39 - Cartas III
Terça-feira, 29 de maio de 2018
Olá, mãe.
Não te escrevo há um bom tempo, mas hoje completa um ano desde que você se foi e eu queria poder te dar só mais um abraço e me desculpar por não ter te mostrado todo o valor que você sempre teve para mim. Eu passei os últimos três meses digerindo aquela carta que você me deixou. Talvez você estivesse errada, eu não sou 'tão moderna', pois hoje eu prefiro muito mais o papel e a caneta. Pensando bem, você estava errada em mais coisas sim. Ao contrário do que você disse, você sempre foi uma mãe incrível, eu é que nunca percebi isso.
Eu quis que todos vocês respeitassem o meu luto, mas não quis respeitar o de vocês. Principalmente o seu. Eu não conseguia entender que cada um tem uma maneira de sentir e a sua era aquela – trabalhar, trabalhar e trabalhar. O meu problema é que eu queria que você fosse somente mãe, quando na verdade você foi esposa. Foi mãe, filha, mulher. Hoje eu entendo sua dor, só sinto muito por não ter te falado isso em vida.
Quanto aos meus problemas e desabafos, me desculpe por não me abrir com você. Eu nunca me abri com ninguém a não ser com o Jonathan (e anos mais tarde, com o Steve). Eu tive muito medo do que você iria me dizer quando soubesse do que eu sentia pelo Diego. Na verdade, o que eu mais tive nessa vida foi medo, e foi ele que me fez deixar de viver tanta coisa que sonhei. Mas eu já não os tenho – pelo menos não tanto quanto antes.
E foi por enfrentar o meu medo do novo que tanta coisa aconteceu na minha vida. Há uma semana eu finalmente saí da casa do Jonathan para o meu apartamento. Ele é ainda menor do que o nosso lá de São Paulo, mas eu nunca precisei de muito espaço. Não foi preciso fazer muita reforma, apenas a pintura (que o Diego ajudou) e algumas frescuras minhas. O Arthur finalmente tem um quarto só para ele e eu desentulhei não só a casa do meu irmão, mas a vida dele. Por mais que ele diga que é um prazer nos ter como hóspedes, ele e a Daniela precisam da própria privacidade.
Eu também comecei a dar aulas de inglês na escola que o Diego é coordenador. Nos primeiros dias eu senti como se todos olhassem para mim, apontando e julgando que eu estava lá apenas por causa do meu namorado (o que não deixa de ser uma verdade), mas isso não passava de neuras minhas, já que logo na semana seguinte me trataram como parte do time.
Bom, mãe, é isso. Meus dias estão corridos, mas eu me sinto feliz, apesar do cansaço. Eu sinto sua falta tanto quanto sinto falta do pai, mas sei que vocês olham por mim onde quer que estejam. 2017 pode não ter sido o ano que nos aproximou ainda mais, mas agora em 2018 eu me sinto ainda mais perto de você. Eu te amo.
Sábado, 14 de julho de 2018
A certidão de nascimento do meu filho agora tem o nome do pai! Eu sei que essa não é a melhor maneira de começar uma carta para você, pai, mas é que eu estou muito feliz. Já fazia alguns meses que o Diego estava tentando incluir o nome dele, desde março ele estava procurando auxílio de advogados, mas você sabe como funciona essas coisas, ainda mais em cidade pequena. Agora o seu neto se chama Arthur Castro Ribeiro. Falei para o Diego que até parece nome de gente rica, mas nós não passamos de dois pobres coitados tentando pagar as contas.
Mas sabe quem está tranquilo com as contas? O Jonathan e a Daniela. Tudo bem que eles não estão TÃO tranquilos assim, mas o Bobiça's está crescendo tanto que eles precisaram contratar mais um garçom e um entregador, já que só Thiago não estava dando conta. Eu queria ter o tino comercial que esses dois têm! O bom disso, além do sucesso óbvio que meu irmão e minha cunhada estão atingindo, é que eles parecem menos ansiosos em relação às crianças. Acho que estão tão ocupados com tanta coisa acontecendo dentro daquele bar que a ansiedade é deixada de lado.
No sítio as coisas já não estão tão tranquilas. Um dos tios do Diego apareceu por lá para ver os pais (chegou num dia e foi embora no outro) e reclamou com Mônica que eles não podem mais ficar sozinhos. Quando ela questionou o que ele queria que ela fizesse, ele falou que o mínimo seria ela mudar para lá, já que ela é a única "desocupada" dos irmãos. Sim, a própria Mônica me contou que ele usou essas palavras, mesmo sabendo que ela administra todas as suas quatro casas de aluguel. Eu percebi que ela anda pensando sobre isso, mas ela não falou nada.
Ah, eu tenho falado todos os dias com o Steve, como sempre. Ele queria ter vindo pra cá na Copa do Mundo, até comprou uma camisa da seleção brasileira (disse que daria sorte para não acabar em mais um 7x1), mas ele foi embora daqui em fevereiro, então ainda não poderia retornar. Ele também está feliz porque a frequência dos eventos aumentou e ele encontrou alguém para dividir o aluguel. Disse que é uma moça da idade dele, solteira e que trabalha como enfermeira. Eu questionei se era apenas amizade mesmo e ele me falou com todas as letras que ainda não havia se esquecido da Gabriela. Quem diria, né pai? Esses dois era o último casal que eu imaginei que um dia poderia rolar.
Bom, eu vou parar de fofocar da vida alheia, já que daqui a pouco o Diego vai chegar aqui com o Pedro e eu nem tirei o meu pijama ainda. Eu estou bem (acho que é a primeira vez que digo isso com sinceridade) e espero que você também esteja. Eu te amo.
Domingo, 19 de agosto de 2018
Droga, Steve! Eu nunca precisei escrever uma carta para você!
Como você bem sabe, ontem foi a festinha de aniversário do Arthur. Sei que você reclamou comigo diversas vezes que eu deveria ter feito a festa no dia 15, porque foi o dia que ele nasceu e bla-bla-bla, mas meu querido, eu estou trabalhando TANTO que nem que eu quisesse muito, conseguiria. Também foi o primeiro ano que você não comemorou com a gente (não, uma chamada de vídeo não basta para matar a saudade que eu estou de você), o que me fez chorar um pouco. Não precisa ficar se achando não, ok? É que eu sinto sua falta todos os dias, mesmo quando você me irritava – o que era com frequência.
Eu estava tão ansiosa para te ver chegar aqui que quando você me falou que não conseguiu comprar a passagem, eu tive vontade de ir até aí só para te trazer na minha mala. Mas tudo bem, eu te perdoo, sei que não está sendo fácil para você também não. Quem não ficou muito feliz com isso foi a Gabi, já que ela estava te esperando há meses. Não conta para ela que eu te contei, mas ela já está correndo atrás de tirar o passaporte para quando for aí. Aliás, eu nunca vou me cansar de dizer como você me surpreendeu quando contou que a convidou para passar um tempo com você. Quem tem viu, quem te vê, hein meu amigo?!
Mudando de assunto, esses dias eu e o Diego estávamos conversando aqui em casa e eu cheguei à conclusão de que deveria ter me endividado um pouquinho e comprado aquele apartamento de três quartos, porque eu queria que você tivesse um quarto só seu quando viesse para cá. Acabou que eu coloquei uma cama no quarto do Arthur para você (mas eu durmo lá quando ele está doente). Pense pelo lado positivo, ao menos não é um sofá.
Falando no meu apartamento... eu já comentei com você que o Diego fica aqui com frequência, né? Às vezes a gente sai junto do trabalho, pega o Arthur na escolinha e vem para cá, aí vai ficando tarde e ele acaba indo embora só no dia seguinte... Eu queria dizer que não estou fantasiando com uma possível vida com ele, mas você me conhece bem demais para saber que é exatamente isso que eu estou fazendo.
Bom, meu amigo, eu escrevi isso aqui porque eu estou sentindo sua falta, queria que você morasse pertinho para eu te ver toda semana, o Arthur às vezes chama pelo tio Steve, e mesmo nós nos falando praticamente todos os dias, eu sinto falta da sua presença aqui. Não vejo a hora de te ver, te abraçar, te xingar, ouvir suas piadas sem graça pessoalmente, tirar sarro por você estar apaixonado pela Gabriela (cadê o senhor "não-me-apaixono-por-ninguém" agora, hein?) e te ter por perto mais uma vez. Volta logo porque eu estou com saudades. Dê um beijo no Christmas Eve, nos seus pais, na Emma, na Elisa, na Olívia e no Noah. Amo vocês!
Ah, e eu acho que talvez essa seja a única carta que um dia será entregue de verdade (o que não quer dizer muito, já que você não vai conseguir ler porque foi escrita em português).
Terça-feira, 25 de dezembro de 2018
Oi meu amor. Essa é a primeira carta que te escrevo desde que estamos juntos. Sei que já não tenho mais necessidade disso, já que tudo o que precisamos dizer um para o outro é falado diariamente. E só para não perder o costume, eu te amo. Mas não, não é isso que eu tenho para falar.
Ontem completou um ano desde que você descobriu que o Arthur era seu filho. Um ano desde que tudo em nossas vidas começou a mudar. Enquanto estávamos sentados ao redor da mesa junto de toda a nossa família, de olhos fechados para a oração que sua avó faz questão de fazer em todos os natais, eu agradeci.
Agradeci ao universo por ter me trazido de volta até você, por ter deixado que todas as outras pessoas descobrissem o que até então era meu maior segredo, para que você finalmente soubesse também. Eu fico pensando no que seria de nós dois hoje se tudo aquilo não tivesse acontecido, já que ambos sabemos que se não fosse daquela maneira, eu não teria coragem de te contar a verdade. Acho que mais uma vez o universo me botou contra a parede e basicamente me disse "se você não contar, eu conto". Pois bem, ele contou...
E por isso eu queria te agradecer por amar e cuidar do Arthur. Eu tive tanto medo que você o rejeitasse de alguma forma, inclusive tive muitos pesadelos com esse tipo de coisa. Mas é claro que você jamais faria isso. Eu te vejo aqui em casa brincando com ele, cuidando, ensinando tantas coisas e penso em como fui egoísta com vocês por tanto tempo.
Aliás, ainda falando sobre o meu medo, preciso dizer que tive medo da Nicole também rejeitar o nosso filho, mas ela me surpreendeu. Desde que tivemos aquela conversa no aniversário do Pedro, ela se esforça para ser presente, para criar um vínculo com ele. Eu fiquei tão feliz que ela foi no aniversário do Arthur! E hoje de manhã também, o que eu posso dizer?! Ela veio até aqui só para trazer o presente de Natal do nosso filho!
Quanto ao Pedro... Eu amo esse menino. Ele é tão carinhoso com todo mundo, principalmente com o Arthur. Quando eu o vi chamar de irmão, não nego que chorei. Todas as vezes que ele me chama de tia Duda eu tenho vontade de apertar aquelas bochechas!
No começo eu tive medo de não atender as suas expectativas em relação a ele (que eu nem sei quais são, mas mesmo assim tive medo), mas eu o tenho quase como um filho também, assim como a Nicole tem um carinho todo especial pelo Arthur. Eu sinto que, da nossa maneira meio torta, nós temos uma família nada tradicional, mas repleta de amor.
Era isso o que eu tinha para dizer. Eu estou observando você dançar ao som de Mundo Bita enquanto esquenta as sobras da ceia de Natal só de bermuda e avental e o Arthur brincando com as minhas panelas e penso em quão sortuda eu sou por ter vocês. Nossa história deu tantas voltas e acabou onde eu jamais pensei que acabaria, mas exatamente onde deveria.
Com nós dois juntos.
Todas as vezes que você vai embora, eu sinto como se estivesse faltando uma peça nesse quebra-cabeça que é a minha vida. Sinto vontade de voltar o relógio só para ter mais um tempinho com você, ou então torço para o dia seguinte chegar só para poder te ver de novo. Por que nós ainda nos despedimos durante a semana?! Por que eu só me dei conta disso agora?!
A última carta que escrevi (e que não foi para você) eu disse que era a única que eu entregaria de verdade. Talvez eu estivesse errada. Essa será a primeira carta a ser entregue.
Diego, você quer morar comigo?
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Olá meus amores! Como estão?!
Esse é o último capítulo de cartas, dá até uma tristeza... Mas o importante é que eles estão felizes, não é?!
Qual vocês acham que vai ser a reação do Diego?
É isso... A partir de agora a contagem regressiva começa.
Beijinhos ♥
Faltam três...
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