Insônia
Eu não dormia há dias.
Todas as vezes que fechava os olhos sentia mãos frias apertando meu pescoço com força. Um arrepio percorria meu corpo instantaneamente, enquanto uma voz metálica e perturbadora sussurrava baixinho no meu ouvido quão fraco sou. Não conseguia lutar contra. Apenas rezava para aquilo ir embora e abandonar meus pesadelos.
Num canto do quarto conseguia vislumbrar um par de olhos vermelhos acompanhar minhas tentativas falhas de mergulhar na inconsciência sonífera. Era uma sensação incômoda e paranóica a de estar sendo observado, mas nada comparado às lembranças sufocantes dos dedos invisíveis torturando minha garganta, privando-me o ar.
Era tudo alucinação ou estava mesmo acontecendo?
Os olhos escarlate fecharam-se por um milésimo de segundo, permitindo que o breu completo tomasse conta do quarto. Concentrei num ponto de paz por poucos instantes, até que eles abrissem outra vez e voltassem a me aborrecer.
Eu sabia que acaso o sono tomasse meus pensamentos, aqueles olhos sedentos chegariam perto. Tão perto, que poderia observar o rosto onde eles descansavam estando acordado. Então, as mãos agarrariam meu pescoço sem aviso prévio. O medo era latente.
Minha mente foi tomada por palavras desconexas, confusão e angústia. Acendi as luzes, não havia nada. Os olhos tinham sumido. O quarto estava vazio. Estava ficando louco?
Maldição.
A palavra estava escrita de forma gritante no mural que mantinha sobre a mesa onde descansava meu computador.
Maldição.
Isso é mesmo real?
Respirei fundo. Enterrei o rosto entre as mãos e tentei buscar um pouco de calma entre o turbilhão bagunçado que tomava conta de mim. Olhei na mesa de cabeceira e o relógio marcava meia noite.
Não havia sono, apesar do fardo do cansaço pesar minhas costas. Eu não podia dormir. Não com paranóias e receios como companhia. E se eu não acordar mais?
Desliguei as luzes sem olhar para o canto onde os olhos estavam antes. Mirei o teto enquanto minha visão acostumava à escuridão.
Puxei o cobertor e cobri-me dos pés à cabeça. A casa estava silenciosa, não havia barulho além da minha respiração pesada. Por um momento senti-me seguro debaixo do lençol velho. Uma onda de conforto apossou-se de meu corpo e a insônia perdia a batalha imaginária gradativamente.
Quando finalmente consegui provar do mundo dos sonhos pela primeira vez em dias, a voz de Niara tomou meus sentidos.
— Isso é influência de todos aqueles desenhos japoneses e filmes demoníacos que você vê, eu disse que um dia ia acabar perturbado. — ela falou, indignada.
Estava num quarto totalmente branco. A voz dela saía de um alto-falante preso em algum canto. Não conseguia vê-la.
Pensei em perguntar onde estava e sobre o que ela falava naquele tom tão mal-humorado, porém, minha boca não emitia som algum. Tentei gritar, contudo, nada saía. Desesperei-me.
— Você está ficando louco, Arthur. Por que não admite que é real? — Niara questionou, a revolta dando lugar à ironia e uma risada amarga.
O riso ecoou pelas paredes alvas, uma corrente elétrica percorreu meu tronco.
Você está louco.
Você está louco.
Você está louco.
A frase retumbava pela caixa de som inúmeras vezes, acompanhada do pavor que, aos poucos, apossova-se daquele lugar. Algo me dizia que aquilo era um pesadelo, no entanto, eu não conseguia acordar.
Fechei os olhos com força. Outra tentativa frustrada de um grito. Preciso acordar.
Você está louco.
Niara continuava falando. Sua voz engrandecia em tons agudos. Era perturbador. Tapar os ouvidos não fazia o zumbido desaparecer. A voz faltava ao ato de implorar para que ela parasse.
De repente, escutei um ruído baixo. Niara calou-se. Abri os olhos e o branco das paredes estava manchado com um amontoado de letras mal escritas em azul.
ONDE ESTÁ SUA TOALHA?
Aquele era o sonho mais confuso que tive o prazer de vivenciar.
Não, eu não sabia onde estava minha toalha, entretanto, precisava dela para tapar os ouvidos caso a voz estridente de Niara voltasse, repetindo que estou louco.
Estou mesmo louco?
Com um estrondo meus olhos abriram para a realidade.
Liguei as luzes e o computador estava no chão. O mural continuava pendendo acima da mesa.
Maldição.
A palavra parecia tomar o quarto inteiro. Podia vê-la em todos os cantos, escrita de forma apressada e esdrúxula. Aquilo ainda era um pesadelo ou estava acordado? Seja o que fosse, parecia muito real.
Deixei a cama, coloquei os chinelos e andei até o que um dia foi o monitor do meu computador. Recolhi os cacos e joguei em cima da mesa.
Maldição.
Dei de ombros e rumei para a cozinha, precisava de um calmante. Já não aguentava mais. Vasculhei os armários e encontrei a caixa de comprimidos atrás de alguns frascos quase secos.
Enchi um copo de água e engoli a droga de um vez. Quem sabe ela me ajudasse a dormir sem ser atormentado por sonhos confusos como aquele. Não queria depender dela, todavia, não conseguia pensar em outra forma de resolver meus problemas com a insônia.
A vigília têm consequências. Estou tendo alucinações!
Voltei para o quarto.
Maldição.
Deitei outra vez e puxei o lençol, pensando nas palavras de Niara.
"Isso é influência de todos aqueles desenhos japoneses e filmes demoníacos que você vê, eu disse que um dia ia acabar perturbado."
Provavelmente seja isso. O problema começou quando vi aquele filme sobre o demônio africano. Qual o nome mesmo?
Suspirei.
O desenho do Killua de Hunter x Hunter, descolava na parede perto da porta. Preciso remendá-lo.
Senti vontade de assistir um episódio do anime para distrair, contudo, o calmante começava a surtir efeito. Minhas pálpebras pesavam um pouco e resolvi desligar as luzes antes que acabasse desperto mais uma vez.
Repentinamente, estava sentado num banco de frente ao balcão de um bar. Olhei ao redor e pessoas desconhecidas conversavam alegres sem notar minha presença.
— Vai querer alguma coisa, senhor? — a balconista perguntou, eu neguei.
Um relógio acima da prateleira de bebidas marcava 10 da manhã, notei que era dia pelos raios de sol que batiam contra as vidraças das janelas grandes do lugar.
Aquilo não tinha cara de pesadelo. Respirei aliviado, apesar de não fazer ideia de que peça meu subconsciente estaria prestes a pregar-me no reino encantado dos sonhos.
— Como quer que eu acredite que é um bom mochileiro se nem sabe onde está sua toalha? — alguém gritou atrás de mim.
Virei num segundo e observei uma sombra negra de olhos vermelhos me encarando. O cenário do bar foi substituído pela aflição quase palpável de um delírio ruim. Por que não consigo acordar?
Não entre em pânico!
Uma toalha apareceu entre meus dedos trêmulos. Certo, Ford Prefect, espero que o guia do mochileiro intergalático esteja correto sobre a utilidade delas.
Tapei minha vista com o tecido e esperei alguns segundos, quando afastei a toalha a sombra tinha sumido. Eu não estava mais no bar, dessa vez meu corpo descansava no que devia ser minha cama. Um sonho ou realidade?
As letras vermelhas da maldição continuavam estampadas no mural de frente para cama e eu ouvia passos na sala, mesmo tendo plena certeza de estar sozinho em casa. Quem sabe Niara resolveu voltar mais cedo da casa dos pais.
Você está louco, ouvi-a acusar.
— Niara? — chamei. Ninguém respondeu. — Niara, isso não tem graça. — gritei, sentando na beirada da cama. — Amor?
O desenho do Killua tinha descolado da parede e encontrava-se largado perto do guarda-roupa. Esfreguei os olhos e xinguei o calmante por sua ineficiência.
Maldição.
Procurei meu celular, encontrando-o perto do monitor quebrado do que era meu computador. Quando meus dedos tocaram a carcaça fria do aparelho uma mensagem de um número desconhecido brilhou na tela.
Tokoloshe, pude ler no visor.
"Na mitologia africana, Tokoloshe é semelhante a um anão. É considerado um espírito travesso e maligno que, envocado por pessoas malévolas, causa problemas para os outros."
Era o que o torpedo dizia. Perguntei quem era, mas o balãozinho com minha mensagem nunca foi entregue.
Tokoloshe era o nome do espírito que assombrava as pessoas num filme de lendas da África que assisti semanas atrás. Eu ri quando Niara contou sobre a maldição que rondava aquela história; ela não passava de uma forma que povos antigos arrumaram para explicar mortes inexplicáveis na época, por doenças desconhecidas aos esforços médicos precários da Antiguidade. Nem Niara acreditava nas próprias palavras.
Um espírito que brincava de matar suas vítimas durante o sono? Bobagem.
Freddy Krueger é uma lenda bem mais criativa dos filmes de terror anos 80.
Eu pensava assim até minhas noites tornarem-se longas e perturbadas.
— A maldição africana de Tokoloshe não é uma mentira. — a voz metálica ecoou pelo quarto.
Olhei ao redor e continuava sozinho. Os passos na sala ficaram mais altos e, caso isso fosse um filme com cenas escrachadas, obviamente eu iria ver quem estava arrastando os pés imundos pelo azulejo daquele cômodo; mas como não sou tão burro, voltei para cama.
Fechei os olhos e, quando abri-os novamente, estava sozinho num campo verde e límpido, o céu sobre minha cabeça tinha tons fortes de azul. Senti-me no ponto de partida do Greed Island.
Você está louco.
A voz de Niara ecoava com o vento.
É, talvez eu esteja louco.
Senti mãos geladas apertando meu pescoço e despertei sobressaltado com um vulto negro e pequeno em cima de mim.
Talvez a maldição africana de Tokoloshe não seja uma mentira.
~•~
Greed Island: é um famoso jogo de videogame do mundo Hunter, universo fantástico da série de mangá/anime Hunter x Hunter.
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