*2 - Cigana*
"Um dia uma cigana leu a minha mão
Falou que o destino do meu coração
Daria muitas voltas
Mas ia encontrar você."
*Narrador
29 de outubro de 1994 - 21h37 P.M
Samuel estava jogado em sua cama, a música que tocava em seus fones de ouvido era "Ordinary World" do Duran Duran, o garoto batucava os dedos na cabeceira da cama no ritmo da música. Ele se assusta quando tem os fones arrancados das orelhas, o mesmo abre os olhos e se senta na cama rapidamente.
- Porra, Dinho! - ele fala irritado. - Que susto, cara.
- Estou te chamando já tem quase duas horas e você aí viajando. - Dinho resmunga. - Levanta essa bunda branca daí e vai se trocar, temos show, esqueceu?
- Como esquece? Estou contando com esse dinheiro. - Samuel fala se levantando.
- Olha, conseguiu tirar ele da cama?! - Sérgio pergunta em um tom irônico ao entrar no quarto. - Só fica enfurnado dentro do quarto, não sai pra pegar um sol, uma vitamina C, nada... 'Tá igual um vampiro.
- Quantos adjetivos pro seu irmão. - Dinho da risada. - Mas é verdade, Sam, por que não apareceu no futebol ontem?
- Porque ele viu a Patrícia aos beijos com um cara. - Sérgio responde pelo irmão, esse que revira os olhos e abre o guarda-roupa pra pegar uma muda de roupa.
- Porra, Sam! - Dinho xinga. - Vocês já terminaram já tem três meses e você ainda fica assim quando vê ela com outro? Isso aí é não é falta de vitamina C não Sérgio, é falta de beijar umas bocas.
- Não fode, Dinho. - Samuel fecha a porta do guarda-roupa irritado e tira a camiseta, colocando uma limpa. - Você ficou meses choramingando quando terminou com a Mariana.
- Isso não vem ao caso. - Dinho pigarreia.
- Fiquem aí batendo papo que eu vou ir buscar o Bento. - Sérgio fala e suspira. - Já estamos atrasados.
- Ainda são nove e quarenta, Sérgio. - Samuel fala sem ânimo.
- Mas daqui até Itaquaquecetuba é quase uma hora pra ir e mais uma hora pra voltar e ainda precisamos montar os instrumentos e passar o som. - Sérgio retruca.
- Bom, você vai buscar o japonês e eu vou animar o Samuel.
...
O relógio no pulso de Samuel marcava onze e dez da noite, ele olha ao redor e suspira ao ver que a balada estava enchendo cada vez mais.
- Se continuar com essa cara fechada não vai pegar ninguém. - Júlio fala e Dinho da risada.
- Eu não quero pegar ninguém, só vim aqui porque o Dinho disse que seria rapidinho e adivinha? Faz quase duas horas que estamos aqui, podemos ir pra feira logo? Sérgio e Bento já devem ter chegado.
- Você é chato, hein. - Dinho resmunga e Samuel revira os olhos.
- Passar duas horas em uma balada não vai me fazer esquecer a Priscila mais rápido, cabeção.
Os três seguem para fora da balada e caminham alguns minutos, a praça onde iriam realizar o show não era tão longe e por esse motivo não demoraram para chegar.
- Será que o Bento e o Sérgio já chegaram? - Júlio pergunta enquanto eles caminhavam entre as barracas e Dinho nega.
- Acho que não, ele disse que iria buscar o Bento e depois iria buscar a Vitória. - Dinho fala. - Ele tá gamadão na mina, pelo visto.
- E ela parece estar afim dele também. - Júlio fala e para de andar. - Olha ali, tem até barraca de cigana.
- Sério? - Dinho olha na direção da barraca. - Vai lá, Samuel!
- Eu? Por quê eu? - Samuel pergunta confuso.
- Porque você é o único que está aí todo capenga pelos cantos depois de ter terminado. - ele fala e Júlio encara Samuel.
- Ainda, Sam? - Júlio pergunta e Samuel revira os olhos.
- Vai lá, Sam e pergunta sobre sua próxima namorada, sei lá. - Dinho da um esbarrão de leve em Samuel.
- Não vou perder tempo e dinheiro com essas coisas, Dinho. - Samuel resmunga.
- É de graça, cabeçudo. - Dinho insiste. - Se você for e ficar mais de cinco minutos eu te dou cem reais.
- Cem reais? - Júlio e Samuel perguntam em uníssono.
- Mas tem que ficar mais de cinco minutos lá dentro. - Dinho fala e Samuel o encara por alguns segundos, mas logo assente.
- Vai ser o dinheiro mais fácil que eu vou ganhar em toda a minha vida. - ele fala indo em direção a barraca.
Antes de entrar o mesmo se vira e vê Júlio e Dinho o encarando, eles fazem movimentos com a mão indicando para que Samuel fosse logo. O mais novo revira os olhos e entra na barraca, sentindo um arrepio percorrer o seu corpo ao ver a senhora sentada em frente a uma mesa branca e com algumas cartas e cristais espalhadas sobre a mesma.
- Está com medo? - a voz da mulher era calma e serena, ela faz um movimento com a mão indicando para que Samuel se sentasse.
O garoto engole em seco e pensa em sair da barraca, mas desiste ao lembrar da zoação que os amigos fariam com ele. Lutando contra a sua vontade ele se senta e encara a mulher a sua frente.
- O que quer saber? - ela pergunta e ele segura a risada, mal tinha começado e a mulher já estava deixando clara que não passava de uma charlatã?
- Você deveria saber o que eu quero saber, não é? - ele pergunta, mas sem nenhuma grosseria em sua voz.
- Não é assim que funciona, mas já que quer dar uma de espertinho. - a mulher sorri e segura a mão dele, Samuel sente novamente um arrepio percorrer seu corpo ao ter as mãos ásperas e frias da mulher contra a sua. - Eu vejo um amor.
- Então procura direito, porque ela já foi embora. - Samuel resmunga ao lembrar de Priscila, ele olha para o relógio em seu pulso e vê que só havia passado dois minutos.
- Não, não esse amor. - ela fala ainda encarando sua mão. - Isso não foi amor, foi perda de tempo.
Samuel encara a idosa, ela estava concentrada e deslizava a ponta do dedo entre as linhas da mão de Samuel.
- O Dinho fala a mesma coisa, estou achando que ele combinou alguma coisa com a senhora. - Samuel resmunga.
- Ela te traiu, não foi? - ela pergunta e Samuel arregala os olhos.
Ninguém sabia o motivo real do término dele com Patrícia, nem mesmo seus pais ou seu irmão, apenas ele sabia.
- Certo, eu acho melhor eu ir. - Samuel fala fazendo menção de se levantar, mas a mulher segura sua mão com mais força, fazendo ele engolir em seco.
- O destino do seu coração deu muitas e muitas voltas, garoto, mas você finalmente vai encontrar a sua alma gêmea. - ela fala com um sorriso no rosto. - Está escrito nas estrelas e o caminho de vocês é guiado pela lua.
- Olha, minha senhora... - ele tenta falar, mas é interrompido.
- Você vai se apaixonar quando seus olhares se encontrarem pela primeira vez e vai ver que valeu a pena esperar. - ela continua e Samuel nega, mas não consegue evitar a preocupação e curiosidade quando o sorriso da senhora se desfaz.
- O quê? - ele olha pra ela e olha para a mão dele. - O que a senhora viu? - ele pergunta apreensivo.
- Ela vai ser o amor que você sempre sonhou, querido. - a mulher fala com a voz embargada e os olhos marejados, mas a sua expressão era de tristeza e isso deixava Samuel ansioso.
A idosa solta a mão dele e ele se levanta rapidamente.
- Eu preciso... Eu preciso ir. - ele fala e se vira, puxando o pano que servia como porta para a barraca e quando está prestes a sair esbarra em alguém.
Ele segura a garota pela cintura e ela se vira, olhando em seus olhos. Samuel sente o coração acelerar e um sentimento inexplicável no peito quando seu olhar vai de encontro com o dela, ele não sabe quanto tempo ficou perdido nos olhos castanhos da garota, mas foi disperso de seus pensamentos com um grito de Dinho.
- Ô Samuel! Olha lá, quase passou por cima da menina.
- Foi mal. - Samuel fala sem graça ignorando o amigo e olhando para a garota. - Eu não vi que você estava entrando.
- E eu não vi que você estava saindo. - ela sorri sem graça.
- Te machuquei? - ele pergunta em um tom preocupado e ela nega.
- Foi só um esbarrão, vou ficar bem.
- Vamos logo, Samuel, você namora depois. - Dinho grita novamente e dessa vez impaciente.
- Me desculpa, mais uma vez. - ele fala e passa por ela rapidamente seguindo até Dinho e Júlio.
- Porra, eu falei cinco minutos e você ficou lá dentro durante vinte minutos. - Dinho resmunga e Samuel o encara como se ele fosse louco.
- Que vinte minutos, só passou... - ele olha para o relógio em seu pulso novamente e vê que realmente haviam se passado vinte minutos.
Mas isso era impossível, ele tinha certeza que não tinha demorado tudo isso dentro da barraca.
- Eai, como foi? - Júlio pergunta ansioso.
- A mulher falou nada com nada. - Samuel fala passando as mãos no rosto, tentando disfarçar o nervosismo. - Vamos logo pro palco que o Sérgio e Bento já devem ter chegado.
...
A penúltima banda já havia saído e os meninos estavam montando os instrumentos, Samuel afinava o baixo e tentava não prestar atenção na conversa de Sérgio e Vitória, a garota em determinado momento suspira nervosa e desce do palco.
- O que aconteceu? - Samuel pergunta se aproximando do irmão.
- Ela trouxe a irmã dela com ela e a irmã dela sumiu e ela não encontra em lugar nenhum. - Sérgio responde. - Ela está preocupada.
- Mas a irmã dela aparenta ser maior de idade, não entendo esse desespero todo. - Bento fala e Samuel percebe que os cinco estavam próximos o suficiente para ouvirem o que o outro falava.
- Qual o nome da menina? A gente grita por ela no microfone. - Dinho fala pegando o microfone e Júlio toma o microfone da mão dele. - O quê?
- Que ideia de jegue, ela vai encontrar a menina. - Júlio resmunga e Samuel dá risada. - Mas qual o nome dela?
- Pelo que eu entendi o nome dela é Sol. - Bento faz careta. - Ela é meio quietona, mas tem cara de ser legal.
- Quem que chama Sol? - Dinho pergunta e dá risada, Sérgio joga a baqueta na direção do mesmo e acerta seu cotovelo. - Aí, porra!
- Para de zoar minha cunhada!
- Que cunhada, meu filho? Vocês não estão namorando. - Dinho fala enquanto esfregava onde Sérgio tinha acertado com a baqueta. - E se você ficar enrolando vai ficar sofrendo depois igual o Sam.
- Sérgio, empresta aí a outra baqueta que agora eu vou dar com ela na cabeça dele. - Samuel fala irritado e Sérgio gargalha. - Esse animal me tirou pra cristo hoje.
- Ô gente, acho melhor começarmos logo. - Bento fala chamando a atenção dos amigos. - As pessoas estão se dispersando, se não conseguimos um bom público não conseguimos o contrato pra tocar nas outras feiras.
- O Bento tem razão, vamos começar logo. - Júlio fala se posicionando.
Dinho anuncia no microfone que vão começar e logo começa o início de Bichos Escrotos. O show foi um sucesso e isso deixou os meninos em êxtase, a plateia cantava e pulava aos sons das músicas que os meninos tocavam e era possível ver a feição de satisfação do contratante ao lado do palco, eles sabiam que tinham conseguido o contrato e isso era uma conquista gigante.
Sérgio apesar de estar animado, também estava preocupado. Vitória estava ao lado do palco com os braços cruzados, olhos marejados e a pressão angustiada, durante a uma hora e quarenta de show, era possível ver ela passando entre as pessoas e procurando pela irmã, mas não a encontrou.
Após eles encerrarem a última música e ganharem uma salva de palmas o público começa a se dissipar, já era tarde e a feirinha estava fechando, pois o relógio já marcava duas e quarenta da manhã.
- Vocês foram ótimos, meninos. - Marcelo, o responsável pela feirinha e o contratante das bandas fala ao se aproximar dos garotos. - Amanhã eu ligo pra vocês para conversarmos sobre valores e agendas, pode ser?
- Claro, senhor Marcelo. - Júlio fala animado. - Estaremos esperando.
Marcelo assente e se despede dos cinco com um aperto de mão, assim que o homem desce, Sérgio segue até Vitória e a segura pelos ombros.
- Você está bem? - ele pergunta preocupado e ela nega.
- Eu não achei ela, Sérgio. - a voz embargada dela fez com que o coração do rapaz se apertasse. - Eu não encontrei ela, como vamos embora?
- Nós vamos dar um jeit... - ele é interrompido por uma trovoada, essa que fez com que Vitória estremecesse e arregalasse os olhos. - Vi, onde você vai? - ele pergunta confuso ao ver a garota sair correndo embaixo de chuva.
- A Sol tem medo de trovão, eu não posso deixar ela sozinha. - ela fala e volta a correr entre as barracas.
- Merda! - Sérgio xinga e olha para os amigos. - Vocês se viram aí? Vou ajudar ela a procurar pela irmã.
- Eu vou com você. - Samuel fala guardando o baixo na capa e entregando pra Júlio. - Vou ajudar vocês.
- Vamos esperar vocês no carro. - Dinho avisa enquanto Samuel desce do palco com Sérgio, ambos assentem e correm atrás de Vitória.
Samuel não sabe em que momento se perdeu do irmão, eram tantas barracas que ele acabou perdendo Sérgio e Vitória de vista. A chuva começa a engrossar e ele suspira quando a vista começa a ficar turva, ele passa as mãos no rosto molhado afim de tirar o acúmulo de água e força a vista tentando enxergar algo.
O mesmo fica confuso ao ver uma silhueta embaixo de uma árvore, ele caminha em direção a mesma e sente o coração acelerar quando um carro vem em sua direção em uma velocidade absurda, mas consegue frear a tempo.
- OLHA POR ONDE ANDA, FILHO DA PUTA. - o rapaz do carro grita irritado e buzina sem parar até passar por ele.
Samuel engole em seco, se recuperando do susto e atravessa a rua. Ele se aproxima da árvore e quando está próximo a silhueta, percebe que se tratava da mesma menina em que ele esbarrou na cabana. Ela abraçava os próprios braços para se proteger do frio e tinha o olhar assustado, ele não sabe como e nem por quê, mas ele sabia quem ela era.
- Sol?
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Capítulo escrito: 04.11.2024
Capítulo postado: 04.11.2024
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