9 - Criar raiz no meu sofá

          Poucos dias se passaram e mesmo com toda a tristeza, a vida voltava a entrar no eixo. Ainda era difícil para os irmãos estarem naquela casa sem nenhum de seus pais, ainda mais com a certeza que eles jamais retornariam. Jonathan precisava voltar para a sua rotina, seu chefe foi muito empático e permitiu que ele tirasse a semana de folga, mas ele não poderia – e nem deveria – abusar de sua bondade. Daniela também fechou o Bobiça's por tempo suficiente para atrapalhar a vida financeira do casal.

          Naquele pequeno apartamento ficaria apenas Duda, Steve e Arthur. Mas Jonathan conhecia a irmã bem o suficiente para saber que ela não deveria ficar só. Não que Steve não fosse uma boa companhia, ele a acompanhou em tudo nos últimos dois anos e Jonathan era muito grato por isso, mas ele não esteve lá quando Roberto morreu, e seu irmão acreditava ser o único que sabia lidar com as crises de Duda.

          Os quatro caminharam por algumas quadras até uma velha e conhecida garagem. "Moça, há quanto tempo eu não te vejo!", Duda foi recepcionada pela senhora atrás do balcão. Ela sorriu e passou a conversar com a mulher sorridente enquanto Jonathan pedia quatro coxinhas gigantes para o outro atendente. Após o longo papo e todos os comentários acerca de Arthur, Duda se sentou na mesa e observou ansiosa a reação de Steve e Daniela. Ela amava levar as pessoas naquele lugar e observar suas reações. O único que a decepcionou foi Lucas, mas este foi o menor dos problemas em relação ao ex-namorado.

          "Holy shit!" foi a única coisa dita por Steve, ainda de boca cheia. Duda e Jonathan sorriram, sabiam que o gringo adoraria aquilo. Todo mundo adora. Ela se lembrou de quando levou Diego naquele lugar e sorriu sozinha. Daniela comeu toda a coxinha em silêncio, mas seu sorriso entregava que havia gostado. Pagaram a conta e voltaram ao prédio. Enquanto Duda e Steve brincavam com Arthur no meio da sala, Dani e Jonathan conversavam na cozinha.


– Você tinha razão, a coxinha é maravilhosa.

– Eu tinha certeza que você ia gostar.

– Não só gostei como... eu acho que sei fazer.

– Meu Deus, eu me casei com a mulher certa! – ele brincou, a fazendo rir.

– Não, é sério. Eu acho ela pode entrar no cardápio do Bobiça's. Não será uma competição direta com a lanchonete daqui, então não vejo problemas.

– Mas vai ficar puxado pra você, não?

– A gente pode fazer um teste por uns dias... E eu posso ter ajuda.


          Dani apontou a cabeça em direção ao cômodo ao lado e a voz de Duda foi ouvida por ambos. Jonathan abriu um sorriso no mesmo segundo. Ele queria a companhia de sua irmã, mas pensou que Daniela poderia não gostar da ideia de todos ficarem na minúscula casa mineira. Conversaram por mais alguns minutos e foram juntos até a sala. Duda e Steve estavam sentados no chão de perna de índio, já Arthur brincava com alguns blocos de montar. "Du?", ele a chamou, a fazendo erguer o olhar sorridente até ele.


– A Dani teve uma ideia ótima!

– Qual?

– Incluir as coxinhas gigantes no cardápio do Bobiça's. Mas pra isso ela precisa de ajuda...

– Quer voltar lá e pedir a receita? Eu vou com você. Eles são tão bonzinhos, aposto que passam.

– Não, não precisa, eu sei... – Daniela interveio – Eu preciso de ajuda pra fazer...

– E nós queremos que essa pessoa seja você – Jonathan concluiu – Vem com a gente?

– Não, eu não posso! – Duda se levantou e começou a andar em círculos – Eu tenho que ficar aqui, cuidar do apartamento, inventário, sei lá, é tanta coisa...

– Du, tá tudo sob controle, eu conversei com o advogado da mãe e ele vai cuidar de tudo. Você não deve ficar sozinha aqui.

– E o Steve?!

– No caso o nosso convite se estende a ele e ao Arthur.

­– Você nem sabe se ele quer ir!

– Steve, você se importa de passar algumas semanas lá em casa? – Daniela perguntou com o inglês um tanto quanto enrolado.

– Diz que sim – Duda sussurrou.

– Nem um pouco – Steve respondeu.

Damn, Steve!


          Duda seguiu para seu quarto e seu irmão foi logo atrás. Ela se sentou na cama, emburrada igual a uma criança. Jonathan riu, pois ao mesmo tempo que ela provava ter amadurecido muito, também tinha alguns poucos comportamentos que imediatamente o lembravam das birras de quando eram pequenos e brigavam todos os dias.


– Qual é, Du? Eu não tô pedindo pra você morar na minha casa e criar raiz no meu sofá, tô pedindo pra você passar, sei lá, algumas semanas com a gente.

– Eu sou digna de dó?

– Por que você tá dizendo isso?!

– Eu saí daqui e fui viver de favor na casa da Elisa. Saí de lá grávida e fui morar com o Steve, de repente vou passar um tempo na sua casa. Às vezes eu sinto como se todos achassem que eu não sou capaz de me virar sozinha.

– Primeiro que você não morou de favor com a Elisa, você trabalhou para ela e foi paga por isso. Segundo que você é uma das pessoas mais fortes que eu conheço e que mais consegue se virar. Olha pra você, mano! Você saiu daqui na cara e na coragem e foi enfrentar outro país sozinha! Não teve medo de se arriscar, só meteu as caras e foi! Se tem uma pessoa que é capaz de se adaptar à vida, essa pessoa é você.

– Então por que todos me tratam como se eu não fosse?

– Todos sabemos o quanto você é forte, Du. Só nos preocupamos com você. Vai me dizer que ia ser fácil ficar aqui na casa da mãe sem ela?

– Não seria tão difícil...

– Não mente pra mim. Você acha que eu não te ouvi chorar escondida aqui todos esses dias? Que não te vi levantar de madrugada soluçando de tanto chorar?

– Você sempre sabe... ­– murmurou.

– Não é à toa que sou seu melhor irmão – sorriu – Mas me responde...

– Você é meu único irmão – debochou – Mas você tem razão. Seria muito difícil.

– Então! Se fosse ao contrário, você morando em outro lugar e eu que tivesse que ficar sozinho aqui, eu iria odiar. Vamos, por favor...

– Mas a Dani não vai achar ruim? Sei lá, é a casa de vocês...

– Foi ideia dela. Agora para de inventar desculpa... Me diz o porquê você não quer ir.

– Você sabe bem.

– Pensei que você já tivesse esquecido dele...

– Eu esqueci – mentiu – Só acho que talvez não seja muito confortável pra nós dois, sabe?

– A cidade tem cinquenta mil habitantes, não acho que vocês vão se trombar a cada esquina.

– Não duvide da capacidade da vida me foder. Mas... vamos ver, né.

– Então isso quer dizer que você vai?!

– Ahh! – bufou – Eu vou... – revirou os olhos.


          O abraço apertado de Jonathan a fez sorrir. Não tinha certeza se deveria, mas seu irmão tinha razão, ficar naquele apartamento não seria nada fácil, mesmo na agradável companhia de Steve. E também sentiu tanta falta do irmão que odiaria ter de vê-lo partir sem ela. O rapaz se levantou animado e foi contar para os demais que ela finalmente topou.

          O restante da tarde foi focado em arrumar a mala. Duda já havia desfeito boa parte dela e guardado no armário, agora precisaria refazê-la. Não toda, deixaria boa parte das roupas no apartamento, não era necessário levar nem metade daquilo, ainda mais porque não pretendia ficar muito tempo. Daniela entrou no quarto e riu da bagunça que sua cunhada era capaz de fazer. Definitivamente organização não era de família.


– Acho que você precisa de ajuda – falou ao pegar um casaco do chão.

– Bom, eu não esperava ir, né? – Duda sorriu.

– Isso vai ser bom pro Jonathan também. Ele estava agoniado te esperando chegar no Brasil. Ele precisa de você, Duda, mais do que você pode imaginar.

– Obrigada por fazer isso por ele e por mim.

– Não só por vocês, não. Por mim também! Poxa, mal conheço meu sobrinho e já tenho que ir embora?! Não é justo!


          Daniela abriu o sorriso contente de sempre e Duda a acompanhou. Não importava a situação, sua cunhada conseguia tirar sempre algo de bom dela. Em certo ponto Duda a invejava, pois ao contrário da cunhada, antes mesmo de algo acontecer ela já imaginava que daria errado. Jonathan tinha tanta sorte por tê-la. Dani dobrava uma camiseta de Arthur quando Duda decidiu perguntar o que sequer perguntou ao irmão.


– Vocês pensam nisso? – apontou para a roupa na mão de Daniela.

– Em quê?

– Filhos.

– Já conversamos sobre... Pretendemos adotar.

– Adotar?! Que legal!

– Sim. Sabe, o mundo tem tantas crianças órfãs, tantas crianças ansiando por uma família pra chamar de sua... Por que colocar mais um ser humano no mundo quando tem tantos desejando serem filhos, sabe?

– Isso é tão... altruísta.

– É, mas não deveria ser. Adoção é um ato de amor, não simplesmente esperar que isso, sei lá, garanta seu lugar no céu ou onde quer que as pessoas boas vão quando morrem. Não se pode esperar que a criança te agradeça e te bote num pedestal porque você foi uma alma caridosa que decidiu dar um lar para ela. Eu e o Jonathan queremos adotar as crianças para serem nossos filhos porque nós queremos ser pais, nos dedicarmos a isso, não apenas tirar uma criança do sistema de adoção por tirar.


          Duda ficou boquiaberta com a forma que Daniela falava. Ela falava com tanta certeza e convicção sobre o que eles desejavam que a fazia torcer ainda mais pela felicidade dos dois. E tudo o que ela disse era tão certo que a sua vontade era levantar e aplaudi-la. Após um breve silêncio, Dani decidiu voltar ao assunto.


– Desculpa, eu me empolguei e praticamente dei uma palestra não solicitada pra você! – riu – Mas, respondendo como uma pessoa normal, sim, eu sempre quis ser mãe. Inclusive... posso te contar um segredo? – abriu um sorriso tímido.

– Mas é claro! – Duda sorriu.

– Nós já entramos com o pedido de adoção.


         Os olhos de Duda umedeceram e instantaneamente os de Daniela também.


– O quê?! Quando?! Como?! Ai meu Deus, eu estou tão feliz com essa notícia!

– Calma, Duda! – Daniela riu – Nós decidimos ir atrás disso assim que casamos. Pode parecer loucura, mas a gente sabe que é um processo demorado, então até dar certo daria tempo de se estabilizar...

– Por que vocês não me contaram?!

– A gente não contou para ninguém, nem mesmo para as nossas mães, você é a única pessoa que sabe. Você conhecia muito bem sua mãe, sabe como ela ficaria ansiosa, e a minha não fica muito atrás no quesito ansiedade. A gente tem medo de colocar muita expectativa, de deixar as pessoas torcerem por nós e de repente dar errado. Em outubro vai fazer dois anos que demos entrada, estamos na fila de adoção e até agora nada... Pode ser que não dê certo, né?


          Daniela deixou escorrer uma lágrima, mas logo secou e voltou a abrir seu usual sorriso. Ela e Jonathan sempre conversavam sobre isso, ficavam ansiosos a cada ligação que recebiam, a expectativa por vezes tirava o sono dos dois e ambos se viam fantasiando sobre os futuros filhos com mais frequência do que imaginavam. Duda abraçou a cunhada e segurou o choro que também queria sair.


– Eu tenho certeza que vai dar certo. Eu tenho certeza que vocês serão pais maravilhosos... – Duda levou a ponta do dedo na bochecha de Daniela e enxugou outra lágrima.

– Eu espero que sim... – suspirou – Mas vamos deixar esse assunto pra lá, senão eu não vou pensar em outra coisa! – sorriu – E você, pretende ter mais filhos?

– Sem chance. Pra ter mais um filho eu preciso pelo menos de um potencial pai em vista, e não existe, nem de longe – ri.

– E o pai do Arthur?


          Ah, chegou. O assunto que Duda tanto odiava tocar surgiu. Ela sabia que uma hora ou outra ele apareceria. Ao menos foi com sua cunhada e não com seu irmão, que odiava o rapaz mesmo sem saber quem era.


– Não sabe nem que ele existe.

– Foi um lance de uma noite só?


          Não. Não foi.


– Sim, foi isso mesmo.

– Bom, quem perdeu foi ele. Perdeu a chance de conhecer esse moleque lindo.


          "Ele conheceu", ela pensou. Ambas continuaram conversando sobre a viagem e estadia dos três no outro Estado. Duda insistia que iria atrapalhar a vida do casal, mas sua cunhada a assegurava que a casa era pequena, mas que sempre haveria um lugar para eles. E Duda certamente seria muito útil durante as noites cheias de pedidos do Bobiça's. Apesar de toda a insegurança, seria bom para ela se sentir útil.

          O choro de Arthur foi ouvido, seguido de um "oh, no" de Steve. Duda revirou os olhos e largou a blusa que dobrava sobre a mala. Do quarto, Daniela ouviu a cunhada dar bronca em Steve por ter derrubado seu refrigerante no menino. Sorriu e continuou dobrando as peças de roupa. Puxou uma calça jeans que estava presa sob a mala, a fazendo cair e derrubando todo o conteúdo em seguida.

          Ao levantar a mala, uma pequena caixa caiu e se abriu, espalhando folhas de caderno dobradas ao meio pelo chão. Dani bufou e se agachou para recolhê-los, e assim que bateu os olhos, viu que eram cartas. Mas não foi isso que mais chamou sua atenção, mas sim o nome de Nicole escrito em uma delas, a mais amassada. Mais precisamente, a frase "você e a Nicole".

          Ela tentou desviar o olhar, não queria invadir a privacidade de Duda dessa maneira, mas era como se seu cérebro forçasse seus olhos a se focarem naquelas palavras. Logo ela, que não costumava ser uma pessoa curiosa. "Não, Daniela!", se repreendeu e voltou a guardar os papéis, deixando aquela carta por último. Ao colocá-la sobre as demais, não conseguiu evitar e seus olhos se encontraram com um trecho muito específico:


"Ontem eu descobri que o meu filho é um menino. Eu até poderia dizer 'nosso', mas ambos sabemos que você sequer sabe da existência dele".


          Seus olhos se arregalaram e ela pensou ter lido errado. Pegou o papel de dentro da caixa para ter certeza do que estava escrito.


"Quer dizer, você sabe... só não sabe que é seu".


          Não poderia ser... Devia ser alguma coincidência. Não existe apenas uma Nicole no mundo, certo?

          "Isso não é justo com a Duda", repetiu a si mesma antes de voltar a carta para a caixa. Mas, mais uma vez, seus olhos curiosos se encontraram com a resposta para sua dúvida:


"Pedro é um nome que eu definitivamente escolheria também. Foi uma homenagem ao seu avô?".


          Não podia ser mais uma coincidência. Era ele. Só poderia ser ele. Daniela sentiu vontade de deixar os bons modos de lado e continuar a ler, mas não seria justo com Maria Eduarda. Aliás, já não estava sendo. A culpa que sentia por ter corrido os olhos por aquele papel parecia pesar uma tonelada, mas que atire a primeira pedra aquele que nunca sentiu vontade de invadir a privacidade de alguém.

          A voz de Duda foi ouvida no corredor, então Daniela logo tratou de fechar a caixa e coloca-la de lado. Duda entrou no quarto e sentiu um clima agitado, como se muitas pessoas tivessem acabado de sair dali. Viu sua caixa no chão e um breve descompasso atingiu seu peito seguido da dúvida: será que sua cunhada viu algo que não deveria?


– Dani, o que você tá fazendo?!

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Olá meus amores, como estão?!
Mais um capítulo e eu só digo uma coisa: eita!

O que acharam?
Daniela já descobriu sobre o Arthur... O que acham que ela vai fazer agora?

Deixem a estrelinha, comentem e se hidratem haha
Beijinhos e até semana que vem! ♥

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