houvesse problema nenhum, principalmente quando tinha sérios problemas. Estive errado em fazer isso de forma deliberada, sem dosar e ainda descobrir que eu não estava sendo discreto aumentava como eu fui imbecil.
ㅡ Irei dormir ㅡ sussurrei, me afastando dele, e me deitando. ㅡ Quando terminar, pode ficar à vontade para usar a outra cama.
O corvo não disse nada ou emitiu qualquer barulho, apenas sei que devo ter o incomodado por ter mentido dessa maneira. Eu havia contado a ele que eu tinha problemas para dormir e por essa razão eu vivia errante pelo campus, procurando um lugar suficientemente calmo para atrair o sono de alguma forma.
Convivo com minha insônia desde meus quatorze anos. Não sei como se deve meu problema, qual foi o gatilho, apenas quando despertei e refleti sobre meu estado quase doentio, eu não conseguia mais distinguir o que era dia ou noite ㅡ nada daquilo importava, quando eu não conseguia pregar os olhos. A luz prateada da lua ou os raios solares, banharem sobre minha pele, quase da mesma forma ㅡ, e o pior de tudo, eu me sentia bem.
Eu tinha mais tempo. Realmente, havia muito mais tempo. Estudava, lia, fazia meus deveres de casa, ajoelhava, agradecia sem qualquer problema. Eu não tinha expectativas para o dia acabar, pois ele parecia interminável. No entanto, meu corpo começou a dar indícios de que ele estava cansado da rotina pesada, minha mãe percebeu isso primeiro, antes de todo mundo; mas cuidou de mim sem que ninguém percebesse do meu estado. Levou-me ao médico, receitou um remédio, e no início, eu o tomava, tendo uma ótima noite de sono e minha mãe sempre me vigiava para ver se os resultados.
Porém, o remédio me deixava estressado, sonolento demais, incapaz. A primeira coisa que fiz quando minha visão caiu sobre o pequeno pote, foi ir até ele, caminhar ao banheiro e despejar todas aquelas pílulas no ralo. Senti-me inteiro ao completar tal ação impulsiva, voltando com um sorriso de triunfo. Quando minha mãe retornou para completar a sua última missão do dia, eu fingi que estava tranquilo, dormindo, sonhando com anjos.
Eu até poderia estar, mas não da forma que imaginava.
Pensei demais sobre meu passado, porque quando percebi o corvo havia apagado a luz, e se dirigido a minha cama. Ele subiu sobre mim, separou as pernas, pressionando as palmas da mão em cada lado do meu rosto, respirando lentamente.
ㅡ Você está liderando o monstro que vive na sua cabeça ㅡ sussurrou, sem esconder o quanto estava incomodado com a minha atitude de mais cedo. ㅡ Estou começando a ficar irritado com a sua facilidade de mentir para mim.
Abri os olhos, se sentando na cama, quando ele saiu de cima de mim, e acomodou-se na minha frente, esperando algo de mim.
ㅡ Eu… sinto muito por mais cedo. Por tudo ㅡ iniciei desconfortável comigo mesmo.
Antes que eu terminasse com o pedido de desculpas, o corvo segurou meu rosto com as duas mãos, chiando em meu nariz, pedindo silêncio. Em seguida, ele começa a mover os polegares nas minhas bochechas, como se estivesse me consolando.
ㅡ Não precisa dizer mais nada, Tyler. ㅡ Ele sabia o meu nome. Não havíamos nos apresentado apesar de ter ficamos próximos nesse meio tempo, e eu acreditei que ele não quisesse saber meu nome. ㅡ Eu já entrei na sua mente. Eu sei o que você está pensando… ㅡ seus lábios pairava perto dos meus, e eu sentia o calor aumentando a cada segundo que prolongamos aquele tortura ㅡ, a todo instante. Sempre que você está perto.
ㅡ E o que isso significa? ㅡ perguntei, sem reação.
ㅡ Que você me pertence ㅡ respondeu de imediato, roçando de leve nossos lábios, e se afastando de imediato, como se estivesse arrependido. Entretanto, ele não me largou. ㅡ E eu estarei sempre aqui com você. Sendo apenas um.
Ele uniu nossas testas, fechando os olhos, prometendo algo em silêncio antes de me largar, e sair do quarto.
Eu não consegui entender por qual motivo ele saiu do quarto tão de repente deixando seus materiais na minha mesa, contudo, quando eu estava apenas pensando sobre isso, entendi que ele queria que eu fizesse a escolha. Porém, eu o deixei ir, sem mexer um músculo.
O que se tornou a pior das minhas aquisições.
Três dias que o corvo voltou a içar voo para longe de mim.
Saíndo da classe, Piedro me chamou para jogar tênis, mas eu recusei. Eu não estava com ânimo para fazer nada. Eu só queria descobrir onde a assombração dos meus pensamentos estava se isolando para que eu não o encontrasse ㅡ depois de dois acontecimentos sem conseguir esbarrar com ele, percebi que ele era encontrado quando desejasse ser encontrado ㅡ, coisa que ele me disse indiretamente ao me dizer que gosta de jogos mentais. De contorcer a mente das pessoas.
Ele estava me dobrando também.
Ainda estava dia, contudo, eu estava na capela. Sentado no mesmo banco da minha primeira conversa com o corvo.
Eu estava melancólico, lânguido, com todas as coisas que estavam acontecendo. O meu olhar estava disperso no pessoal do teatro da capela, e acreditei que o olhar de Camilla sempre se encontrava o meu durante o término das suas falas. Afirmando minhas certezas, ela correu até mim no final de seu ensaio, me convidando para sair com os seus amigos.
Não lhe dei nenhuma resposta certa, surgindo uma expressão triste em seu rosto, mesmo que ela tentasse disfarçar com um sorriso.
Eu não tinha nenhum outro local para ir no dia, assim que voltei para a biblioteca. Enquanto, eu estava passando as pontas dos dedos sobre as enormes prateleiras de madeira, um som refinado das cordas de um violoncelo permeou meu ouvido, estremecendo minha alma. A velocidade em que a melodia estava sendo produzida contava que seu músico estava impaciente, e dessa forma, eu tive curiosidade de saber quem era.
Dando passos cautelosos, cheguei onde minha visão pode vislumbrar o corvo com uma postura magistral. Seus dedos delicados guiando o arco com avidez, dedicado a somente ser levado pela música. Ele tinha os olhos fechados, jogando todos os seus sentimentos no instrumento, dando-os mais força, e passando-os para os escutar.
Meu coração retumbou sem ritmo por ter encontrado essa versão dele.
A melodia estava encantadora, contudo, logo ele separou o arco das cordas do violoncelo, respirando de forma irregular. Estudando melhor o seu rosto, consegui ver a presença de suor em sua testa cintilando na fraca iluminação da biblioteca, e seus fios desengonçados grudar na pele.
Eu não tinha consciência de quanto tempo ele estava parado ali, tocando, mas, não poderia ser por pouco tempo para ele estar naquele estado.
Com a música acabada, o corvo retirou o paletó, ficando apenas com a blusa social branca, e dobrou as mangas até o antebraço, voltando a se posicionar na postura de antes. Com o olhar determinado para acabar com o mundo ㅡ ou para matar alguém ㅡ, e assim, com um rápido deslize do arco, ele começou outra música.
Foi impossível para mim apartar meus olhos para longe. Fiquei o tempo todo parado, me deleitando na melodia tocada por ele, até eu buscar refúgio numa das prateleiras e fazer um pequeno ruído.
Acreditei que ele não houvesse escutado, porém, ainda movendo as mãos seu olhar caiu exatamente onde eu estava escondido.
ㅡ Pensei que já estivesse em seu dormitório se arrumando para sair com a garota.
ㅡ Como sabe? ㅡ sussurrei, dando um passo à frente. Meu corpo era atraído até ele de forma involuntária.
ㅡ Você é o único que não percebe que está sendo vigiado. ㅡ Ele não sorriu, como sempre faz, e eu parei de me aproximar dele.
Ele está com raiva.
O corvo moveu mais rápido seu braço ao retirar a atenção de mim.
Mesmo com raiva, ele era uma perfeita obra de arte.
ㅡ Você gosta dela?
ㅡ Não.
ㅡ Está mentindo ㅡ retrucou ríspido seguindo o ritmo acelerado da música, franzindo as sobrancelhas ㅡ, como sempre está mentindo.
ㅡ Como possui tanta certeza?
ㅡ Eu simplesmente sei, Tyler. ㅡ O som morreu no local, dando lugar para o meu coração acelerado, e o barulho da minha dificuldade para engolir a saliva. ㅡ Eu nunca errei. Essa é minha especialidade. E não sei se lembra, mas há três dias, eu expus que sabia todos os seus pensamentos.
ㅡ Lamento dizer, mas parece que está fora de sintonia com meus pensamentos.
ㅡ O quê? ㅡ Ele pareceu conturbado com minhas palavras, e em seguida, essa expressão sumiu e ele riu um pouco mais alto que as outras vezes. Levantou-se, arrumou as coisas dele, e caminhou até mim, parando ao lado. ㅡ Parece que você está fora de sintonia consigo mesmo.
Ele tentou passar por mim, porém, eu agarrei seu braço antes. O corvo girou o pescoço me olhando enfurecido por ter o tocado sem sua permissão, e eu absorvi toda aquela crepitação que estava ao seu redor, não controlando minhas palavras.
ㅡ E de quem acha que é a culpa, inferno?
ㅡ Das suas escolhas. ㅡ Não hesitou, desvencilhando do meu agarro. ㅡ E espero que se divirta muito hoje a noite com a garota.
Devo dar um fim nisso. Porque da forma que estávamos indo, parece que estamos traçando um caminho para nossa autodestruição, reprimindo essas sensações que causamos um no outro sem nem ao menos estarmos próximos.
O dia estava nublado como normalmente, e debaixo da árvore estava o corvo, observando uma folha cair na palma da sua mão quando eu corri em sua direção, abraçando forte para que ele não fugisse de mim. Porém, para minha surpresa, ele não se debateu ou disse algo, ficou esperando uma explicação lógica para eu fazer isso depois de três dias da nossa discussão.
ㅡ Eu me sinto completo com você por perto. Desperta emoções que eu nunca pensei que poderia sentir por outra pessoa, no entanto, também arranca pensamentos tão mal que eu não consigo me reconhecer, e é por isso, que te adoro, Rhys.
Ao terminar minha pequena confissão, eu não esperei por uma resposta sua, pois eu não estava preparado para ouvir uma negação dele, ou uma expressão de horror. Apenas corri para meu dormitório e permaneci sentado no chão até observar o sol desaparecer do horizonte.
Eu não sabia porque tínhamos sentimentos se a alguma hora eles iriam mudar, ou eles não tinham propósito nenhum para conviver no pequeno compartimento denominado coração.
Coberto pela névoa da reflexão, vi uma silhueta negra surgir no meio no farfalhar das das árvores, e quando esse vulto invadiu meu quarto pela janela, percebi que era a criatura das sombras que sempre me aterrorizava, não importando se eu estou acordado ou dormindo.
ㅡ Corvo. ㅡ O chamei pelo apelido que eu havia dado, acreditando que aquilo fosse um sonho muito bom. Joguei minha cabeça, batendo-a com força na cama, deprimindo comigo mesmo por não ter esperado uma resposta, e ficar parado desejando que as coisas se dissolverem sozinhas. ㅡ Venho para dizer que eu sou completamente louco e o pior erro da sua vida foi ter confiado em mim? ㅡ ri sem ânimo ㅡ, se for: não precisa fazer isso. Eu sei.
Em silêncio, Rhys parou na minha frente e se colocou de joelhos na minha frente, abraçando meu pescoço.
ㅡ Pensei que você nunca fosse perceber. ㅡ Ele riu, e eu senti o movimento de seus lábios no meu pescoço.
ㅡ Está rindo de mim e da minha insanidade?
ㅡ Um pouco. ㅡ Ele confirmou. ㅡ Mas também porque eu estou muito feliz.
Tomando sua atitude e palavras como um si, eu subi as mãos para seu cabelo, sentindo finalmente a textura macia dele, e explorei o toque, descendo para sua nuca, amando ter consciência que aquilo não era um sonho. Era a realidade, no entanto, ela estava me iludindo da forma que me satisfaz; que me faz feliz e quero mais desse doce bel-prazer.
O prazer que eu só posso ter com Rhys O'Neil.
Como é a primeira vez que eu posto um conto mais organizado, com timeline e tudo mais, eu nem sei se está bom. Vocês acham que está?
Beijos ✨
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