ℭ𝔞𝔭𝔦𝔱𝔲𝔩𝔬 𝔩
† CAPÍTULO I †
_______________
13 DE FEVEREIRO DE 1999 – INÍCIO DO SEMESTRE
EU OBSERVEI O novo aluno com as minhas costas apoiadas no meu armário, solvendo todas as suas características de forma tão concentrada que fazia toda a balbúrdia dos outros estudantes passarem despercebidas e, até mesmo esquecer da presença de Piedro ao lado, que seguia soltando as últimas atualizações de suas férias.
Ninguém me disse que ele era novo, porém, por nunca ter visto sua cara durante os dois anos que eu estive estudando aqui provou isso. Além da atmosfera sombria que o perseguia onde quer que ele fosse ㅡ não era comum encontrar uma pessoa assim por essas áreas, mesmo que eu descesse para os cantos mais baixos na cidade de Birmingham ㅡ, e poderia ter sido isso que me fascinou.
ㅡ Piedro ㅡ chamei-o sem desviar a atenção do calouro, e ouvindo minhas palavras pela primeira vez no dia. Eu sabia que eu tinha sua atenção por causa do silêncio que povoou a minha volta ㅡ, sabe quem é ele?
Meu amigo bateu a palma da sua mão no meu ombro, rindo como se eu tivesse feito alguma brincadeira. Porém, eu entendia o jeito de Piedro gostava de criar o clima, antes de jogar as informações para outro alguém.
ㅡ Rhys O'Neil ㅡ Piedro formou seu nome usando um tom baixo, e saber daquilo fez minha curiosidade a respeito dele aumentar. ㅡ Mudou-se recentemente de Bristol. Sua família é bastante conhecida por causa do cargo de seu pai, e a influência da sua mãe no meio social e ele, claro, conhecido por ser um aluno exemplar. Sem defeitos.
Resumindo: o garoto era perfeito para esta academia. Meu pai gostava de sugar a atenção de pessoas como ele.
ㅡ Por quê? Ele te chamou a atenção?
Piedro perguntou em seguida, porém, minha mente estava focada apenas no corvo que pousou em meu quintal. Poderia ser uma falta de respeito me referir ao garoto dessa forma, contudo, todo seu traje coincidia com seu novo apelido ㅡ o sobretudo negro escondia o palitó da farda, e a única coisa que eu vislumbrava era seus fios negros ㅡ, e apesar de eu acreditar fielmente que ninguém nunca havia colocado apelido nenhum nele.
Entorpecido por sua presença, fui despertado por seu olhar. Ele caiu tão penosamente sobre mim que não houve tempo para eu desviar a mirada, dando-lhe a certeza que eu estava vidrado em si.
Gelei em fitar aqueles olhos verdes sem emoção, porém, a sensação sumiu de tão rápida que veio. Não porque foi insignificante, mas porque me abalou o suficiente para meu corpo pedir para ficar longe e minha mente ansiar por um contato mais profundo que aquilo.
E, assim, ele fechou o armário e começou a andar pelos corredores como se estivesse cambaleando, como se precisasse de um apoio para ser segurado. No fundo, desejei que eu fosse aquele que fosse lhe segurar, no entanto, do jeito que a minha vida está andando, o único que precisa ser salvo era eu.
ㅡ Tyler! ㅡ Meu amigo exclamou indignado por eu ter ignorado suas perguntas. Eu não senti que o tempo havia passado, e me senti instável depois da pequena troca de olhares. ㅡ Você realmente se interessou pelo novato, certo?
ㅡ Não diga besteiras ㅡ disse-lhe, olhando a expressão 'eu sei' do meu amigo ruivo e bati em suas costas para ele parar com aquilo. Não era apropriado. ㅡ Vamos para a classe antes que o professor Joseph arranque nossas tripas e as pendure para os animais detritívoros.
ㅡ Tem momentos que eu não entendo as coisas que você fala ㅡ Piedro murmurou, andando depressa para não levar um lembrete carinhoso do professor Davies.
Mesmo que eu desejasse discordar da sua fala, ele tinha razão. Havia vezes que eu não compreendia onde eu queria chegar ou ao menos enxergar o antes. Momentos que meu pai tirava proveito para me controlar, de modo que eu ficasse tão de aceitar as ideias malucas dele; vim para esse internato foi uma delas.
Com seu ar superior, ele praticamente gritou a decisão de me fazer um aluno exemplar da sua academia de ensino médio, que suposto ele, iria fortalecer minha fé, já que era um internato religioso ㅡ aqui continha tudo o que um bom fiel precisava, sem falar na catedral, e nas aulas exaltando os feitos do Clero na Idade Média ㅡ, porém, eu tinha consciência de que quase todas as palavras do professor era uma verdade mascarada.
O clero não era o salvador do povo, era o pecador.
As intenções do alto clero na época era uma bondade questionável, e mesmo que eu saiba dos acontecimentos históricos, permanecia com a minha fé intacta quanto ao Senhor. Minhas objeções só tinham a ver com os homens, as pessoas que habitam a terra, não com quem está acima do céu, quieto.
Continuei estudando na academia por vários motivos, mas a ênfase dessas motivações era para preservar a imagem do meu pai. Eu estava longe de me importar de verdade, apenas se eu fizesse isso, a imagem da minha mãe também melhoraria exponencialmente. Eu amava demais minha mãe para vê-la infeliz com a insistência do pai sobre o que eu deveria ou deixar de fazer, e foi assim que eu enveredei meus dedos na pá, começando a cavar meu próprio túmulo. O tintilar do portão soando alto em meus ouvidos na primeira vez que entrei aqui, foi um anunciamento de uma pena de morte, e o sorriso de Amery Wright, diretor ㅡ pai ㅡ, revirou meu estômago.
Conheci meu melhor amigo Piedro Wood no terceiro dia de aula. No início, ele era uma companhia questionável ㅡ ainda é ㅡ, porém, conforme eu foi amolecendo a minha carapaça, deixando que ele se aproximasse, ele se tornou uma companhia incrível. Seus cabelos ruivos eram como fogo quando balançado contra o vento, sem falar seu em seu sorriso saudável que cintilava sempre que a luz solar descansava sobre ele.
Jurei a mim mesmo que esse internato masculino não iria me sufocar mais do que meu pai, e apenas precisaria permanecer nessa jaula até naquele ano, cumprindo minha promessa.
Entrei em meu dormitório, encontrando com o aluno novo, usando a escrivaninha encostada na janela, sendo prestigiado com a visão do pátio da academia. Contudo, esse não era o problema. Usei o máximo do meu cérebro para desvendar as razões do novato pisar em meu quarto sem a minha permissão.
Sendo movido por uma raiva que eu não sei de onde havia saído, eu fui até o garoto em passos duros, parando ao seu lado, observando ele fazer as atividades do dia sem se incomodar com a minha presença. Aquilo foi usado como gasolina para a raiva inflar.
ㅡ Esse é meu quarto ㅡ revelei o óbvio, recebendo o nada dele. Literalmente o nada. Ele não parou, olhou e suspirou aborrecido, como deveria ser para uma pessoa. ㅡ Você não pode simplesmente chegar aqui e já invadir meu espaço pessoal.
Eu odiei a forma que ele me ignorou, e mais ainda por ele me incentivar a ser mais infantil do que eu já estava sendo. Ele não tinha a verdadeira culpa de ser colocado ali em primeiro lugar, deve ter sido meu pai, mas eu estava sendo impulsionado por algo maior.
ㅡ Não me ignore ㅡ pedi, dizendo mais alto que eu deveria. Para ver se eu seria finalmente notado, contudo, sua mão se moveu para a próxima linha da folha amarela de seu caderno de anotações, e seus olhos estudaram as partes internas de uma ave.
Não consegui lutar contra o pensamento dele ser mais excêntrico do que eu tinha imaginado.
ㅡ Já acabou? ㅡ Sua voz era suave, contento o nítido sarcasmo. Acreditei que ele fosse permitir meus ouvidos absorverem mais dela, no entanto, ele parou por ali.
E eu também. Cansei de discutir com uma alvenaria, e talvez, uma parede de tijolos fosse mais interessante que aquele garoto.
Sair do quarto, indo para a sala do diretor, com a intenção de o lembrar de alguns acordos que fizemos para eu ficar de boca calada durante minha estadia aqui. Permanecer sem objeções quando ele me obrigou a ficar em sua jaula dourada.
Não bati em sua porta, apenas entrei. Amery ergueu o olhar para mim com as sobrancelhas juntas como o habitual, e seus olhos descreveram quais seriam suas próximas palavras de repreensão sobre a minha conduta inapropriada. Meu pai já detinha de alguns fios brancos, uma pele que continha indícios de enrugar e usava roupas que condizia com sua dignidade; ou metade dela.
ㅡ Tyler, isso não é modo de entrar numa sala, ainda mais a do diretor.
ㅡ Tyler, isso não é modos de entrar numa sala, ainda mais a do diretor ㅡ repeti suas palavras no mesmo tempo que o dele, sem errar nenhuma palavra, e ele ergueu o queixo, ameaçado com minha atitude. Porém, eu era o único que tinha o direito de ficar indignado. ㅡ Eu não teria feito nenhuma dessas coisas se o senhor não tivesse mudado o novato para meu dormitório. Pensei que tínhamos conversado sobre isso. Eu valorizo meu espaço, e fico desconfortável com outra pessoa por perto.
Meu pai levantou-se da sua cadeira, aparentando pensativo, e apoiou seus quadris na mesa.
ㅡ Rhys O'Neil é um excelente aluno. Não causa nenhum tumulto, e duvido que ele irá te aborrecer de alguma maneira. ㅡ Ele descreveu seu mais novo ovo de ouro, e eu revirei os olhos. Ele não sabia ideia de quanto somente tê-lo por perto me aborrecia.
ㅡ Resolva isso o mais rápido possível, por favor ㅡ fingi educação para soar mais convincente, contudo, meu pai meneou a cabeça entendendo minha jogada, e quase rindo da minha cara.
ㅡ Precisarei de tempo, Tyler ㅡ desencostou-se da mesa, voltando a se acomodar na cadeira acolchoada, ostentando mais que devia sua posição privilegiada. Além de ter o direito biológico de mandar em mim, ele também tinha em mãos a autoridade máxima do prédio todo, e de cada um de seus residentes. ㅡ Daqui a algumas semanas, ele mudará de quarto.
Uma careta foi formada em meu rosto quase imediatamente.
ㅡ Dias. Quero ver o novato longe de mim em dias.
Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, contudo, eu apoderei da ideia de não desejar aquele garoto perto de mim. Algo nele era me retraía para longe e para mais perto em simultâneo, me confundindo, deixando-me minha mente bagunçada e em estado catastrófico. Uma doença rastejava devagarinho em minha cabeça quando eu tinha consciência da sua presença ㅡ e eu não queria me sentir daquela forma, uma vez que eu me moldei para ser da razão.
ㅡ Não tem discussões, Tyler. Em semanas, ou ele poderá ficar até o ano acabar.
Torci o nariz, murmurando um simples okay e um obrigado, para não deixar meu pai aumentar o prazo daquilo em minhas costas.
Uma semana passou sem que eu percebesse. Era uma semana sem me encaminhar para meu dormitório, porque eu iria tombar com o novato, o corvo, que assombrava meus pensamentos lúcidos, quase me transformando em alguém irracional.
Repreendendo-me por pensar dessa maneira, minha visão alcançou Piedro esbarrando no corvo, fazendo perder um pouco do equilíbrio. Algo mexeu dentro de mim em vê-los juntos, mas continuei a ver os próximos acontecimentos, em que Piedro disse alguma palavra ao novato, porém, ele apenas o encarou, retribuindo algo.
ㅡ Piedro, não intimide o novato. ㅡ Aquilo saiu mais como uma ameaça do que para um pedido atencioso. Meu amigo cruzou os braços acima do peito, amassando sua camisa social branca e sua gravata perfeita, para demonstrar que estava na defensiva.
ㅡ Eu não fiz isso! Foi somente um acidente!
Sim, era exatamente isso que aparentou. Eu que estava sendo paranóico.
Baguncei meus fios acobreados, suspirando cansado. Eu devia estar ficando louco depois de passar mais de uma semana sem dormir direito. Nem minha insônia permitia que eu descansasse e nem meus pensamentos controversos que o corvo fabricava em mim.
ㅡ Desculpa, Piedro. Eu estou errado em supor isso de você.
ㅡ Está desculpado. Agora vamos para a classe. ㅡ Seu braço ficou envolta do meu pescoço, me puxando para a sala de aula, e no meio disso, ele fez um som exclamando que havia se recordado de algo. ㅡ Onde você está ficando? Sempre que vou no seu dormitório, ninguém responde.
Meu colega de classe parecia que não tinha nenhuma intenção de socializar pelo campus.
ㅡ Andando pelo jardim para conseguir ter um pouco de sono ㅡ respondi, sem dar a localização exata, para evitar dele ir me encontrar, e atrapalhar a percussão dos meus pensamentos. Piedro sempre consegue me distrair facilmente.
Ele aparentou desinteressado no jardim, por isso, não arriscou a perguntar mais detalhes sobre minhas caminhadas noturnas. Elas sempre foram intensas, porém, com o corvo sobrevoando meu espaço, eu busquei refúgio debaixo da estátua que tinha no fim do jardim labirinto, apreciando cada curva do rosto da mulher, e imaginando como deve ter sido difícil para o escultor preparar tamanha obra-prima. As bordas da estátua tinha presença de desgaste, porém, aquilo só dava mais realce a sua beleza.
Eu gostava do lugar, porque sozinho, eu tinha toda a liberdade de deixar meus pensamentos altos vivos, o ar frio da madrugada penetrar em meus pulmões, me preenchendo de vida. Permitir que algo além de melancolia permeasse meu espírito me fazia pensar em perfeição.
Passei a aula inteira pensando no quanto eu ainda esperava para ter minha cama de volta, e quando me dei conta, o sino tocou, anunciando o fim da aula, marcando um suspiro do professor Davies que odiava o quanto o tempo era relativo para ele; e o fim de uma tortura para os alunos. As suas aulas não eram chatas, porém, suas atividades e trabalhos eram tão difíceis que não adiantava pedir ajuda nem ao diabo.
Varri o local com os olhos ao parar na porta de ébano da sala, procurando os fios rubros dentre a variada multidão, e não o encontrei mesmo depois de passar umas três vezes. A única pessoa que meus olhos conseguiram encontrar, foi o corvo, mantendo-se sentado na espaçosa cadeira de madeira com a mesma disposição zero de sempre. Dando um ar lúgubre a tudo, e nisso, conquistei a sua atenção.
Foi mais violenta do que a última.
Ele olhava diretamente para mim, com seus olhos aparentando vasculhar tudo o que eu guardava dentro da caixa de ossos e carne, e tudo a volta parou. Era esse seu efeito. Ele sabia como me deixar vulnerável, mesmo que eu estivesse armado, ele conseguia me desarmar.
Antes que aquilo se prolongasse, virei de costas rapidamente, fugindo.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top