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† CAPÍTULO II †
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ELE JÁ NÃO estava mais perto de mim.

Sentado ao lado da minha cama, sentindo o frio da madrugada penetrar na minha pele, eu observei as nuvens cinzas pela enorme janela do meu dormitório se dispensando, anunciando um novo dia. Era algo para se ficar feliz, porém, quando a mente está doente, tudo isso é arrancado de você. Os bons sentimentos não podem ser sentidos, e a única coisa que me restou foi uma triste obsessão por alguém que nem ao menos sabe meu nome; quando a única coisa que penso é no seu, ficando preso em minha garganta, pronto para ser sussurrado.

Isso estava me aborrecendo como nunca antes.

Como eu poderia estar tão interessado em alguém mono?

Depois do primeiro contato, ele não é mais um mistério digno de desvendar, mas no contato de dias atrás despertou uma parte proibida do meu cérebro. Meu corpo não queria esquecer o sentimento eletrizante que ele causou primeiramente no coração e depois percorreu por toda a extensão. 

E, tudo isso está me fazendo sentir catatonico. Imaginando coisas que eu não deveria, iludindo minha mente, e sendo submetido às vontades corpóreas que eu não estou acostumado. Que não é no meu feitio ㅡ passei a noite inteira tentando esquecer dos olhos verdes profundos, porém, foi tão insignificante quando tentei dormir sem meus remédios ㅡ, e acabei num estado horroroso.

Apesar de pensar dessa maneira, outra versão minha, uma mais obscura, está adorando o que ele está fazendo comigo.

Balançando-me, rodando, sem ter a mínima noção disso.

Porque se tivesse, ele desejaria estar bem longe de mim. Como naquele momento.

Depois de lamentar tanto o meu estado, eu me preparei para um dia de aula, encontrando Piedro com o seu sorriso costumeiro. Trocamos algumas palavras, antes do corvo passar por nós dois, caminhando em passos penosos para seu lugar. Por breves minutos, foi a única coisa que queria ver e sentir.

Eu estava louco. Completamente louco.

Primeiro a raiva me atingiu, depois a emoção titaqueou meu peito, e por último a frustração espantou todas elas. Ela era a única consciente que era uma besteira sem tamanho o que estava acontecendo.

Eu havia me tornado um monomaníaco e, Rhys O'Neil era a mania tatuada em meus ossos.

Ao admitir e encontrar a razão da sede que nunca se extinguiu, em literalmente todos os locais do internato, eu esbarrava com o corvo ㅡ ou era o contrário ㅡ, eu que estava se esgueirando atrás dele sem perceber, porque eu fui para a biblioteca e o encontrei.

No corredor. Debaixo da árvore do pátio.

ㅡ Você está observando o novato outra vez? ㅡ Piedro apareceu de repente, sussurrando no meu ouvido quase uma repreensão.

Eu não neguei ou fiz qualquer outra coisa, apenas permaneci com o ombro escorado no espaço disponível da ogiva, nutrindo a contaminação que eu estava sujeito naquele instante. Ele estava com a visão perdida em outro de seus livros de anatomia, quando eu perdia a minha nele com afinco, quase fazendo um buraco em si.

ㅡ Piedro, eu preciso de ajuda… ㅡ Porque eu estou a cada segundo aumentando a dose desse doce veneno nas minhas veias, era o que eu deseja completar para meu amigo, porém, seria uma péssima ideia fazer isso. ㅡ No trabalho do professor Joseph, claro.

Um suspiro de alívio cobriu o corredor vazio, em seguida, ele se dissipou, permanecendo apenas restando a risada do meu amigo. Em segundos, Piedro me arrancou de perto da ogiva gótica, e se arrastou para seu dormitório, para finalizar os trabalhos.

Porém, a saudade fez brigada em meu coração desde que eu me afastei do corvo.

O que me fez perceber que ele representava realmente um agouro em minha vida. Desde o bater de suas asas, eu virei de cabeça para baixo, e agora só tenho ânsia que ele venha a aterrissar em meu ombro; presendo suas garras o mais fundo de meu espírito.

Seria perfeito. Eu não necessitaria de mais nada.

A agonia iria ser esquecida.

Empurrei a porta da capela do internato devagarinho para ninguém do mosteiro que venho fazer uma visita me escutar, e quando dentro do edifício, meus olhos buscaram o semblante de Jesus Cristo crucificado, sendo banhado pela luz prisma da rosácea. A vidraça colorida fez possível eu ver a poeira presente no local flutuando, e em instantes me senti mais calmo.

Meus passos se expandiram no eco, e eles morreram assim que percebi que tinha outro alguém sentado no banco do meio da segunda fileira encostada na parede. Minha respiração prendeu e meu peito tremeu de alegria e ansiedade em simultâneo ao me dar conta que era o corvo. 

O que ele está fazendo aqui?

O cheiro de vela atingiu minhas narinas, e eu as vi tremular no mesmo instante que o corvo virou somente o pescoço, olhando-me com indiferença. Eu queria saber que passava por sua cabeça ㅡ porque ele sempre parece preso em seus calabouços mentais, não permitindo nada além dele saber o que se passa.

Permanecemos naquele clima desconfortável por mais de dois minutos.

ㅡ Você por acaso é onisciente? ㅡ Foi a primeira coisa que ele perguntou para mim, e não evitei de franzir as sobrancelhas com a sua pergunta-acusação.

ㅡ Não. ㅡ O respondi caminhando para mais perto dele sem medo. Quando parei em frente ao garoto, que ergueu o pescoço para o alto para vigiar meu olhar, e ao perceber minha intenção, ele deslizou o corpo, dando abertura para eu sentar. ㅡ Por que a pergunta?

ㅡ Porque está em todo lugar que a minha visão alcança.

Eu criei várias suposições com essa resposta dele. O corvo também poderia estar prestando atenção em mim ou ele sentia que eu estava sempre o olhando.

Apoiei meu braço esticado no banco, com meus dedos quase alcançando seu ombro, e tombei a cabeça para o lado, acreditando que ele estaria fitando a rosácea e os lindos detalhes que a abóbada gótica nos favorecia; mas estava em mim. Com quase a mesma intensidade dos meus olhos castanhos de felinos.

ㅡ Você acredita em salvação? ㅡ Ele sussurrou, e eu entreabri os lábios, e os fechei em seguida, sufocando o invocamento de qualquer palavra maldita.

ㅡ E você não?

ㅡ Eu acredito em pecados. Eles são reais. Sempre estão impregnados em tudo e em todos. ㅡ O corvo me respondeu de imediato, quase parecendo ensaiado, ou uma frase rotineira. 

ㅡ Como em nós agora. ㅡ Ou como eu agora. Sinto meu coração pulsando na garganta, imaginando qual seria sua resposta, pois a única coisa que ele fez quando as palavras se infiltraram em seus ouvidos foi retirar um pouco da sua expressão mono, e arregalar brevemente os olhos.

ㅡ Sim, como em nós agora. ㅡ As palavras pairavam no eco, e ele se levantou, dando as costas para mim, afundando as mãos no seu sobretudo.

Sua afirmação criou ramificações na minha mente. Por isso, levantei-me, mas mantendo os pés fincados no chão e cerrei os punhos, hesitando.

ㅡ O que isso significa? ㅡ questionei esperançoso.

ㅡ O que você deve está pensando agora.

Depois disso, o corvo desapareceu na escuridão da noite, deixando-me preso num loop infinito do nosso pequeno diálogo. Eu queria conversar mais com ele e tinha a certeza que no nosso próximo encontro, eu conseguiria alongar nossa conversa e saber mais de seus pensamentos.

Três semanas depois, eu não consegui mais estabelecer uma conexão entre nós.

Afundei com força meus pés na grama ao redor do internato, com o humor alterado, aparentando estar em abstinência. Eu estava bastante estressado por ficar dias sem dormir direito, assim, as pessoas e o ambiente estavam se curvando aos poucos. Porém, aquilo era comum de se acontecer, depois de algumas chacoalhadas, estava bem outra vez, e eu mexia o pescoço por toda a paisagem, buscando ele.

Não estava. Em mais nenhum lugar ele estava.

Dando mais alguns passos, distraído, trombei com alguém. Ela fez um pequeno som indicando a surpresa com o nosso impacto, e ao descobrir que a garota à minha frente era Camilla Brown, eu recuei. Ela fez o mesmo, erguendo o queixo para vislumbrar melhor quem era o infeliz que obstruiu sua passagem de maneira tão desajeitada.

Coloquei uma das mãos no paletó do uniforme, e dei desculpas para a garota, que permaneceu me encarando antes de prosseguir com sua caminhada.

Ela já foi uma das pessoas que meu coração dedicou algumas batidas, porém, agora ele parece tão calmo, que nem parece que o sangue está fluindo. A garota já me impressionou uma vez, adocicando o ambiente da sala com seu belo conhecimento em história, e isso me tocou. Mas agora, eu tenho outra pessoa assombrando-me, sem nunca ter dito nada em especial, e me fazer sonhar acordado.

Os dias eram intermináveis para mim. Antes, eu considerava uma benção, mas agora, estou começando a achar uma infinita maldição.

Eu estava perdido. Todos os caminhos que eu escolhia até o corvo, abriam uma bifurcação, me testando, tendo eu ter uma iluminação da minha falta de sorte e senso, porque eu sempre escolhia o caminho errado.

A madeira da porta rangeu assim que ela se arrastou no assoalho, permitindo um feixe das luzes acesas do corredor se infiltrar no meu quarto, e eu escutei aquilo tentando manter a calma, permanecendo com os olhos fechados, convencendo-me a acreditar que não passava de mais outra as coisas insólitas que minha mente cria quando está exausta.

Passos leves foram traçados no piso até chegar em parar na minha cama, ativando vários pensamentos de quem poderia ser, e assim que a assombração repousou uma das mãos no meu colchão como apoio, senti uma respiração febril acariciar minha pele, colocando-me em alerta.

ㅡ Acorda. ㅡ O corvo ordenou. Abri meus olhos no mesmo instante, dando-me conta que nossos lábios estavam a poucos centímetros de distância um do outro. Engoli a seco, me distraindo na ideia dele ter invadido meu quarto tarde da noite, sem motivo algum. ㅡ Agora levanta e me segue. Irei te levar para um lugar interessante.

Comprimir meus lábios, regado a dúvidas se eu iria ou não. Porém, comecei a ficar ansioso para saber para onde ele me levaria tão tarde da noite, e talvez se eu acompanhasse ele poderia me dizer o porquê de estar mandando em mim depois de três semanas se escondendo.

Quando tive certeza da minha resposta eu estava sob vigilância dos olhos vazios do corvo, e assim, como o animal estava sobrevoando a carne antes de descer, arrancar e comer sua pele. Não era uma coisa ruim ser visto dessa maneira por ele, porque eu nutria o mesmo sentimento por ele. Eu via quase da mesma forma, absorvendo cada pequeno movimento dele, e o memorizando.

Tudo era válido, contanto que fosse dele.

Assenti com a cabeça, e quando a euforia de sair sem a autorização esfriou completamente, eu dei-me conta que éramos dois adolescentes ㅡ quase adultos ㅡ que se esconderam sob o manto da noite, levantando os calcanhares, debochando da política da academia sem se importar com nada; nada além da adrenalina de degustar o errado.

Pegamos o trem para chegarmos à cidade, assim que entramos no transporte, eu me sentei num banco, e o corvo no banco vazio do outro lado, ficando de frente para mim. De forma involuntária, eu abracei meu corpo afligido pelo frio da noite de Birmingham, recordando-me tardiamente do casaco.

Soltei um suspiro, e apoiei minha cabeça na janela que tremeluzia, vendo as mudanças repetidas em que pelo túnel poderiam ser vistas.

ㅡ Está com frio? ㅡ Ele perguntou usando um tom mais baixo que o comum.

ㅡ Não.

Minha resposta curta arrancou um riso fraco dele, e acidentalmente, o puxou para perto de mim. Nossos ombros bateram, e meus músculos se retraíram ao ter consciência de seu corpo. Além do cheiro característico de ferrugem, eu poderia sentir a fragrância de sua colônia.

ㅡ Percebo que você gosta de mentir. ㅡ O corvo iniciou a conversa, descontraído, como se ficar perto de mim para amenizar no ar frio que me atingia não fosse nada impressionante.

Ele pareceu pensativo sobre o que dizer em seguida, e abaixei a visão, encarando seus fios negros sedosos. Eu queria acariciá-los, para descobrir a textura dele, porém, aniquilei esses pensamentos antes que eu o afastasse de mim com atitudes impulsivas. E, assim que parei minha repreensão mental, ele decidiu continuar com que estava falando.

ㅡ Admito que isso me agrada um pouco.

ㅡ Não é uma atitude muito admirável para você dizer isso. ㅡ Finalmente eu disse algo além de monossílabas. Acreditei que depois de observar tanto, e reclamar de seu comportamento mono, eu havia pego também o costume.

Ele soltou um riso anasalado, e observei o sorriso travesso em sua boca permanecer mesmo depois do efeito das minhas palavras sérias acabarem.

ㅡ É por essa razão que me agrada. ㅡ Ele esclareceu, sem me encarar. ㅡ Porque é algo errado. O inverso do que somos obrigados a seguir sem objeções.

O som de nossas vozes desvaneceram no ambiente, restando apenas o barulho da minha mente escandalosa, que desejava soltar várias e várias outras objeções sobre o sistema em que nós estamos presos. Em como ele nos restringe, e estava me restringindo o de prosseguir com alguns de meus sentimentos.

Acorrentado por pensamentos controversos, não percebi quando meus passos estavam sendo guiados pela figura sombria, amassando as gramas debaixo do solado e desviando de lápides. O cheiro pungente da terra dos mortos invadiu meu nariz, e torci-o com o pensamento que alguém havia sido recém enterrado. O frio não era mais importante quando o corvo aquietou-se próximo a estátua de um anjo, e delicado acomodou-se familiarizado no local, esperando que eu me juntasse a ele.

Não hesitei em sentar próximo a si, e apreciar as estrelas.

ㅡ Você é o primeiro que eu trago aqui ㅡ declarou, girando o pescoço para me olhar, e eu estremeci por dentro com ideia de ser o primeiro a ganhar seu ódio, e ser enterrado por suas mãos. Porém, retirei as suspeitas por ele parecer sincero. ㅡ O primeiro.

Ele sussurrou a ressalva, atiçando um lado meu que eu deveria ter cuidado com ele. Eu não sabia como entrar na sua cabeça, contudo, eu entrava em estado de negação sobre forçar. Não quero lutar com ele, quero fazer ele entregar a chave. Dessa forma, essa relação platônica, não estará destinada a desmoronar futuramente.

ㅡ Por quê eu? Você me ignorava e nem faz muito tempo que começou a falar comigo.

ㅡ Posso ser autêntico com você, por isso, escute bem o que irei lhe contar ㅡ seu olhar ficou sombrio assim que seus lábios se moveram ㅡ, eu também não sei. Apenas foi algo impulsionado pela debilidade da minha alma.

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