31 - O que os olhos não veem...
Já havia se passado quase uma semana desde que Duda voltou para casa. A última vez em que viu sua vizinha foi no dia em que chegou e as boas-vindas foi o barulho da porta batendo com força. Por estar feliz e fugindo de mais problemas, Maria Eduarda ignorou o comportamento da ex-sogra e focou no retorno ao trabalho.
Por se negar a pedir para que Glória ficasse com Arthur enquanto a escola não voltava das férias, Steve mais uma vez foi o seu braço-direito. Duda e o gringo vinham conversando constantemente sobre a volta dele para casa, ela inclusive o ajudou a encontrar uma passagem para o primeiro domingo após o Carnaval. Não seria fácil se despedir de seu melhor amigo, mas ela tinha plena consciência de que ele tinha uma vida lá fora e que não poderia morar com ela para sempre no Brasil.
O relacionamento à distância com Diego não era fácil, mas ficaram tanto tempo separados que ainda estavam se sentindo na vantagem, mesmo que se vendo apenas pela tela de um celular. Os dois conversavam todas as noites por chamada de vídeo, a única forma que encontraram para tentar diminuir ao menos um pouco a saudade que já sentiam um do outro.
Naquela sexta-feira, Duda saiu do trabalho e decidiu ficar em casa com Arthur, já que Steve passou a semana toda dizendo que marcou um encontro com uma moça que conheceu por um aplicativo de relacionamentos e que estaria ocupado por todo o fim de semana. Chegou em casa e encontrou o filho de banho tomado, a casa cheirando a perfume masculino e o gringo pronto para sair, mas não sem antes passar ao menos vinte minutos falando sem parar sobre como sentiu falta de conhecer outras pessoas.
***
Steve chegou no local combinado com vinte minutos de atraso devido ao trânsito do horário de pico. Enviou uma mensagem para a moça perguntando onde ela estava, e como resposta recebeu um "entrando no Uber agora" seguido de uma selfie no banco de trás do carro. "Já estou no bar", respondeu e enviou uma foto do local. Pediu uma cerveja para o garçom e sentou-se em uma mesa próxima à entrada.
Enquanto a aguardava, abriu o Instagram e começou a ver os stories das pessoas que seguia. Fotos de comidas, selfies atrás de volantes, vídeos de shows onde não dava para ouvir nada, uma foto de Gabriela abraçada a uma amiga na balada, mandando um beijo para a câmera com a maquiagem já borrada. Sorriu ao se lembrar da última conversa dos dois. "O que os olhos não veem...", repetiu a si mesmo, dando uma golada em sua cerveja.
– Hi! Você é o Steve, certo?
O gringo bloqueou a tela do celular e ergueu os olhos para a moça à sua frente. Os cabelos lisos ruivos caíam por seus ombros e seguiam até a altura do colo bronzeado de sol, seus olhos castanhos refletiam as luzes coloridas da parede e o sorriso tenso de quem estava insegura em relação a um encontro era presente. "Sim, eu mesmo. Paula, não é?", Steve se levantou e a cumprimentou com um beijo no rosto antes de puxar a cadeira para que ela se sentasse.
– Obrigada – falou ao se sentar – Você já conhecia esse bar?
– Não, primeira vez que venho. É bacana.
Steve deu mais uma golada em sua cerveja e Paula chamou o garçom para pedir um copo. Ficaram em silêncio até que o rapaz retornasse com o copo americano.
– Então, Paula... – encheu o copo da moça – O que você faz da vida?
– Eu sou comissária de bordo, essa semana é minha folga...
– Por isso seu inglês é tão bom – sorriu – Sabe, eu tenho uma... amiga. Isso, uma amiga... que está fazendo faculdade de Turismo porque sonha em conhecer o mundo. Talvez eu devesse falar para ela sobre estudar para ser comissária de bordo.
– Ela é fluente em inglês? Porque isso é essencial.
– Ah, ela não é fluente, mas a gente se entende do nosso jeito...
Steve sorriu ao se lembrar das várias dificuldades que ele e Gabriela já enfrentaram para se comunicar, inclusive sua melhora no português se dava ao fato de que ele queria se esforçar para entendê-la quando ela misturava os idiomas. No fim das contas eles sempre se entendiam, fosse verbalmente ou não. Paula voltou a puxar assunto, perguntando sobre a carreira dele. Os dois passaram mais de uma hora conversando e se conhecendo. Quando já não tinham mais assuntos e o silêncio se fez presente, o gringo decidiu fazer o que pretendia desde a hora em que saiu de casa e a beijou.
***
Duda estava no portão recebendo a pizza que encomendou quando ouviu as vozes vindas de dentro da casa de Glória. Olhou de soslaio enquanto aguardava o troco e viu a silhueta da ex-sogra pela vidraça da cozinha. "Eu estou te falando, querida! Você acredita que ela mandou meu filho embora de lá em pleno Ano Novo?! Ele chegou em casa desolado, tadinho". Sentiu vontade de bater na porta e tirar satisfação, mas olhou para a caixa de pizza quentinha em sua mão e pensou que não valia a pena deixar a pizza esfriar só para um bate-boca que não daria em nada.
"Eu preciso falar baixo agora, acabei de ver que ela tá lá no portão", a ouviu dizer e revirou os olhos. Agradeceu o motoboy e voltou para sua casa ainda ouvindo as reclamações agora sussurradas de Glória. "As paredes são finas", falou em um tom um pouco mais alto do que o normal, com a certeza de que a senhora ouviria.
Estava comendo um pedaço de pizza e assistindo desenho animado junto com Arthur quando Steve abriu a porta com cara de poucos amigos. Duda olhou para o relógio e ainda não era nem mesmo onze horas da noite. Franziu o cenho e esperou até que seu amigo contasse o motivo de ter voltado de seu encontro tão cedo, já que normalmente ele nunca voltava no mesmo dia. O gringo apenas deu um beijo na criança, se sentou ao seu lado e pegou uma fatia de pizza.
– Então... Você vai me contar ou eu vou ter que adivinhar? – Duda perguntou.
– Contar o quê? – disse de boca cheia.
– Ela não apareceu?
– Apareceu...
– E então?! Por que essa cara? Já sei! Era um fake de um homem?! – riu.
– Não! – soltou um riso baixo – Ela era linda. Muito linda mesmo.
– Me conta logo, Steve!
– A gente estava no bar, já não tinha mais assunto e eu decidi beijá-la... Como você sabe, eu sou muito bom, então é lógico que ela gostou. Ficamos um tempo nos beijando e ela me chamou para ir para o apartamento dela...
– E o que você está fazendo aqui?!
– Me deixa terminar! – bufou – Eu queria ir, mas na hora, não sei o que me deu... Eu paguei a conta e ela estava chamando o Uber quando eu disse que você me mandou mensagem falando que precisava da minha ajuda com o Arthur e que eu precisava vir embora. Eu não tive vontade de ir com ela, eu quis vir para casa, deitar no sofá e assistir aqueles programas japoneses de humor que eu não entendo nada.
– Quem é você?! O que você fez com o meu amigo?! – debochou.
– Cala a boca – jogou uma almofada em Duda – Mas amanhã eu tenho um encontro a tarde e um a noite, amanhã você não vai me ver em casa.
***
A música alta fez com que Gabriela se aproximasse ainda mais do rapaz que a paquerava na pista de dança há mais de meia hora. Ela já havia entendido que ela era linda, que ele estava de olho nela há um bom tempo e que demorou a tomar coragem porque, segundo ele, ela era muita areia para o seu caminhão, mas ele repetia tudo de novo e de novo, a fazendo revirar os olhos.
– Uai, amigo, você vai ficar falando que eu sou bonita até que horas? Me beija logo!
O rapaz deu uma leve arregalada nos olhos e não pensou duas vezes antes de beijá-la ali mesmo. Gabriela queria dizer que estava gostando das investidas dele e que ter seu ego massageado com tantos elogios era bom, mas na verdade ela só queria beijar alguém logo para tentar esquecer o último beijo que deu em Steve. Bom, isso não aconteceu.
– Cara, desculpa, não vai rolar.
Gabriela limpou os cantos da boca e saiu pela pista mandando um beijo no ar para o rapaz, que reclamou alguma coisa impossível de ouvir em meio a tanto barulho. Ela não estava se importando com ele e nem com mais ninguém ali, só queria entender o porquê o gosto daquele gringo não saía dos seus lábios.
"Não deu nada com aquele cara?", Lígia, sua amiga, perguntou. "Ah, ele é sem graça", a loira respondeu com certo desânimo. Lígia chamou sua atenção e apontou para o bartender, que sorria para as duas. Gabriela retribuiu o sorriso. O rapaz foi até elas com um copo em mãos.
– Uma caipirinha por conta da casa para as moças mais bonitas desse lugar – o rapaz estendeu o copo para Gabriela.
– Minha mãe me ensinou a não aceitar bebidas de estranhos – sorriu – Mas obrigada pelo elogio e pela caipirinha.
– Gabi! – sua amiga a repreendeu baixinho.
– Uai, mas é verdade! Mas se você quiser me dar uma cerveja lacrada por conta da casa, eu aceito – sorriu.
– Você é quem manda – o rapaz sorriu e se virou em direção ao bar.
– Duas! – Lígia gritou antes que ele se afastasse mais.
O bartender voltou com duas cervejas e, com um sorriso irônico, abriu as garrafas apenas na frente das meninas. "Tá vendo? Bem melhor assim", Gabriela falou, o fazendo rir.
– A moça que ouve os conselhos da mãe pode me dizer o seu nome? Ou sua mãe ensinou a não falar seu nome para estranhos também?
Gabriela sorriu, finalmente alguém para flertar da maneira que ela gostava. Lígia revirou os olhos e voltou para a pista de dança, sabia que esse era o passatempo favorito da loira e que ela não tinha pressa em sair dali. Os dois trocaram flertes por um bom tempo até que o rapaz a roubou um beijo. A química dos dois foi inegavelmente maior do que com o último rapaz, mas ainda assim... não era Steve, e essa comparação o tempo todo já estava tirando Gabi do sério.
Depois de enfrentar uma fila para entrar no banheiro, Gabriela finalmente conseguiu chegar até o espelho para remover o que sobrou de seu batom. "Maldito batom líquido", esfregava papel higiênico com força em sua boca enquanto reclamava para seu reflexo.
– Amiga, você tá bem? – Lígia a encarou pelo espelho.
– Não! Esse batom não sai e eu tô com a cara toda borrada – esfregou o papel ainda mais forte.
– Não é só isso! Eu nunca te vi abrir mão de um cara gato igual ao bartender.
– Ai, o beijo dele não encaixou como deveria, o problema deve ser eu...
– Claro que não é você! Só pode ser os caras que você tem ficado.
– Você tá certa – jogou o papel no lixo e se virou de frente pra ela – O problema deve ser os caras. Vem cá!
Gabriela puxou Lígia pela mão e a beijou. Não era a primeira vez que havia beijado outra mulher, mas decidiu tentar mais uma vez porque talvez sua amiga tivesse razão e o problema fosse os homens. Não era. O problema era Steve e sua boca, seu jeito, seu toque e seu gosto impregnado em Gabi.
– Amiga... – Gabriela falou ao soltar a mão Lígia – Deu merda.
– Que merda? – sua amiga ainda tentava entender o que acabou de acontecer.
– O gringo, amiga! – fechou os olhos e levou a mão à testa – Ele é o problema...
– Ai, Gabi, melhor a gente ir embora, você deve estar bêbada.
– Bem que eu queria que fosse só isso – arquejou.
***
Como combinado no dia anterior com mais uma moça que conheceu no aplicativo de relacionamento, Steve chegou no Parque do Carmo com antecedência, mas ela já estava lá. Nas fotos Anna era muitos quilos mais magra e seu cabelo mais comprido, mas Steve a achou muito mais bonita pessoalmente. A moça tinha os cabelos bem curtos e escuros e os olhos castanho-claros davam um sutil contraste com a pele negra.
"Olá Anna! Muito prazer!", Steve se aproximou da moça que até então não tinha o visto. Ela o cumprimentou com um abraço e o convidou para uma volta pelo parque. A conversa dos dois rendeu ainda mais do que a da noite anterior, e Anna se mostrava ser uma pessoa super comunicativa. Perguntou há quanto tempo ele estava no Brasil e perguntou sobre onde ele passaria o Carnaval, e ele não pensou duas vezes antes de responder que seria em Minas Gerais.
O beijo não demorou a sair. Os dois continuaram juntos por mais um tempo até que Anna precisou ir embora. Definitivamente Steve se sentiu mais à vontade com Anna do que com Paula, mas nenhuma das duas o despertou a vontade de marcar um segundo encontro.
Assim que chegou em casa, foi questionado por Duda sobre o encontro com Anna. Respondeu apenas que não queria falar sobre isso e foi para o banho, ainda precisava se arrumar para o próximo encontro. "Eu acho que eu sei qual é o seu problema", ela falou encostada no lado de fora da porta do banheiro. "Qual?", ele gritou do chuveiro. "Você sente falta da Gabi", ela concluiu.
***
Steve marcou seu segundo e último encontro do dia no boliche de um shopping. Chegou praticamente junto com a moça, que abriu um sorriso tímido ao vê-lo se aproximar. "Olá Juliana. Prazer, Steve", ele falou ao cumprimentá-la com um beijo no rosto.
Normalmente Steve era um bom jogador de boliche, mas naquela noite Juliana ganhava de lavada. A conversa era animada e ambos pareciam dois velhos amigos que se reencontravam. A moça baixinha de cabelos castanho-claros com mechas azuis desbotadas contava animada sobre a faculdade de Letras e Steve mantinha a mesma empolgação ao falar sobre fotografia.
Os olhos verdes de Juliana transpareciam que ela queria algo a mais do que apenas conversar, então Steve se aproximou e a beijou. Terminaram a partida entre um beijo e outro e caminharam abraçados até o metrô depois de jantarem em um dos restaurantes do shopping. Se despediram com um beijo e disseram que manteriam contato, mas sem a promessa de se verem novamente.
Estava um pouco longe de casa, então teve tempo o suficiente para pensar em tudo que estava acontecendo, inclusive no que Duda falou mais cedo. Desde que se separou de Sharon, prometeu a si mesmo que não se envolveria emocionalmente com ninguém. Por anos cumpriu sua promessa, mas de repente não conseguia se interessar por mais ninguém que não fosse uma certa mineira. Bufou sozinho enquanto esperava para desembarcar do metrô.
A televisão estava ligada, mas Duda estava cochilando com Arthur no sofá. Steve chegou e encontrou os dois dormindo de boca aberta. Soltou um riso baixo e cutucou o braço da amiga, deixando claro que queria conversar com ela. Duda se sentou no sofá e fez sinal para que ele falasse baixo por conta da criança.
– Talvez você tenha razão... – ele sussurrou ao se sentar do seu lado.
– Eu sempre tenho razão... Mas dessa vez é em quê?
– Talvez, mas só talvez... Eu esteja gostando da Gabriela um pouco mais do que eu me permiti gostar – suspirou e desviou o olhar.
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Olá meus amores! Como estão?!
A música que deixei na mídia é a que eu associo a Stela (o nome que deram ao shipp Steve e Gabriela haha), essa letra é completamente os dois!
Só queria dizer que os olhos não estão vendo, mas os corações desses dois estão sentindo e muito, viu?! haha
Quando estava escrevendo, senti que precisava de um capítulo focado nos dois, principalmente nesse intervalo entre Ano Novo e Carnaval.
O que acharam?!
Deixem a estrelinha e muitos comentários!
Vejo vocês semana que vem!
Beijinhos ♥
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top