𝟎𝟗. › HIDDEN IN THE NIGHT

𝟎𝟎𝟗.              ESCONDIDO NA NOITE

OUTONO⠀──⠀ NOV. 24, QUARTA-FEIRA.
CASA DE REPOUSO ST. LAURENT, BURNLEY.

AS MENSAGENS QUE Bruce lhe mandou no dia seguinte estavam longe de ser agradáveis. Além daquela que informava sobre a casa de repouso onde Elizabeth Stirk estava internada, o convite para o jantar de pré ação de graças parecia ser uma grande pegadinha que zombava dela com tamanha ironia que até mesmo a própria Delilah começou a pensar que só poderia ser uma piada.

Ela vagou com seu carro até a vaga no estacionamento, ignorando o rádio que anunciava sobre o corpo encontrado no estacionamento da universidade duas noites atrás e declarava ser Jeremiah Stirk a vitima em questão ── o locutor não disse o nome de quem encontrou o corpo, comentando apenas que foram dois civis. Um claro e ilustre trabalho de Savage, é claro. Os olhos da mulher estavam focados no celular, minutos depois que a segunda mensagem chegou, 1 hora depois da primeira.

Delilah não o respondeu quando leu tudo o que estava escrito no intricado convite virtual. Sentiu vontade de dizer para ele que tinha errado a mensagem, ela com certeza não era alguém que o maldito Bruce Wayne levaria para uma festa chique. Mas, ao invés de dizer isso para ele através de um chat, preferiu ligar e proferir aquelas palavras para que Bruce entendesse de forma clara seu descontentamento.

── Por favor, diga que você errou a segunda mensagem e que ela não era para mim ── Sem nem ao menos um cumprimento, ela pediu, assim que ele atendeu. Ele riu fracamente como se fosse uma breve expiração. Baixo e imperceptível, mas riu. Delilah imaginou que ele acharia engraçado. Pelo menos alguém estava se divertindo. ── Bruce, peça-me qualquer outra coisa, menos isso.

── Agora isso é ser muito dramática, Delilah. ── Argumentou o homem. ── Não vai ser tão ruim assim.

── Então por que você não vai sozinho? ── Ela o questiona, pressionando a cabeça contra o encosto do banco do seu carro, recém retirado do mecânico. Soou mais ríspida do que o esperado, porém Bruce ignorou esse fato.

── É deselegante ir a um evento como esse sem companhia.

── Quem te disse isso? O Alfred? Parece algo que ele diria ── afirmou. Com a outra mão, ela tragou o cigarro e expeliu a fumaça antes de responder ── Olha, não tenho motivo para te acompanhar neste evento e tenho certeza que não seria a primeira vez que você vai sozinho, levando em conta que é anual.

Pelo visto era um costume de Regina Zellerbach dar aquelas festas todo o ano em sua cobertura no Upper East Side. Um jantar formal entre amigos antes do dia de ação de graças. Deveria ser incrível para eles, mas, para ela, seria apenas desinteressante.

Delilah retirou o cinto de segurança e abriu a porta do carro. Ajeitando a bolsa sobre o ombro, ela sai enquanto Bruce responde.

── Não fui nos anos anteriores, essa é a primeira vez que participo. Também é a forma de você pagar pela minha ajuda com os arquivos ── Bruce responde, há um farfalhar do outro lado da linha. ── Não há nada mais que você possa fazer, além de me prestigiar com "o prazer da sua companhia nesse refinado jantar de pré-ação de graças."

Delilah conteve um sorriso com a fala dele, revirando os olhos pela ironia. Ele estava referenciando as palavras do convite de forma irônica, mas com quase nenhum humor. Bruce era ainda pior do que ela imaginava.

── Esse não é o meu tipo de ambiente. ── informou ela ── Não tenho roupa. Um vestido pra esse tipo de ocasião deve custar o meu salário do mês inteiro e, no momento, não posso me dar o luxo de gastos tão exorbitantes.

── Eu pago por qualquer gasto seu ── Ele respondeu.

── Bruce ── ela o repreendeu, suspirando. Tragou o cigarro que mantinha entre os dedos, passando da mão que segurava o celular a outra enquanto trancava o carro.

── Vou enviar um cartão para sua casa amanhã, compre tudo o que precisar ── Continuou, ignorando a repreensão dela.

── Eu não vou fazer isso, é um absurdo. Vou ficar devendo você mais ainda.

── Nosso acordo diz respeito a uma troca de favores. Você está cobrindo a sua parte me acompanhando até o baile. Qualquer gasto adicional é por minha conta. ── Disse ele, insistindo. ── Não discuta sobre isso, Delilah.

Ela piscou os olhos para o céu, suspirando mais uma vez e balançando a cabeça de um lado ao outro, porém seus ombros cederam por um momento.

── Você é a pessoa mais teimosa que eu conheço. ── Ela alegou, proferindo aquelas palavras mais para si mesma do que para ele.

── Bom, então você deveria se conhecer melhor. ── disse Bruce, fazendo-a revirar os olhos mais uma vez.

── Sinceramente, se você me deixasse pagar essa troca de favores em dinheiro, eu ficaria mais feliz.

── Você tem dinheiro para me pagar?

── Provavelmente não, mas tenho certeza que posso dar um jeito de arrumar ── Ela responde. ── Tenho certeza que Carmine Falcone me emprestaria um dinheiro. Possivelmente me mataria se eu não pagasse com juros, mas... Ele me emprestaria.

── Prefere morrer pelas mãos de um criminoso do que aceitar me acompanhar a uma festa? ── Ele indagou. Delilah poderia imaginá-lo arqueando uma sobrancelha.

── Me desculpe, mas nessa situação eu preferia até o Ceifador do que esse jantar ── Delilah repensou o que disse, massageando o pescoço e mordendo o lábio inferior. ── Ok, talvez eu tenha exagerado. Mas você tem que entender que pessoas ricas me irritam. Passar uma noite inteira com elas e ainda sem conhecer ninguém é tortura. Não sei se a comida vai compensar o estresse.

── Prometo que não iremos demorar ── Disse Bruce. ── Regina Zellerbach organizou e eu prometi que estaria, não posso faltar dessa vez. Ela insistiu muito.

── Não costuma quebrar suas promessas?

── Só algumas. ── Respondeu ele ── Não se preocupe, enquanto você for confiável... Isso não vai acontecer entre a gente.

── E você fez alguma promessa pra mim? ── Delilah perguntou, sorrindo.

── Te ajudar é uma promessa, não?

── Está mais para uma obrigação. ── Retrucou ── Por isso não deveria cobrar pelos seus favores, Wayne.

── Disse que cobraria apenas o dos arquivos. Isso não vai se repetir no futuro ── Bruce afirmou, sério como sempre.

── Não sei se acredito em você, mas vou deixar esse assunto morrer. Dessa vez, você ganhou essa ── disse Delilah, sem muita escolha em relação àquela questão. ── Mas não haverá uma próxima vez.

── Como você quiser. ── Ele aceitou de bom grado. Ela escuta movimento mais uma vez, as rodinhas de uma cadeira girando sobre o chão. ── Isso me lembra que Alfred me pediu para perguntar se você tem planos para o domingo. Dia de ação de graças.

── Alfred? ── ela questionou. ── Não, eu não tenho planos. Eu passo em casa, sozinha. Não costumo comemorar esse feriado. Quer dizer, só se você não considerar assistir Friends e me encher com comida para viagem como algum tipo de comemoração. Mas porque ele quer saber?

── Ele me pediu para te convidar. ── Bruce respondeu e ela não soube identificar se isso incomodava ele ou não. ── Não sei se manter vocês dois juntos é uma boa ideia, mas... se você quiser, seria bem-vinda.

Delilah ficou em silêncio por alguns instantes, pensando sobre o que ele acabou de dizer e como responder. Ela olhou para o prédio a su frente e depois limpou a garganta.

── Posso... responder você mais tarde? ── Disse ela com uma falsa tristeza em seu tom de voz. ── Preciso desligar agora, tenho um compromisso no momento.

── Tudo bem, falamos mais tarde então. ── Bruce concordou. Por um momento, ele parou para pensar e depois a questionar, possivelmente escutando o falatório ao redor dela ── Onde você está? Pensei que estivesse no trabalho.

── Estou no meu horário de almoço. Aproveitei para fazer uma visita na casa de repouso Saint Laurent. ── Delilah responde, o edifício à sua frente, que quase se iguala a uma mansão, ergue-se contra ela.

── Por que não me disse que estava indo falar com a mãe do Stirk? Eu teria acompanhado você.

── São quase 13 horas da tarde, Bruce, e você está acordando agora. ── disse ela.

── Eu não disse que acordei agora.

── Você não precisa me dizer, eu sei. O som da sua voz entrega isso. ── Delilah debochou, e ele não discorda. ──E também o Saint Laurent está perto do meu trabalho, pensei que não custaria nada fazer uma visita rápida. Quando envolver sequestro de idosos ou algo mais radical, eu chamo você, não se preocupe.

Bruce suspirou do outro lado da linha e ela poderia imaginar o revirar de olhos que ele expressou pela fala dela e isso, de certa forma, a divertiu.

── Meu tempo é curto, mas não devo demorar nessa visita ── Ela continuou.

── Sabe o que vai dizer para eles? Não pode ser a verdade, não vão deixa-la entrar se souberem que envolve o falecimento do filho dela ── Bruce comenta.

── Tenho algo em mente ── Delilah respondeu, repensando o que iria dizer e repassando a mentira em sua mente. ── Tchau, Bruce. Entro em contato com você mais tarde para compartilhar o que descobri.

── Tudo bem. Até mais tarde, Delilah. ── Ele fez uma pausa, onde ela pensou que ele desligaria o celular, porém isso não ocorreu até que o homem falou novamente ── Tome cuidado.

── Eu vou. ── Ela garantiu.

Depois que eles se despediram, ela desligou o telefone e o colocou no bolso da parca azul escuro que estava vestindo. Terminou o cigarro em seus dedos, expelindo a nicotina uma última vez e por fim jogando a guimba no lixo próximo a entrada.

Delilah sobe as escadas do edifício e atravessa a porta para a recepção. O interior do lugar é todo pintado de branco, porém o piso no chão tem um design que lembra o estilo da era vitoriana. Azul, branco, preto e dourado formando um desenho que em muito se aproxima de uma rosa. O lugar é grande, bem espaçoso, e há ainda mais quartos no fundo.

Ela caminha até a recepção, onde há um balcão e uma mulher com roupa de enfermeira sentada atrás dele. Jovem e com cabelos castanhos escuros, ela apresenta mechas loiras nas pontas e olhos azuis focados em algo que digita no computador. Ao lado dela há uma mulher negra de cabelos cacheados, que analisa algo em seu celular.

Ao se aproximar, Delilah atrai a atenção da acastanhada que ergue o olhar no momento em que Morgan deixa suas mãos repousarem sobre a superfície plana do balcão de mármore branco.

── Olá, bom dia. Eu meu chamo Delilah Akhman. Estou aqui porque tenho pesquisado casas de repouso ── Disse ela, recebendo um singelo e amoroso sorriso da mulher atrás do balcão. Delilah retribui da mesma forma e estende a mão para mulher apertar, a mesma aceita o cumprimento.

── Karen. ── Ela se apresentou. ── É um prazer conhecê-la. Seja muito bem-vinda ao Saint Laurent. Para quem seria a internação?

── Meu pai. Ele está em uma idade avançada, apresentou indícios de demência e eu não tenho condições de cuidar dele no momento por causa do meu trabalho. Ocupa muito do meu tempo. ── disse a Morgan ── Por isso, estou pesquisando casas de repouso para ele na cidade. Me recomendaram muito o trabalho de vocês e estou aqui para uma visita.

Delilah profere aquelas palavras com bastante tranquilidade. Escolhendo suas palavras com cuidado, seu objetivo é não dar nenhum indício de que seja mentira, mas não acha que seja tão dificil assim mentir para aquela mulher.

── Eu entendo você completamente e fico feliz em poder recebê-la, mas, infelizmente, visitas ao Saint Laurent acontecem apenas com horário marcado. ── A enfermeira respondeu, entregando a ela um panfleto da casa de repouso ── Se você quiser, podemos agendar um horário amanhã às 14hrs, o que acha?

── Infelizmente, não posso amanhã. Por isso estou aqui hoje nesse horário ── Ela explicou ── Não poderia abrir uma exceção para mim hoje? Pode ser algo rápido. Apenas quero conhecer o local, saber se vai ser apropriado para o meu pai. Ele vai precisar de muitos cuidados especiais e eu ando tão atarefada.

Delilah apresentou a ela seu melhor olhar simpático, implorando silenciosamente que a mulher cedesse. A recepcionista passa um tempo ponderando sobre as palavras dela, parecendo um tanto indecisa. Ela troca olhares com a outra mulher.

── Bom , o doutor Altman não está ── diz a outra mulher, dando de ombro. ── Não acho que seria ruim se a visita for mesmo rápida.

── Também não seria um problema leva-la para um pequeno passeio pelo lugar ── Comentou Karen ── Não fazemos visitas hoje, mas tem sido um dia calmo, então não deve afetar em nada.

Karen se levantou de sua cadeira. Delilah sorriu. Ela a observou pedir para outra mulher ocupar o lugar dela na recepção e contornou o balcão para ir até Delilah.

── Será uma visita bem rápida, antes que o doutor Altman volte do almoço ── Disse a mulher ── Me acompanhe, por favor.

Quando elas oficialmente entram na casa de repouso, Karen fala sobre o lugar para Delilah detalhando tudo o que eles costumam fazer com os idosos que vivem ali. Ela explica como é o dia-a-dia deles, como ocorre a divisão dos quartos e desde que idade eles passam a ser aceitos naquela casa de repouso. Ela também acaba comentando bastante sobre os idosos, contando um pouco da história de alguns.

Karen gosta bastante de falar, algo que fica evidente para Delilah em tão pouco tempo. Ela nem mesmo precisa perguntar e a mulher já está comentando sobre. Por mais cansativo que seja escutá-la tagarelando, Delilah olha pelo lado positivo: seria facil conversar com ela sobre Elizabeth Stirk.

A maior parte do tempo, Morgan finge estar prestando atenção. Ela acena, balança a cabeça, faz perguntas básicas, mas na verdade está sempre olhando ao redor, procurando por Elizabeth Stirk no meio de tantas pessoas de meia idade caminhando com andadores ou bengalas, sendo acompanhados por enfermeiras ou jogando truco com alguém.

── Idosos com doenças mais graves costumam ficar em áreas específicas? ── Ela indagou em determinado ponto do caminho que estavam fazendo.

── Costumamos fazer separação específicas com todos ── Respondeu Karen ── Alguns se irritam fácil, outros gostam de seu próprio espaço. São como crianças, por isso precisam de uma divisão que os mantenha em ordem, pelo menos um pouco.

── Entendi ── Delilah assentiu. ── E você disse que hoje está sendo um dia tranquilo. Costumam ter muitos problemas por aqui?

── Não podemos controlar algumas crises, sabe? Mesmo com os remédios, alguns ainda têm lapsos fortes. Se confundem facilmente, chamam por pessoas que já morreram a muito tempo... É algo triste, mas tentamos dar o resto de vida mais tranquilo que eles podem ter. ── afirma a mulher. ── Os problemas não são constantes, mas acontecem de tempo e tempos. Por isso programamos as visitas. Tem dias que alguns estão muito estressados.

Delilah percebeu uma certa tristeza no tom de voz da enfermeira nota-se uma empatia da parte da mulher por aquelas pessoas que ela costuma cuidar. Se for fingimento, ela encena ainda melhor do que Delilah.

── Aqui nós mantemos aqueles que precisam de supervisão com mais frequência. Aqueles que saem de seus quartos de madrugada, tentam fugir ou tem mania de incomodar os outros ── Explicou apontando para um corredor largo. ── Monitoramos eles com mais frequência porque alguns fingem tomar seus remédios também. Depois do pátio temos mais quartos e uma parte do jardim.

O pátio era um lugar aberto no meio do edifício, onde havia uma fonte de água com uma escultura de um golfinho, grama sintética e alguns bancos de madeira.

As duas passaram por quartos com as portas abertas. Karen havia explicado que eles não têm a permissão de manter as portas fechadas até que tenham ido dormir, para a própria segurança dos idosos. Delilah não tinha conhecimento sobre casas de repousos, mas percebia que Saint Laurent parecia ser um lugar caro, principalmente por apresentar tamanho cuidado com os internos e tantas câmeras de segurança espalhadas.

Jeremiah Stirk não parecia ser o tipo de pessoa que ganhava muito dinheiro. Isso a fez questionar como Elizabeth havia parado naquele lugar, quem a mantinha ali.

Passando pela penúltima porta no corredor, Delilah encontrou a própria sentada em uma cadeira de balanço, segurando um lápis e caderno pequeno em suas mãos trêmulas. Percebeu que era ela assim que a encarou. Idêntica às fotos que encontrou na internet, porém mais velha, mais afetada pelo tempo. A pele dela estava bastante enrugada agora. Toda a beleza que Elizabeth Stirk apresentou na juventude se foi, não pela velhice, mas sim pelas marcas que o próprio marido havia deixado nela anos atrás.

Ela tinha cicatrizes no rosto e no pescoço, todas causadas naquele dia fatídico. Elizabeth também não enxergava de um olho e, por mais que seu cabelo tenha crescido novamente, não estava da mesma forma. Agora havia falhas e fios grisalhos que substituíram aqueles escuros que um dia chegaram a ter.

Delilah parou no batente da porta dela. Karen demorou para perceber que Morgan não a acompanhava mais e retornou para ver o que ela observava.

── Ah, essa é a Lizzie ── Apresentou Karen ── Sinceramente, de todos aqui, ela tem sido a mais calma. Faz tempo que não passa por uma crise.

── Ela está aqui há muito tempo?

── Uns 10 anos mais ou menos, talvez mais. Eu entrei há 2 anos, então não sei dizer quando exatamente ela chegou no Saint Laurent. O filho a trouxe para cá, depois que ela recebeu alta do hospital psiquiátrico ── Disse a recepcionista. ── Ela tem uma história tão triste. O marido quase a matou, sabia? Ele a espancou, a esfaqueou... Lizzie não morreu por um milagre, mas ficou com muitas sequelas por conta das pancadas na cabeça. Coisa horrível.

── Alguém sabe o motivo pelo qual ele fez isso com ela? Foi um surto ou as agressões eram algo "normal" nesse relacionamento? ── Delilah olhou para Karen, que estava parada ao seu lado com os braços cruzados.

── Não se sabe nada sobre o que aconteceu naquele dia. A única que poderia contar de verdade seria a Lizzie, mas ela só diz coisa com coisa. ── respondeu Karen ── Os vizinhos na época disseram que ouviram gritos. Fenton estava enfurecido com alguma coisa. As más línguas diziam que ela o traiu, mas não acho que seja verdade.

── Por que não? ── Delilah olhou para a mulher ao seu lado, desviando o olhar de Elizabeth.

── Lizzie amava a família mais do que tudo. Minha mãe conheceu ela naquela época e dizia que, enquanto Fenton era um homem rígido, Elizabeth era uma pessoa doce e retraída. Ela era boa e ele parecia ser... Alguém ruim. Ele nunca a mereceu. Talvez estivesse alucinado com alguma traição e a atacou por causa disso. Depois que viu o que fez, ele se matou. Pra mim, seria a explicação mais plausível.

Delilah ponderou sobre as palavras dela por um momento. Retornando a olhar Elizabeth, notou que a mulher nem ao mesmo se mexeu. Sabia que ela ainda estava viva pois seus ombros subiam e desciam, porém ela não parecia se importar com a presença das duas. Seu olhar estava focado na janela.

── Ele sempre teve muito ciúmes dela?

── Alguns diziam que ele tinha ciúmes até dos próprios filhos ── Karen soltou uma risada amarga. ── Mantinha os dois constantemente dentro de casa. Saiam apenas para ir à escola. Por isso achavam Jeremiah, o filho mais velho, esquisito. Ele nunca teve nenhuma doença, só era uma pessoa retraída por causa do pai que era um homem abusivo.

── Deve ter sido horrível crescer em uma família assim. ── Delilah comentou, focando seu olhar em Lizzie, sentada em sua cadeira de balanço e parecendo distante. ── Você parece saber muito sobre eles, conhecia bem a família Stirk?

── Meus pais chegaram a morar perto deles em uma época, antes de eu nascer e dos dois se mudarem ── Karen comentou, negando conhecer eles tão bem. Tudo o que ela sabia era conhecimento passado por sua própria mãe ── Não eram amigos, mas minha mãe conhecia a família de vista. Falava com Elizabeth algumas vezes. Meus pais se mudaram da casa onde eles moravam depois que incidente aconteceu.

Karen se encostou o ombro no batente da porta, enquanto observava Elizabeth. Naquele momento, Delilah pode analisar melhor o quarto, notar as paredes azuis, a cama simples com uma colcha de flores vermelhas e uma bíblia ao lado da cabeceira, sobre a mesinha.

Também havia uma cruz presa na parede, o único enfeite presente. Não havia qualquer prateleira ou livros. Apenas o armário de Lizzie em um canto e um tapete vermelho no chão.

── Nada era fácil pra ninguém daquela família, mas acho que foi pior para o Jeremiah. Ele sofria muito bullying na escola. Tanto que um dia teve um ataque de raiva aos 15 e quebrou a mandíbula de um colega de turma. Acabou em um reformatório. Dizem que foi depois disso que tudo piorou 100% para os Stirk. ── Karen balançou a cabeça de um lado ao outro, decepcionada. ── Infelizmente, até mesmo a filha mais nova deles, Olívia, teve um fim terrível.

── Como ela morreu?

── Ela cometeu suicidou, assim como o pai. Foi uns 10 anos depois desse incidente ── Respondeu Karen. ── Minha mãe dizia que Olívia era muito linda e encantadora. Chamava a atenção por onde passava, mas quase não falava. Parecia até que era muda. Sabe o que é mais triste de tudo pra mim? Lizzie perdeu tudo e acabou completamente sozinha aqui. Em um lugar onde mais ninguém vai se lembrar dela. Agora que o filho se foi, não sei o que será dela.

── O filho dela pagava pela casa de repouso?

── Sim, todo mês Jeremiah mandava o dinheiro da estadia da mãe aqui ── Assentiu. ── Não sei como vai ser agora que ele morreu. Dissemos para ela o que aconteceu, mas... Não fez diferença nenhuma. Lizzie está tão distante da realidade que ainda não se deu conta que ele nunca mais vai voltar. ── Karen suspirou ── Bom, acho que já falei demais. Acho que devemos continuar a visita antes que-

Um baque alto no corredor chama a atenção de Karen e Delilah, as duas olhando para a direção de onde o som veio, apenas para encontrar um idoso discutindo com uma das enfermeiras. Ele havia jogado a bandeja com os remédios no chão.

── Ah, merda. ── Praguejou Karen, vendo avançar contra a mulher ── Senhor Atkins, por favor não faça isso!

Karen corre até o homem, tentando ajudar a outra enfermeira.

Sozinha, Delilah retorna seu olhar para Elizabeth. O lápis que a mulher segura escorrega de sua mão vagarosamente, caindo aos pés dela. A mulher mais velha não faz nenhum movimento para busca-lo. Morgan vai até ela para devolver o objeto.

── Sinto muito pelo seu filho ── Murmura ela, entregando o lápis para a mulher. Delilah o coloca entre as mãos trêmulas dela. ── e por você também. Nenhuma mulher deveria passar por isso.

Ela se afasta, dando um passo para trás. Delilah espera qualquer reação de Elizabeth, mas ela não parece abalada. Em sua mente, haveria milhares de perguntas que poderia fazer a senhora Stirk, mas todas elas não faziam sentido agora. Não valia a pena tentar atormentá-la, seria infundado.

Mesmo que ela soubesse de algo envolvendo o Ceifador, dificilmente ela diria. Delilah deu as costas para ela, mas parou quando ouviu a mulher dizer algo.

── Jeremiah... ── Disse com a voz rouca e baixa, soando tão debilitada. ── Onde ele está... Jeremiah...

Delilah olhou para ela. Elizabeth olhava pela janela.

── Ele se foi, senhora Stirk. O seu filho...

── Ele esteve aqui. ── Ela respirou profundamente como se falar fosse um grande esforço. Delila piscou os olhos algumas vezes ── Ele esteve aqui... meu menino... ele vai voltar...

── Quando? Quando ele esteve aqui? ── Delila perguntou, dando dois passos na direção da mulher.

── Meu menino... ele veio me ver... ontem... ele veio... ── ela murmurou, olhando para a Morgan com seu único olho bom. ── Ele vai voltar...

── Isso não é possível, ele-

── Ah, ai está você. ── Disse Karen, entrando no quarto e caminhando até Delilah. ── Temos que finalizar nossa visita por aqui, senhorita Akhman. Mas acho que você viu o suficiente, certo?

── Ela disse que o filho dela esteve aqui ── disse Delilah, ignorando a fala da mulher.

── Lizzie fala isso toda a semana, ela já perdeu a noção de tempo a muito tempo ── explicou Karen ── Semana passada ela também dizia, porém Jeremiah não vinha visitá-la a muito tempo. Lizzie é assim, ela sempre diz coisas que não fazem sentido.

Delilah olhou para a mulher mais uma vez, que agora havia retornado a sua posição inicial. Elizabeth Stirk olhava pela janela como se o jardim fosse algo muito interessante, como se fosse a única coisa existente no mundo.

Mesmo ainda receosa, Delilah se afastou, seguindo Karen em direção a porta. Uma última vez, porém, ela olhou para trás, para a mulher na cadeira de balanço. E, dessa vez, ela estava olhando de volta.

Mais tarde naquele mesmo dia, Delilah encontrava-se em Bowery. Passava das 18hrs quando ela desligou o motor do carro em frente ao bar ao lado da delegacia duas quadras depois da delegacia de polícia daquele distrito. O bar do Joe, um velho rival do bar da Izzie em Burnley, era o point da maioria dos policiais e, naquela noite, seria o ponto de encontro de Delilah com Steven Bullock, filho do falecido policial Harvey Bullock.

Ele foi designado aos distritos de Bowery uns 5 anos atrás e desde então era oficial naquela área. Delilah raramente o via, precisou pesquisar fotos na internet para saber como ele era exatamente, pois havia entrado em contato com ele através de uma ligação. Seu contato com o fotógrafo de cenas de crime da polícia, Robert Malone, ainda se mostrava útil, afinal.

Abrindo uma das portas e adentrando naquele espaço, Morgan foi recebida pelo cheiro forte de cerveja e fritura, um ar denso e quente a atravessou. Vozes constantes, o som do futebol na televisão e alguma música country antiga tocando em uma jukebox velha no canto da bar a atingiram de uma vez só. Delilah sentiu que retornava alguns anos no passado enquanto fechava a porta atrás de si e caminhava pelo espaço procurando por Steven.

Naquele horário, ela deveria estar em casa. Estava cansada do trabalho. Gordon a fez sair do necrotério para ajudar com a autópsia de um caso, onde o homem havia sido baleado durante um assalto. O hospital também estava cheio e ela precisou ajudar até o último minuto de seu torno. Ainda fedia a ala hospitalar e a gente morta, entretanto não queria deixar aquele encontro com Steven para depois.

O ponto positivo era poder deixar o frio daquela noite de novembro para trás. Mesmo com o casaco que vestia, as noites em Gotham eram sempre gélidas e assombrosas daquele lado da cidade que era tão próximo do Crime Alley. Suas botas rangem no chão conforme Delilah observa os policiais sentados no bar. O barman a cumprimenta brevemente e ela faz o mesmo ao acenar com a mão.

Morgan o encontra sentado em uma das cadeiras acolchoadas no fundo da sala. Há apenas uma pessoa depois de Steven e ela está comendo uma porção de batatas sozinha, enquanto assiste o jogo na TV. A mesa antes dele está vazia, porém uma garrafa de cerveja vazia permanece no local.

── Steven Bullock? ── Chama Delilah, atraindo a atenção dele. Steven ergue o olhar da caneca cheia de cerveja borbulhante que segura e a encara. ── Delilah Morgan. Fui eu quem te ligou mais cedo. Sinto muito pelo atraso, o trânsito em Burnley nesse horário é péssimo.

── Tudo bem ── ele respondeu enquanto ela retirava o casaco e sentava-se de frente para ele. Steven se inclinou para trás e deixou apenas um braço descansando em cima da mesa. ── Também cheguei a pouco tempo.

Steven não parecia estar em sua primeira bebida. Delilah notou as marcas umidas de uma garrafa de cerveja deixadas para trás sobre a mesa. Isso a fazia pensar que talvez ele não tivesse chegado a pouco, como disse a ela. Porém, Delilah não o questionaria quanto a isso.

Os olhos azuis escuros dele analisaram ela de maneira minuciosa, colocando-a em uma situação quase desconfortável. Steven era um homem branco, possuía uma barba por fazer em seu rosto e seu cabelo estava raspado, agora começando a crescer. Era de um tom de loiro sujo que quase parecia castanho.

── Bom, eu agradeço a você por ter aceitado se encontrar comigo ── Delilah disse, tentando conduzir a conversa. ── Não vou ocupar muito do seu tempo, meus questionamentos serão breves...

── Que decepcionante, pensei que teria a sua companhia por mais tempo ── Disse Steven, levando a caneca de vidro com bebida até os lábios e dando um gole ── Não é todo dia que uma mulher bonita me liga querendo um encontro.

── Isso não é esse tipo de encontro, senhor Bullock. Entrei em contato com você porque preciso saber sobre algumas coisas envolvendo o seu pai e o caso do Ceifador.

Steven revirou os olhos.

── De novo isso? Por que ninguém fala de algo diferente hoje em dia? ── Ele questionou, batendo a caneca sobre a mesa de forma audível. ── E você não precisa me chamar de senhor. Senhor Bullock era o meu pai. Me chama de Steven.

Ele sorriu para ela, achando que estava soando encantador, porém o efeito era totalmente contrário. Talvez fosse a bebida confundindo os julgamentos dele.

── O Ceifador tem aterrorizado a cidade, Steven. É por isso que as pessoas só sabem falar desse assunto. Enquanto ele não for pego, vai ser impossível falar de algo diferente. Pessoas inocentes vão continuar morrendo.

── Quando ele for pego, outro psicopata surge no lugar dele. É só questão de tempo. ── Bullock respondeu ── Essa é Gotham. Fodida pra caralho.

── Eu não ligo pra isso. O que importa no momento é esse caso e eu quero poder ajudar a encerra-lo o quanto antes, então se você puder colaborar, eu agradeceria muito. ── ela tenta não soar rude, controlando seu próprio tom de voz.

── Se quer que isso acabe, recomendo que vá embora. Procura outro lugar para morar... ── ele parou para arrotar ── Todo mundo fala tão bem de Metrópole hoje em dia.

O sorriso meio bêbado não é desfeito no rosto dele, como se tudo o que estivesse falando fosse a coisa mais engraçada do mundo, e ela não pode negar que isso a irrita. Delila não ri ou expressa qualquer reação, ela apenas suspira depois de alguns minutos, questionando se deveria ir embora ou não.

Uma garçonete se aproxima perguntando o que ela quer para à noite e Delilah a despensa. Por mais que uma garrafa de Budweiser fosse tentadora naquele momento, ela não queria que Steven continuasse entendendo aquela situação de forma errada. Ela não estava ali para fazer amizade com ele, só queria respostas. Além disso, estaria dirigindo para casa naquela noite. Beber estava fora de cogitação.

Quando a garçonete se afasta, Delilah retorna seu olhar para ele, apenas para perceber que Bullock já estava olhando para ela. Delilah faz menção de abrir os lábios para dizer algo, porém Steven é mais rápido.

── Sabe, você tem uma beleza bem peculiar ── Ele comentou, fazendo-a arquear uma sobrancelha ── Seus pais são indianos ou o que?

── Não, eles não são.

── Mas você não é daqui, né? Não parece ser.

── Eu acho que isso não vem ao caso agora, Steven ── Delilah soa ríspida ao respondê-lo. ── Estou aqui por algo mais importante.

── Eu só estou curioso, não precisa ficar estressada. ── Ele ergue as mãos para o alto, fingindo estar se rendendo e imediatamente assumindo uma postura defensiva.

── Olha, vamos apenas direto ao assunto, ok? Preciso saber se você sabe algo sobre o caso do Ceifador. Eu sei que o seu pai era parceiro do Jim Gordon, ele esteve inteirado com esse caso no passado e quase chegou a prendê-lo. ── disse ela ── O que você sabe sobre?

── O que eu sei é o que todo mundo já sabe ── Disse Steven. Em seguida ele parou, pensou e deu de ombros. ── Quer dizer, nem tudo.

── Como assim?

── Tinha uma coisa que a polícia não noticiou. Algo que o DPGC fez questão de esconder ── Steven deu um longo gole em sua bebida, enquanto Delilah o encarava com expectativa. ── Eles tinham um suspeito.

── Um suspeito? ── Ela indagou, franzindo o cenho.

── Sim, um suspeito. ── Assentiu o policial ── Meu pai me contou. Ele mesmo estava investigando esse cara, mas não deu em nada. Acho que ele tinha um álibi ou algo assim.

── Sabe qual era o nome desse suspeito? ── Delilah perguntou.

── Ah, eu acho que já contei demais pra você, imprensa── comentou Steven

── Eu não sou da imprensa, Steven. Eu-

── Se quiser que eu te conte mais alguma coisa sobre isso, ── Ele a interrompeu. Inclinando-se para frente, Steven diz aquelas palavras lentamente e em um tom que apenas ela possa escutar. ── vai ter que trabalhar para isso.

Sorrindo, ele leva sua mão esquerda para repousar sobre a dela, que está em cima da mesa. Quando Delilah tenta afastar a mão, Steven a segura pelo pulso.

── Me solta ── Ela disse, friamente.

── Não tente se fazer difícil, eu sei que você não veio aqui à toa, gracinha ── Bullock respondeu. Para um homem semi-bêbado, ele tinha um aperto forte. ── Você não é como as garotas que eu costumo ficar, mas deve servir. ── ele sorriu. ── Não sendo uma terrorista, dá pro gasto.

── Vai se foder. Eu já disse para me soltar ── Insistiu a mulher, entre dentes cerrados.

Quando Delilah faz menção de tentar afastar a mão mais uma vez, Steven segura com mais força. Um aperto de ferro em torno do pulso que a impede de se afastar.

── Eu vou dizer exatamente o que você vai fazer. Vai ser uma boa garota, vai levantar e ir até o banheiro ── Disse Bullock, sem tirar os olhos sobre ela. ── Se não fizer isso, eu acabo com você.

Delilah o encarou de volta, seu olhar rivalizando com o dele e sentindo a raiva subindo por seu corpo.

── Temos um acordo, boneca? ── Ele indagou.

Ela respondeu usando a mão livre para torcer o dedo dele que lhe segurava, fazendo-o uivar de dor.

── Não, nós não temos. ── Respondeu Delilah, afastando-o dela.

Quando estava livre e ele ainda se recuperava da ação inesperada dela, Delilah pegou seu casaco e colocou-se pé, visando deixar aquele lugar antes que acabasse chamando mais atenção.

── Onde você pensa que vai, vadia? ── Exclamou Steven, segurando-a pela curva do braço enquanto Delilah passava por ele.

Instintivamente, e em um piscar de olhos, ela pegou a garrafa de cerveja deixada na mesa ao lado e a acertou contra a cabeça do policial. A garrafa se desfez em milhares de pedaços que caíram no chão sobre os pés dos dois.

A ação deixa Steven tonto e vulnerável, dando a brecha que Delilah precisa para segurar o braço dele e torná-lo atrás das costas. Ela o guia até o balcão e prensa o rosto dele contra a superfície de madeira fria, segurando-o pelo pescoço com a mão livre.

── Porra! ── ele exclamou, seus dentes cerrados. ── Me solta!

── Tente encostar a mão em mim de novo e eu faço muito pior, entendeu? ── Delilah disse, forçando-o com a mão enquanto o mesmo se debate. ── Você entendeu?!

── Sim... ── Mesmo a contragosto e ofegante, ele responde.

Delilah o segura por mais alguns segundos quando finalmente o solta. Sentindo seu coração batendo contra os seus ouvidos e repensando sobre tudo o que acabou de fazer, ela dá as costas para ele e caminha até a saída.

── Isso não vai ficar assim, vadia! ── Ele grita, enquanto Delilah se afasta. Os olhos no bar voltados para ela. ── Eu sou um policial, sua puta! Você vai pagar por isso!

Fechando a porta atrás de si com força, todos os insultos dele permanecem trancados do lado de dentro do estabelecimento. Delilah massageia o pulso dolorido, indo até o seu carro e finalmente parando e respira fundo

Ela olha para as próprias mãos trêmulas com a chave do carro entre os dedos. Sua mente ainda tenta processar tudo que acabou de acontecer. Parecia que um surto de adrenalina havia passado por todo o seu corpo para que tal ação fosse possível, pois Delilah nunca se imaginou sendo capaz de tamanha agressão.

Não que Steven não merecesse. Ela sabia que apenas se defendeu. Porém tudo o que aconteceu foi tão rápido e fora do comum que Morgan ainda estava assimilando.

── Preciso ir pra casa... ── ela murmura para si mesmo. Destrancando o carro, ela entra, senta e fecha a porta.

A necessidade que sente em voltar para casa é grande e Delilah se apressa para que isso seja feito o quanto antes. Ela quer esquecer aquela noite, se afastar de The Bowery e de Steven o mais rápido possível, porém tudo o que consegue são tentativas falhas de ligar seu veículo. Tudo o que aconteceu antes se repetiu.

O carro não dá partida. Delilah gira a chave 4 vezes e o motor não ganha vida, assim como aconteceu dias atrás. Ela continua tentando, apenas para se frustrar mais e, com raiva, socar o volante várias vezes para descontar toda a frustração que sente.

Quando ela para, fios de cabelo se soltaram de seu rabo de cavalo, caindo sobre seu rosto enquanto ela ofega e segura o volante com as duas mãos. Delilah encosta sua testa contra ele, respirando fundo várias vezes e fechando os olhos, pois parece infantil chorar em um momento como aquele.

Um suspiro entrecortado deixa seus lábios quando, após algum tempo, acalmando a si mesma, Delilah ergue a cabeça e olha para frente. A rua está deserta naquela hora da noite. Poucos ônibus e táxis estão em circulação. Há uma estação de trem próxima dali, o qual ela imagina que seja sua melhor opção. Seria mais rápido e mais em conta. Só teria que andar um pouco, o que não seria totalmente seguro.

Ela também pensa em ligar para alguém. Alistair e Pietra vem à sua mente, mas ela não tem forças para explicar para eles os últimos acontecimentos. Também sabe que Gilcrest está de plantão durante aquela semana e Carroll parecia inacessível desde aquela noite na Universidade. Ela poderia ligar para Bruce, mas isso também não parecia certo.

Narrows não era tão longe. Delilah retirou a chave da ignição, saiu do carro com seus pertences e o trancou, deixando aquela lata velha para trás enquanto seguia pela calçada até o metrô mais próximo. Talvez Bruce estivesse certo, afinal. Ela realmente precisava se desfazer daquele carro o quanto antes.

Apertou o passo quando a chuva começou a cair. Delilah colocou o capuz sobre a cabeça para se proteger e cruzou os braços na frente do peito, enquanto caminhava de cabeça baixa. Ela queria tirar Steven Bullock de sua mente, mas continuava pensando no que ele fez, na forma que ele agiu. Bruce disse que não o achava uma boa pessoa, porém Steven se mostrou ainda pior do que o esperado.

Quando estava se aproximando da descida da estação, após virar a esquina, avistou um grupo de quatro homens subindo as escadas. Eles estavam rindo e um deles jogou uma lata de cerveja contra o prédio ao lado. Uma mulher mais baixa e usando um sobretudo bege foi abordada por eles. Ela gritou quando um deles roubou a bolsa dela, erguendo-a acima da cabeça para que a mulher não pudesse pegá-la.

── Socorro! ── disse a mulher, desesperada.

── Para de grita, porra! ── um deles colocou a mão contra a boca dela, calando-a. Todos vestiam casacos de couro, mas esse era o único que estava de jaqueta jeans.

No mesmo instante, Delilah parou. Eles ainda não haviam visto ela. Um deles imprensou a mulher contra a parede, enquanto ela chorava de pavor e o homem, que era careca e tinha tatuagens no pescoço, se divertia com o pavor dela. Delilah sentiu uma necessidade de intervir, porém de nada serviria levando em conta que eles eram 4 e ela apenas uma. Ela deu um passo para trás, decidida a se esconder e ligar para a policia, quando seu celular começou a tocar.

Ela rapidamente retirou o celular do bolso, praguejando enquanto os homens notavam sua presença. Ela viu o nome de Bruce na tela, mas desligou na hora, apressadamente.

── Ei, você! ── Gritou um dos homens, o mais alto deles. Ele usava uma touca na cabeça e andou na direção dela. No mesmo instante, Delilah deu as costas para ele e correu.

Ela escutou os passos atrás de si. Olhou para trás e notou dois deles correndo atrás dela, os outros ficaram para trás segurando a outra mulher. Delilah continuou correndo sem desacelerar. Eles apertaram o passo assim como ela fez, rindo e instigando-a a fugir, conforme a chuva tornava-se mais forte.

Seu coração estava acelerado, a garganta apertada. Delilah sentiu-se em uma espiral quando suas botas rasparam pelo chão. Nem ao menos sabia para onde estava indo, apenas sabia que não deveria se deixar ser alcançada.

Porém uma mão forte segura o capuz de seu casaco, puxando-o para trás. O braço do homem envolve seu pescoço e ela tenta falhamente retirá-lo com as duas mãos.

── Peguei você ── Ele diz com tamanha satisfação que a deixa enojada. Delilah morde o braço dele com força o suficiente para fazê-lo gritar e soltá-la. ── Essa puta me mordeu!

Ela se afasta, porém o outro a alcança antes que possa correr e a arrasta para o beco mais próximo, onde os dois a jogam no chão com força, sua mochila cai. A poça de chuva abaixo dela molha suas roupas, suja suas mãos e seu rosto. Delilah vira-se para eles. O mais alto, aquele que ela mordeu, retira um canivete do bolso, fazendo-a parar exatamente no lugar em que está..

── Só não se mexer muito, gracinha ── Disse o homem com o canivete reluzindo em sua mão. ── A gente não vai pegar leve com você, mas vai ser ainda pior se você tentar alguma coisa de novo.

Eles riem, enquanto aquele homem se aproxima vagarosamente. Delilah sente o pânico ressurgir, dessa vez mais forte do que antes. Ela olha para trás, mas não tem para onde fugir. O beco é sem saída.

Ela não vai implorar para que eles a deixem ir, sabe que não funciona assim. Demonstrar fraqueza apenas os instiga a serem ainda piores e a perseguição parecia ter sido divertida o bastante pelo restante da noite. Ela não daria a eles mais satisfação, mas também não sabia o que fazer. Dois contra um não era justo.

A luz do poste acima de sua cabeça piscou, tremeluzindo duas vezes antes de se apagar, deixando-os totalmente no escuro. Um vulto sobrevoando por cima deles, chama a atenção. Os homens olham ao seu redor, um vento frio cortante deixa o ambiente ainda mais pesado e carregado.

Algo que Delilah desconhece está acontecendo. Ela não consegue ver nada, muito menos entende o que deixa aqueles homens em pânico, até que a luz se acenda novamente e, ao invés de duas pessoas ao seu redor, há agora três.

Nas sombras, atrás daqueles dois homens, ela encontra o contorno dele. Apenas sua presença maçante é capaz de assustar aqueles que estão ao lado dela. Os dois homens notam primeiro, seus olhos se arregalaram e eles parecem em pânico, dando passos para trás, o espanto gravado em suas expressões faciais é evidente.

Em retorno, eles encontram olhos inibidos pelas sombras e uma armadura escura tão familiar. Todos sabiam quem ele era. Delilah, assim como eles, reconhecia o vigilante de Gotham. E agora ele estava bem ali. Batman.

AUTHOR'S NOTES.

I. | Capítulo de hoje demorou, mas saiu! Tive algumas complicações, mas consegui posta-lo ainda hoje. Não sei dizer se gostei dele, mas espero que tenha ficado do agrado de vocês. Me esforcei muito para que essa atualização saísse ainda hoje.

II. | Queria avisar vocês que provavelmente ficaremos sem atualização de ID por algum tempo, novamente. Vou dar uma pausa nas postagens para pré escrever mais capítulos. Devo postar pelo menos o capítulo 10 em maio, mas as atualizações recorrentes voltaram no mês seguinte. Espero que entendam.

III. | O gif acima foi feito pela maravilhosa, Rhys (khaleesisword). Agradeço novamente por essa maravilha, eu amei. ♡

IV. | Não se esqueçam de votar e comentar! Votos e comentários me motivam muito a continuar essa história e eu amo poder interagir com vocês, saber o que vocês estão pensando e quais são suas teorias.

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