Prólogo

          Os aquecedores não davam conta, então o frio intenso continuava invadindo a farmácia na qual Duda passou as duas horas seguintes. Ela e John conversavam na tentativa de passar o tempo e ela estava certa em seu palpite, ele tinha dezesseis anos. O atendente franzino mantinha o sorriso envergonhado no rosto, encarando os dois testes no balcão enquanto ela entornava a sua segunda garrafa de suco.

– Aquele primeiro deu positivo? – perguntou, apesar de achar um tanto quanto óbvio.

– Sim... – suspirou – Senão eu não estaria tendo quase uma overdose de suco aqui.

– A senhora não queria, né? – arriscou a pergunta invasiva, um tanto quanto envergonhado. A resposta também lhe parecia óbvia.

– Sabe John... a questão não é nem se eu queria, e sim se eu poderia. E não, neste momento eu não poderia. Eu tenho só mais três meses de visto e... bom, eu...

          John aguardava que ela terminasse de falar, mas ela se perdeu em seus próprios pensamentos. Ela não estava pronta. Steve certamente não estava pronto. Ele era um solteirão convicto, mal dava conta de cuidar de seu cão, imagine de um bebê. Ainda tinha Elisa e as duas crianças pestinhas que cuidava. E no Brasil... bom, como dar essa notícia para sua mãe?! "Olha mãe, aqui está tudo bem, mas assim... eu tô grávida de um gringo". Pelo tanto que conhecia Laura, ela vibraria com a ideia de um neto norte-americano. Bastou que essa possibilidade passasse por sua mente para que a bexiga desse sinais. Duda pegou os dois testes em cima do balcão e correu para o banheiro.

          Ela sabia que era positivo. Ela tinha certeza disso, senão não sairia de casa feito louca em meio a uma nevasca em pleno domingo. Também não passaria duas horas tomando suco sem parar. Ela só queria a certeza. E foi o que os dois testes seguintes confirmaram: positivo.

          Seu rosto era inexpressivo ao se dirigir ao caixa com alguns dólares nas mãos. John parecia ansioso pela resposta dela. Ele não costumava se envolver nas histórias das dezenas de clientes que passavam por ali todos os dias, mas Duda despertou sua empatia. Não era todos os dias que alguém se importava em saber seu nome, ou então que o fazia companhia por mais que quinze minutos de atendimento. Queria lançar um "e aí?!" ansioso, mas já havia sido invasivo antes, não queria ser de novo.

          John não precisou perguntar, o olhar dela já respondia tudo. Um olhar perdido, angustiado. "Obrigada por tudo, John. Tenha um bom dia", ela se despediu com a voz embargada. "Eu espero que tudo se ajeite na vida da senhora", ele respondeu com um sorriso acanhado.

          Duda abraçou o próprio corpo na tentativa de cortar o frio enquanto procurava por um táxi. As ruas estavam desertas, tanto de carros quanto de pedestres. Suas bochechas estavam vermelhas por conta do vento cortante e sua garganta doía, mas era mais pelo grito entalado. Sua vontade de chorar só aumentava. Estava exausta, com frio, não encontrava um táxi sequer e sua mente estava totalmente embaralhada.

          Não queria ver Steve até que pudesse digerir o que acabou de descobrir, mas precisava de ajuda, então ligou. Não demorou para o carro parar em sua frente. "Você é louca de sair de casa hoje!", ele a repreendeu com o sorriso de sempre, mas que se desfez ao notar o desespero estampado em seu rosto.

– Duda, você está bem?

– Sim.

– Qual é! Eu sou seu amigo! O que houve?

– Nada, eu estou bem.

          Steve soltou um alto suspiro e continuou seu caminho. Duda encostou a cabeça na janela e observou o céu acinzentado. Uma lágrima escapou. Ela fechou os olhos com força para evitar que mais lágrimas caíssem e só os abriu quando Steve estacionou.

– Aqui não é a minha casa – afirmou o óbvio.

– Eu não vou te levar pra casa nesse estado. Sobe comigo, vamos conversar. Eu estou preocupado com você, Duda.

          Duda assentiu, um tanto quanto apreensiva. O seguiu até o apartamento e em vez de tirar as botas e se jogar no sofá como sempre fazia, ficou parada ao lado da porta. Nem mesmo a animação de Christmas Eve ao vê-la foi capaz de fazê-la sorrir. Steve foi até a cozinha e voltou com duas cervejas. "Parece até que é a primeira vez que você vem aqui", disse ao estendê-la a garrafa. Ela negou.

– Você?! Negando cerveja?! Eu estou preocupado – sorriu.

– Eu... eu não devo.

– Como assim? Fez algum tipo de juramento religioso? – riu.

          Duda bufou e finalmente se sentou no sofá. Normalmente ela adorava as piadas de Steve, mas hoje não estava com cabeça para isso. Na verdade, não estava com cabeça para nada. O gringo sentou-se ao seu lado e passou o braço ao redor dela, a trazendo para um abraço. "Me conta o que está acontecendo?", pediu. Ela negou sem dizer nada. "Por favor", insistiu.

          Impaciente, Duda se levantou e começou a andar de um lado para o outro. A ardência nos olhos anunciou a chegada de lágrimas que dessa vez ela não conseguiu conter. "Duda...", ele a chamou. Ela continuou andando em círculos. "Duda?", tentou mais uma vez. Ela debruçou na pia da cozinha, ainda sem dizer nada. "Duda!", ele aumentou o tom, fazendo com que ela o olhasse.

– Me deixe te ajudar... – seu tom era mais baixo.

– Ninguém pode me ajudar, Steve.

– Me deixe tentar, pelo menos.

          Steve era uma pessoa maravilhosa, quanto a isso ela não tinha dúvidas. Ele merecia saber, afinal, o filho também era dele. Mas estava tão cedo, ela mal conseguia pensar sobre isso sem sentir um enorme enjoo. Em todos esses meses, nunca havia desejado tanto o colo de seu irmão ou sua mãe como desejava agora.

          O rapaz continuava a encarando aflito, aguardando por qualquer expressão daqueles olhos tão vermelhos. Duda respirou fundo e caminhou até ele, precisava contar. Seria igual a arrancar um curativo. Aos poucos doeria mais. Precisava ser de uma vez.

– Eu estou grávida... e... é seu.

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Um Feliz Ano Novo para todos vocês! 

O prólogo chegou um pouquinho mais cedo do que os próximos capítulos, mas eu juro que quando menos esperarem eu já estou de volta aqui com o primeiro capítulo!Beijinhos ♥

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