Capítulo 2

— Halt! Como foram as férias? — o homem ruivo, de mais ou menos trinta anos, perguntou enquanto apertava as mãos do mentor.

— Boas — respondeu simplesmente antes de se virar para o alvo, a vinte metros de distância. Colocou o binóculo sobre os olhos e observou as flechas que o aluno atirara antes dele chegar. — Mas, pelo visto, as suas nem tanto. Quantas vezes pegou no arco nesses três meses?

O homem abaixou a cabeça, constrangido.

— Desculpe, Halt. E-eu fiquei com... anh... com preguiça...

— Preguiça? — ele arqueou uma das sobrancelhas, claramente desapontado. — Mas para assistir suas séries não, imagino?

— B-bem... — a pele super alva do homem ganhou uma cor ruborizada enquanto tentava se explicar, mas Halt o interrompeu:

— Não precisa arranjar desculpas — falou, olhando mais uma vez para o alvo com a ajuda do binóculo. —  O que precisa mesmo é voltar a praticar. Ajeite esses pés e a postura. Fique ereto e lembre-se que é com as costas que se puxa a corda — conforme falava, o aluno ia se corrigindo. O mentor assentiu, satisfeito, e deu as costas para o ruivo. — E nunca se esqueça de praticar nos finais de semana também. 

— S-sim, senhor! — disse rapidamente, e em seguida atirou uma flecha.

Halt passou pela fileira de arqueiros — sete no total —, cumprimentando a todos e entrou em sua sala, deixando os alunos sobre os cuidados do instrutor que ele havia contratado. Olhou para a pilha de papelada em cima de sua mesa e soltou um longo suspiro.

E a rotina recomeçava.

Embora tivesse se formado em direito, Halt decidiu não atuar nessa área. Não fazia o seu tipo ficar em uma sala o dia todo encarando processos. Resolveu então aproveitar seu talento incrível na pontaria — e conhecimento adquirido com os ensinamentos de seu avô — para abrir uma escola de arco e flecha na cidade vizinha à sua.

Ele só não esperava que, mesmo assim, ele não conseguiria escapar da papelada...

Mas pelo menos ele não ficava todos os dias em um escritório. Às vezes ele dava aulas de tiro em instituições militares e acompanhava seus alunos do arco e flecha em competições pelo país. Sendo assim, não era uma profissão de todo entediante. Então ele já estava satisfeito.

🔥⚡🔥

Já passava do meio dia quando Halt assinou o último papel. Ele se levantou da cadeira e saiu da sala, onde dispensou o instrutor para que o mesmo pudesse almoçar. Sentou-se em uma cadeira, atrás da linha de tiro e ficou observando os arqueiros atirarem incansavelmente uma flecha atrás da outra. Quando todas as aljavas que comportavam quatro flechas se esvaziaram, Halt apertou um botão ao lado da cadeira, que ativou um sinal vermelho em uma pequena televisão acima das cabeças dos atiradores. Esse era o sinal para que eles pudessem buscar suas flechas e conferir seus resultados.

Quando todos voltaram, com as quatro flechas na aljava, Halt apertou novamente o botão, que ativou um sinal verde na tela. 

E todos voltaram a atirar.

Durante uma hora e meia, o homem moreno ficou ali, sentado, corrigindo vez ou outra os erros dos alunos e apertando o botão. Ele suspirou. Haviam apenas veteranos praticando aquela hora, e, portanto, não havia muito o que se corrigir. Halt gostava mesmo quando algum novo aluno chegava. Assim, ele tinha bastante coisa para corrigir e broncas para dar. Caso contrário, o trabalho de apertar o botão e observar os veteranos praticarem chegava a ser tão entediante quanto assinar a papelada. 

Finalmente, mais ou menos duas horas da tarde, o instrutor contratado, Fernando Saad Pulino (até hoje Halt não descobrira a origem de tal nome tão estranho), chegou e assumiu seu lugar, deixando Halt voltar para a sua sala. Como a escola reabrira naquele dia, não havia muito a ser feito, afinal, além do aluguel, contas de luz e água e a burocracia chata, não houve movimento algum durante os últimos três meses. Não haviam alunos novos para fazer a matrícula, e nenhum objeto sendo comprado. Sendo assim, ele apenas ficou sentado em frente ao computador, checando alguns e-mails e vendo as últimas notícias para se atualizar, já que ficara longe da civilização durante as férias.

Lá pelas quatro da tarde, dominado pelo tédio, Halt saiu da sala e foi até a linha de tiro, onde Fernando observava com uma expressão entediada os arqueiros atirarem incansavelmente nos alvos estáticos. 

— Pode ir para casa — disse Halt para o instrutor, que ergueu a cabeça em sua direção, um pouco entorpecido. Ele devia estar com a consciência longe. 

— Desculpe, Halt, não o ouvi.

Ele repetiu a ordem.

— Puxa, mesmo? Obrigado! — Fernando exclamou animado, levantando-se em um salto.

— Não se acostume com isso— alertou Halt, sem se dar ao trabalho de levantar a cabeça para encarar o rosto do instrutor claramente feliz. 

Sim, para se dirigir ou dar alguma ordem para Fernando, o moreno tinha que levantar a cabeça. Não por ser exatamente um homem baixo, mas era difícil competir com o instrutor de quase dois metros de altura que, se não fosse pelo corpo extremamente magro e desprovido de músculos aparentes (pois Fernando conseguia ser muito forte, apesar da magreza), conseguiria facilmente se passar por um jogador de basquete. Logo, mesmo não sendo tão baixo assim, a diferença de altura entre os dois chegava a ser quase de vinte centímetros. 

— Eu sei — riu. Ele deixara de se intimidar com o mau-humor do chefe há muito tempo. — Até amanhã, Halt. Minha esposa ficará contente.

Com um aceno, ele pegou suas coisas, despediu-se dos cinco arqueiros que estavam atirando e foi embora com um sorriso no rosto.

E assim, o dia se arrastou até dar a hora de fechar a escola. Os últimos alunos recolheram as suas coisas e foram para suas casas enquanto Halt se encarregava de suas últimas tarefas na escola: trocou os alvos perfurados e varreu a linha de tiro. Organizou os arcos e as flechas e limpou os vidros. 

Quando estava apagando as luzes, já com a chave na mão para poder trancar as portas, a campainha soou. Halt apagou as últimas luzes rapidamente e foi até o portão.

— Estamos fechados — falou para o homem de atrás do portão.

— Oh, eu sei. E é por isso mesmo que estou aqui — falou calmamente.

Halt ergueu uma sobrancelha, confuso.

— Como posso lhe ajudar?

— Quero uma aula experimental.

— Você sabe a definição de "fechado"? — ele observou atentamente o homem a sua frente, em busca de qualquer sinal que indique ele tem algum problema mental ou algo do tipo. Mas não. Aparentemente, ele era um homem comum. Negro, cabelos brancos e olhos pretos como o céu naquele instante. Meia idade. Parecia um advogado, juiz ou algo do tipo, mas nem um pouco louco. — Volte amanhã, quando estivermos abertos, e você poderá ter uma aula experimental.

— Amanhã não poderei ir.

— Então volte depois de amanhã.

— Talvez eu não possa também.

— Volte quando puder, oras — Halt fez um esforço tremendo para não revirar os olhos, bufar e fechar a cara, como sempre fazia. Mas, para não perder um possível cliente, ele não o fez. 

— Eu tenho dinheiro. Posso pagar pela aula experimental. 

— Tudo bem.

— Tudo bem o quê? Irá me dar a aula agora?— o olhar esperançoso do homem, igual aos de uma criança ao entrar em uma loja de doces ao lado da mãe, surpreenderam Halt.

— Novamente: você precisa de um dicionário para consultar o significado da frase "estamos fechados"? — o brilho no olhar do homem se apagou. 

— Você não se importa de perder um possível aluno? — perguntou o homem, cruzando os braços.

Halt deu de ombros. Sim, se importava. Mas ele tinha um compromisso e não podia demorar.

— Se você quer tanto assim fazer arco e flecha, não se importará de vir outro dia. Além disso, tenho um compromisso dentro de meia hora, e eu realmente não gostaria de me atrasar. 

O homem negro suspirou, derrotado, mas Halt teve a sensação de ver um brilho de satisfação no olhar dele.

— Tudo bem. Darei um jeito de ir amanhã, no horário.

— Fechamos às sete.

O homem se virou, mas Halt, curioso, chamou a atenção dele novamente, fazendo com que se virasse.

— Como você se chama?

— Elijah — e então se virou, ajeitando o sobretudo e recolocando o chapéu trilby na cabeça, embrenhando-se no breu da noite sem estrelas, como uma sombra. Halt ficou parado durante alguns instantes, observando o homem negro desaparecer. Sem que percebesse, um calafrio atravessou sua espinha. 

Riu sozinho e se virou para trancar a última porta.

Era um nome engraçado.

🔥⚡🔥

Opa, opa, ooopa. Alerta de pessoa conhecidaa.

Como sempre, Halt está bem mal-humorado, mas vocês também notaram que ele está um pouquiiiiinho menos como um coice de mula e mais como apenas uma rabada de cachorro?
Quais são as suas teorias para o motivo de tanto mau-humor com nossa querida Alyss no futuro?

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