6 - Invenção
Duda acordou atrasada na segunda-feira, e quando viu, Arthur já não estava no berço ao seu lado. Levantou-se num pulo e correu até a sala, onde encontrou seu filho e Steve assistindo desenho. O mais velho comendo cereal, o mais novo, tomando mamadeira. Os dois sequer desviaram os olhos da TV ao ouvirem o "bom dia" que ela soltou em meio a um bocejo.
– Eu ouvi o Arthur resmungar e vi que você não acordou, por isso peguei ele do berço – Steve falou ainda sem tirar os olhos da TV.
– Obrigada, eu realmente apaguei essa noite, como há muito tempo não fazia. Acordei até com uma sensação de paz.
– Eu percebi, você estava até babando quando entrei no seu quarto – sorriu, desviando o olhar para ela.
– Idiot – retribuiu o sorriso e jogou uma almofada em sua direção – Eu vou tomar um banho rápido e você me leva para a entrevista na cafeteria, ok?
– Como desejar, senhorita.
O banho foi realmente rápido, pois ela já estava atrasada. Vestiu uma roupa sóbria, mas não social. Prendeu os cabelos em um rabo de cavalo e ajeitou sua franja. Não pesou na maquiagem, apenas um rímel nos olhos e um batom nude nos lábios. Antes de sair, enviou uma mensagem para Laura: "A caminho da entrevista. Me deseje sorte! Te amo!".
No caminho até a cafeteria, enquanto Steve cantava a música que tocava e Arthur dormia em sua cadeirinha no banco traseiro, Duda fazia planos caso aquela entrevista desse certo. Não era um emprego maravilhoso, mas como imigrante fora de status, ela não poderia exigir muito. Trabalharia durante o dia na cafeteria e, nas noites em que Steve tivesse algum evento e a chamasse, deixaria Arthur com a mãe do rapaz e o acompanharia, como sempre fazia.
Duda saiu do carro com o coração a mil. Steve esticou o punho para fora do vidro e desejou boa sorte. Ela bateu seu punho contra o dele e o viu sair em direção a um playground perto dali com Arthur, onde ela os encontraria depois da entrevista. Respirou fundo e abriu a porta da cafeteria, olhando logo para o relógio acima de uma lousa que exibia o menu, torcendo para não estar atrasada. "Posso ajudá-la?", uma senhora sorridente surgiu por trás do balcão. "Eu vim para uma entrevista com o Sr. Campbell", Duda respondeu com um sorriso igualmente sincero.
***
Jonathan estava sentado na cadeira desconfortável do escritório, forçando a vista no computador enquanto emitia algumas notas fiscais de clientes quando seu celular tocou. Ele não costumava atender as chamadas em horário de serviço, mas o DDD de São Paulo chamou sua atenção. Finalizou uma nota fiscal e mandou imprimir. Deslizou o dedo da tela do aparelho e o levou até a orelha.
– Alô?
– Bom dia, por favor o senhor Jonathan?
– Bom dia. Sou eu, mas estou no trabalho, é telemarketing? Me desculpe, mas não posso falar agora.
– Não, aqui é do Hospital d...
– Hospital?! – a interrompe – O que houve?
O punho fechado atingiu a mesa de madeira, fazendo com que o copo de café virasse sobre alguns papéis. Jonathan não se importou, apoiou os cotovelos no líquido quente sem se incomodar que queimasse sua pele e cobriu o rosto com a mão. "Senhor?", ouviu do outro lado da linha, mas não conseguia responder. Um enorme nó em sua garganta segurou o choro entalado. "Senhor Jonathan?", ouviu mais uma vez. "Estou aqui", disse em meio a uma respiração pesada. Uma lágrima escapou de seu olho esquerdo e correu até sua bochecha, se desfazendo em sua barba. "Certo, obrigado por avisar... Chego aí em quinze horas", disse por fim, antes de desligar o telefone e se levantar.
Jonathan colocou o celular de lado e olhou para sua mesa, o café derramado começava a grudar. As notas fiscais já emitidas precisariam ser reimpressas devido as manchas que o líquido proporcionou. A foto de sua família colada em sua mesa com um pedaço de fita crepe o fez derramar mais algumas lágrimas. Desligou o computador e, com a voz embargada, anunciou para seu chefe que ele não viria nos próximos dias.
Daniela assustou quando ouviu o portão abrir. Antes mesmo que chegasse até a porta, Jonathan entrou e a abraçou, encaixando seu rosto no vão de seu pescoço. Ele se permitiu chorar tudo o que segurou no caminho até em casa. "Meu bem, pelo amor de Deus, me diz o que houve", pediu, o levando até o sofá e se sentando no braço do estofado. "Minha mãe...", o rapaz respondeu entre soluços, ajoelhando no chão e deitando a cabeça em seu colo. "A minha mãe!", soltou um grito abafado. As lágrimas surgiram nos olhos de Daniela também.
***
A conversa com o Sr. Campbell nem se parecia com uma entrevista. Ele falava sobre sua vida e sobre como abriu aquela cafeteria como se Duda fosse uma velha amiga. E, a cada vez que os olhos daquele senhor brilhavam ao contar sua história, ela se animava mais em trabalhar ali. Seu celular começou a vibrar em seu bolso, mas ela nem se moveu; não seria bem visto pegar o aparelho durante uma entrevista de emprego.
O senhor de cabelos grisalhos e pele enrugada perguntou o porquê de Duda querer trabalhar ali. Ela refletiu por alguns segundos antes de responder. Seu celular voltou a vibrar, mas desta vez, ela tirou do bolso rapidamente e debaixo da mesa, rejeitou a ligação mesmo sem saber quem era. Encarou os olhos castanhos sob os óculos apoiados na ponta do nariz e teve a certeza.
– Não vou mentir que a princípio foi puramente por necessidade. Estou neste país há dois anos e meio e todas as vezes que trabalhei, foi para algum amigo. O senhor foi o primeiro a me abrir as portas sem ao menos me conhecer, e, assim que entrei por esta porta, senti que algo estava para mudar. O senhor poderia ter me dispensado quando eu contei que tenho um filho, mas, ao invés disso, me perguntou o nome dele. Eu me senti bem nesse lugar, na companhia da senhora Campbell e do senhor. Espero que vocês tenham gostado de mim tanto quanto gostei de vocês. Eu quero trabalhar aqui porque fez eu me sentir mais perto de casa.
Duda não sabia se isso era o que ele queria ouvir, talvez ele quisesse uma resposta mais profissional, mas foi totalmente sincera. De fato, aquele casal a lembrou sua família, lembrou sua casa. O senhor ajeitou seus óculos no lugar com a ponta do dedo e sorriu para a moça ansiosa a sua frente.
– Muito bem – ajeitou o suspensório – Eu tenho mais uma moça para entrevistar hoje, mas gostei muito de você. Entro em contato até o final do dia, ok?
Sr. Campbell a dirigiu até a porta e acenou com um sorriso enquanto a moça atravessava a rua. Duda caminhou duas quadras até o parquinho e de longe avistou Arthur brincando em uma caixa de areia enquanto Steve conversava com uma babá que cuidava de uma menina em um carrinho de bebê. Duda acelerou o passo até seu filho e se ajoelhou na areia com ele, sem se importar que sua calça ficasse suja. Acenou com a cabeça para Steve, que retribuiu o aceno sem cortar o assunto com a moça ao seu lado.
A moça que o acompanhava voltou para casa pouco depois, fazendo com que Steve voltasse sua atenção aos dois. Os três brincavam de fazer castelos de areia quando o celular de Duda voltou a vibrar. Ela se levantou e limpou as mãos na calça antes de pegar o aparelho no bolso traseiro da calça. Estranhou ao ver o nome de Jonathan na tela, pois ele estava em horário de trabalho e não costumava ligar durante o dia. Atendeu e demorou a ouvir sua voz, ouvia apenas uma respiração pesada.
"Jonathan?", o chamou. "O Steve. Eu quero falar com o Steve", ouviu a voz agitada do outro lado. "Por quê? Você tá bem?", questionou. "Eu quero falar com o Steve!", falou ainda mais alto. Duda franziu o cenho e esticou o celular na direção do rapaz. "Meu irmão... meu irmão quer falar com você", disse um tanto quanto confusa. Ele pegou o aparelho de sua mão e ao falar alô, olhou em direção a sua amiga e se afastou. Arthur a chamou para brincar, mas ela não conseguiu desviar os olhos do rapaz que lhe deu as costas.
"Fale com calma", ele pediu, caminhando para longe de Duda. Do outro lado da linha, Jonathan respirou fundo e segurou o choro. Os dois conversaram por alguns minutos e o semblante sempre feliz de Steve mudou totalmente. Ele se despediu e voltou com o celular na mão. Seu peito acelerado não sabia o que fazer. "Duda, vamos pra casa?", pediu, a virando as costas novamente. Ela pegou Arthur todo sujo de areia e seguiu Steve, que acelerou o passo até o carro.
– Steve! O que o Jonathan queria?!
– Vamos para casa, por favor. Estou com dor de cabeça.
O rapaz abriu a porta do carro, pegou Arthur do colo de sua mãe e o colocou na cadeirinha. O menino reclamou no início, mas logo começou a brincar com um urso de pelúcia que estava jogado no banco e se distraiu. Steve abriu sua porta, mas Duda a fechou. Ele abriu novamente e mais uma vez ela a bateu.
– Você pode me contar, por favor, o que o Jonathan queria?!
– Duda, é melhor conversarmos em casa.
– Não! O que o meu irmão pode ter de tão urgente para falar com você que ele liga no meu celular?!
– Aqui não é um bom lugar...
– Você está me deixando nervosa, Steve! Me conte de uma vez por todas! Aconteceu algo com ele ou com a Dani?!
Steve levou a mão à testa, fechou os olhos e respirou fundo. Voltou os olhos para sua amiga e segurou suas mãos, que suavam frio. Não queria falar algo tão sério no meio da rua, mas seria torturante para ambos esperar até chegar em casa.
– Por favor, eu preciso que você fique firme...
– O que aconteceu?! Pelo amor de Deus, Steve! – seus olhos se encheram de lágrima, já esperando por uma notícia ruim.
– A sua mãe... Meu Deus, como que eu posso te dizer isso...
– O que aconteceu com a minha mãe?! Me diz de uma vez!
– A sua mãe morreu.
Duda ficou estática. Seus olhos se travaram nos dele e sua boca entreaberta não emitia nenhum som. Apenas duas lágrimas solitárias escorreram por seus olhos vermelhos. Steve a abraçou, mas ela sequer teve forças para passar os braços ao redor do amigo. "Eu sinto muito", ele disse baixinho. E realmente sentia, pois Laura o tratou como um filho desde que o conheceu. E mesmo que não, ela era a mãe de sua melhor amiga, daquela que considerava uma irmã.
Se desfazendo do abraço, Duda deu a volta no carro, abriu a porta e entrou. Colocou o cinto e pediu para ir embora. O rapaz assentiu e eles seguiram em total silêncio até chegarem em casa. Arthur espalhou a areia que ficou em sua roupa por toda a sala, mas Duda não se incomodou. Steve encheu a banheira e deu banho no menino, mas sem as costumeiras brincadeiras com o pato de borracha ou com as cantorias sempre animadas dos dois. O vestiu, deixou no quarto e fez sua mamadeira. Enquanto o menino pegava no sono sozinho em seu berço, varreu a areia que ele espalhou pela casa. Já Duda ficou sentada no sofá, encarando a televisão desligada em sua frente desde que chegou.
– Duda, a gente precisa conversar – disse ao se sentar ao seu lado.
– Eu estou bem – respondeu sem desviar os olhos da TV.
– Não, você não está. Eu te conheço. Olha pra mim – ele pegou seu queixo e sutilmente virou para ele – Eu estou aqui para o que você precisar.
– O que o Jonathan te disse? – seus olhos estavam cheios de lágrimas.
– Ele... Eu não entendi bem, o inglês dele é um pouco confuso, mas eu não o julgo, até por conta da situação... Mas o que eu entendi é que ele está na estrada, indo para a cidade da sua mãe.
– São Paulo – murmurou.
– Isso. A Daniela está com ele, parece que ela está levando o carro.
– Ele disse o que houve?
– Parece que foi um ataque cardíaco.
As lágrimas que se juntaram escorreram pelos cantos dos olhos. Duda os fechou, forçando para que caíssem. Steve segurou sua mão e a abraçou, mas ela se desfez do abraço e foi até seu quarto. Ele a seguiu e a encontrou puxando a mala de dentro do closet, fazendo algumas toalhas e lençóis caírem. O rapaz se sentou na cama e a chamou, mas ela não lhe deu atenção. Abriu a mala e começou a jogar todas as suas roupas de qualquer jeito dentro da mesma.
– O que você vai fazer?
– Eu tenho que ir pro Brasil. Eu tenho que ver minha mãe – enxugou uma lágrima.
– Duda, você sabe que se você for, a chance de você conseguir voltar para os Estados Unidos é mínima, não sabe? – segurou a mão que levava um sutiã até a mala e a fez olhar para si.
– Eu sei.
– Você quer ir mesmo assim?
– Eu tenho que ver minha mãe. Isso deve ser uma invenção dela, deve estar com saudades dos filhos e inventou isso para que a gente se reúna na casa dela.
– Duda... – agora quem deixou cair uma lágrima foi Steve – Ela não inventou isso...
– Não, Steve. Ela está lá. Eu mandei mensagem pra ela de manhã, antes da entrevista. Ela trabalha bastante, não viu porque provavelmente está no trabalho.
O rapaz a olhou com piedade. Ela já havia contado sobre seu pai, onde ela foi obrigada a aceitar sua partida repentina. Dessa vez foi diferente. Ela acreditava piamente que Laura estava inventando isso para matar saudade dos filhos. Muita gente não consegue aceitar a morte e a trata como se não fosse verdade.
– Você pode me comprar uma passagem? Eu te faço uma transferência assim que chegar lá.
– Claro. Só me dê vinte minutos.
Steve saiu do quarto e Duda continuou fazendo sua mala, que até parecia pequena por conta das roupas que ela comprou ali. Ela apertou tudo o que conseguiu, mas deixou um espaço especialmente para sua caixa de cartas e o porta-retrato que Elisa deu em seu primeiro Natal. As roupas de Arthur precisariam ser encaixadas nos poucos espaços disponíveis ali e na mala de mão. Ao ver seu closet praticamente vazio, mais lágrimas surgiram.
– Estou pronto. Vamos?
Duda olhou para a porta e Steve carregava uma mala preta ainda maior que a sua. Com uma expressão confusa, ela viu pela primeira vez desde a ligação de Jonathan, um sorriso surgir no rosto do amigo.
– O que é isso, Steve?
– Você vai precisar de mim nesse período difícil.
– Eu já te disse que minha mãe está brincando com a gente!
– Duda, ela mo... – suspirou e abriu um sorriso entristecido – Você sempre me disse que eu precisava conhecer o Brasil, então... essa é a minha chance.
Com um sorriso, Duda o abraçou. Ele abriu sua mala – que tinha muito espaço livre – e colocou todas as roupas de Arthur, além dos brinquedos favoritos do menino. Pegou os objetos pessoais de Christmas Eve e encaixou tudo no carro.
A primeira parada foi na casa de seus pais. Sem que Duda visse, ele explicou o real motivo da viagem e colocou as tigelas de água e ração do cão debaixo da escada. Despediram-se de seus pais e de Emma, que chorou como se jamais fosse ver seu irmão novamente, mesmo com ele afirmando que logo estaria de volta. Deram um abraço no cão e Steve deixou uma lágrima escapar ao se despedir de seu companheiro.
Dali, seguiram até a casa de Elisa. Steve explicou pelo telefone o que havia acontecido com Laura e até mesmo o fato de Duda não estar aceitando a notícia. Elisa os recebeu com lágrimas. Um misto de tristeza pela perda de sua amiga e saudade da moça que tanto gostava e que agora estava indo embora. Noah chorou ao se despedir dos três. Olivia estava na escola, sequer teve a chance de dizer adeus.
Ao chegarem no aeroporto, Duda sentiu a saudade invadir seu peito. Ainda não havia deixado o solo americano, mas já sentia falta de todos aqueles que conheceu. Steve havia comprado as passagens para dali algumas horas – e desembolsou um bom dinheiro para as passagens de última hora.
O celular de Duda começou a tocar, era Jonathan. Steve pediu para atender, e ela estava tão exausta que aceitou sem questionar enquanto amamentava Arthur. Ele informou que estavam a caminho e que ela não estava aceitando muito bem a notícia. Jonathan havia acabado de chegar em São Paulo, e, ainda em prantos, pediu para Steve mantê-lo informado do estado de sua irmã.
Assim que Steve desligou, o celular voltou a tocar. Agora era um número que ela não conhecia. Duda pegou o aparelho da mão de Steve e levou até a orelha. Uma tristeza surgiu ao ouvir a voz do outro lado. Mais cedo ela disse que sentia que algo estava para mudar. E mudou.
– Olá, senhorita Castro. Quem fala é o Anthony Campbell.
– Olá, senhor Campbell – a felicidade já não era presente em sua voz.
– Estou ligando para perguntar se a senhorita pode começar amanhã aqui na cafeteria. Gostamos muito de você, Maria Eduarda.
– Eu sinto muito... Eu sinto muito mesmo por te fazer perder tempo comigo.
– Está tudo bem, menina?
– Não está – sentiu sua voz embargar – Estão dizendo que minha mãe morreu e... eu estou embarcando para o Brasil neste momento. Me desculpe.
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Boa noite!
Sei que esse não é um capítulo muito legal para eu dizer que estou feliz, mas vou dizer mesmo assim.
O motivo?!
Hoje eu finalmente terminei de escrever esse livro!
Sabe o que significa?? Postagens regulares!
Ainda vou definir como vou fazer, se vai ser uma ou duas vezes na semana, os dias e etc.
Por enquanto, me digam o que estão achando da história até aqui.
Muito bravos comigo pela Laura ter morrido? :x
Deixem a estrelinha e muitos comentários!
Beijinhos ♥
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