30 - E se...
Jonathan queria fazer inúmeras perguntas para a irmã, mas ao notá-la envergonhada, preferiu deixar para depois. Já Steve não se fez de rogado, e assim como Gabriela, quis saber de todos os detalhes. Diego e Duda se sentaram no chão e começaram a contar como tudo aconteceu, vez ou outra trocando olhares nitidamente apaixonados. Ele lembrava um ou outro detalhe que ela esqueceu, ela fazia comentários soltos sobre como estava feliz.
Em meio a tanta conversa e risadas, aquela primeira tarde do ano foi tão preguiçosa quanto o resto do dia. Já estava anoitecendo e todos trocaram o chão da garagem pelo chão da sala. Na televisão, um filme aleatório em um canal também aleatório. Em um lado, Jonathan comia alguns salgados que sobraram da noite anterior enquanto Daniela lutava contra o sono na tentativa de assistir ao filme. No meio da sala, Steve e Gabriela cochilavam tortos sobre o tapete. Arthur dormia há um bom tempo no sofá, já Duda fazia carinho nos cabelos de Diego, que dormia com a cabeça em seu colo. Enquanto observava com um sorriso a expressão serena naquele rosto adormecido, pensava em como conseguiu ficar tanto tempo sem ele.
– Eu estou tão feliz por vocês, Du – Jonathan falou, chamando a atenção dela para si – Eu nem lembro da última vez que eu te vi tão leve.
– Eu também estou – sorriu ao olhar o irmão – Mas eu estava pensando aqui... Como que vai ser daqui pra frente? Eu tenho que voltar pra casa já, o estúdio vai reabrir dia oito e eu preciso trabalhar...
– E você vai continuar morando na casa da sua ex-sogra?
– Eu ainda não pensei sobre isso... – suspirou e olhou para Diego – Talvez o Bernardo não tenha falado nada...
Diego se remexeu em seu colo e virou para o outro lado. Duda recostou a cabeça no braço do sofá e estendeu a mão para o irmão, pedindo uma coxinha. Ficou pensando que mais uma vez precisaria se despedir dele, só que agora tudo era diferente. Eles estavam finalmente juntos e ainda tinha Arthur. Mais uma vez o menino seria separado de seu pai. "Você precisa pensar menos, Maria Eduarda", se repreendeu mentalmente.
Já era tarde quando Diego e Gabriela decidiram ir embora. A loira deu um beijo estalado na boca de Steve e afirmou que se encontrariam no dia seguinte. Diego se despediu de todos e Duda o acompanhou até o portão. "Vou te esperar no carro", Gabi se apressou em dizer.
– Então... – Duda passou os braços ao redor do pescoço de Diego – Nos vemos amanhã?
– Amanhã e todos os dias seguintes – Diego sorriu.
– Você sabe que eu vou embora no sábado, né? – retribuiu o sorriso.
– Sim senhora. Por isso todos os dias seguintes são necessários, porque não sei quando você volta.
– Você vai acabar enjoando de mim no terceiro dia.
– Diferentemente da última vez que você me disse isso... – passou seus lábios levemente sobre os dela – Dessa vez terá um terceiro dia.
"Eu te amo", Duda falou ainda com seus lábios encostados nos dele. Diego abraçou sua cintura e a beijou. Foram interrompidos pela buzina insistente do carro e a voz de Gabriela gritando "já chega, eu quero chegar em casa ainda hoje!". Os dois riram e, com um último selinho, se despediram.
***
Os dias se seguiram e os dois se viam todos os dias. No segundo dia do ano, aproveitaram que Mônica ainda estava no sítio e passaram o dia juntos. Na noite seguinte, saíram para jantar na companhia de Jonathan e Daniela. O dia quatro de janeiro se passou no sítio e, por escolha de Duda, só alguns beijos escondidos aconteceram no quartinho de bagunças. Na manhã seguinte, Arthur, os dois casais, Steve e Gabriela – que diziam não ser um casal – se dividiram em dois carros e foram aproveitar o dia nas cachoeiras de uma das cidades vizinhas.
O sábado amanheceu quente, e naquela noite Duda partiria rumo a São Paulo junto com Steve e Arthur. O gringo ainda dormia, mas Duda já estava pronta para sair junto com o filho. O menino terminava de tomar café da manhã quando o carro buzinou no portão da casa.
Diego ostentava um sorriso largo enquanto aguardava Duda do lado de fora do carro. Ela se apressou até ele e deu um beijo rápido em sua boca antes de ajeitar Arthur na cadeirinha. Como combinado na noite anterior, Pedro também estava lá, cantando as músicas infantis que tocavam no rádio. Duda o cumprimentou com um beijo na testa e afivelou o cinto do filho.
Quando Diego comentou que queria levar os dois filhos para passar o dia num parque, Duda ficou insegura. Antes de dormir, pensou em mil possibilidades. E se Nicole não deixasse o filho ir? E se Pedro contasse para a mãe que o seu pai tinha uma namorada? Ou pior, se contasse que, por alguma razão, Diego falou que Arthur era seu irmão? Mas ao ver o menino sorridente, deixou todas suas dúvidas de lado e decidiu curtir o dia ao lado dos três.
Diego também estava um tanto quanto inseguro. Ele tinha certeza que não, mas uma pequena fagulha de medo surgiu, tinha receio de Duda não aceitar muito bem a companhia de Pedro. E se ela entendeu que o passeio "em família" incluía apenas o filho dos dois? Ele percebeu que seus medos eram bobos ao vê-la descer do carro de mãos dadas com as duas crianças. Ela era a Duda, e agora parecia óbvio demais que ela jamais faria algo assim.
Sentada sobre a grama, Duda observava Diego brincar de bola com os filhos e sorria sozinha. Flashes da infância no Parque do Piqueri na companhia de seus pais surgiram em sua mente e umedeceram seus olhos. Diferentemente de anos atrás, as lembranças não traziam mais tristeza, mas sim uma saudade boa do que a vida permitiu que vivessem. Silenciosamente agradecia ao universo por ele permitir que seu filho tivesse a mesma oportunidade.
Ainda estava pensando sobre as voltas que sua vida deu nos últimos anos quando Diego, visivelmente exausto, lhe roubou um beijo e desajeitadamente se jogou ao seu lado, deitando na grama. Duda riu da falta de fôlego do rapaz, o fazendo rir também.
– Não tenho mais idade pra isso – ele falou ao passar as mãos pelo cabelo úmido de suor.
– Você só tem vinte e cinco anos!
– Sou um idoso em um corpo jovem – sorriu.
– Você é muito mole, isso sim! – abriu um sorriso zombeteiro.
– Então vai lá você, vamos ver quanto tempo você aguenta!
Duda se levantou e tirou os tênis, correndo descalça pela grama até os dois meninos que tentavam chutar a bola. Diego continuou deitado por algum tempo, de olhos fechados sob os óculos escuros, tentando amenizar a claridade daquela manhã ensolarada enquanto seu coração voltava a bater no ritmo certo.
Diego ouviu a gargalhada de Pedro e precisou apoiar-se nos cotovelos para admirar aquela cena. A bola já havia sido deixada de lado, e pelo gramado seus dois filhos brincavam de pega-pega com Duda, que estampava um sorriso quase que infantil ao correr atrás dos meninos. Ao contrário dele, ela não parecia cansada – e caso estivesse, disfarçava muito bem. Uma risada alta escapou de sua garganta quando Duda pegou Pedro e Arthur com uma laçada só, fazendo os três caírem no chão. Não aguentou só observar, se levantou e mesmo ainda estando cansado, voltou a correr com os três.
A energia das crianças parecia não ter fim, mas a de Duda e Diego já havia acabado há muito tempo. Os dois voltaram a se sentar na grama, já Arthur e Pedro não pretendiam parar de brincar tão cedo. Enquanto observava os filhos correndo juntos, Diego lembrou-se do bebê que Duda perdeu, e por mais que tentasse não pensar, era mais forte do que ele.
– Du... Você... Você já pensou em como seria se o nosso outro bebê estivesse aqui?
– Se o bebê estivesse aqui, o Arthur não estaria.
– Eu sei... Mas... não sei, eu estava aqui olhando os meninos e... eu queria ele ou ela aqui. Com o Arthur, é claro.
Diego ficava reticente ao falar sobre o bebê. Ainda lembrava com perfeição como sofreu com aquela perda, como perdeu noites de sono nos últimos anos pensando em como seria se tudo fosse diferente. Duda não gostava muito de falar sobre isso pois o tempo não apagou e nem apagaria a dor, mas de qualquer pessoa, o rapaz ao seu lado era o único que a entendia.
– Às vezes eu me pego pensando nela... Porque eu sempre achei que era uma menina – Duda abriu um sorriso melancólico.
– Eu também achava que era uma menina. E acho que ela se pareceria com você. Na verdade, eu esperava que ela se parecesse com você. Seria tão linda – seus olhos já estavam cheios, assim como os dela.
– Eu sei que seria impossível, mas eu fico imaginando o Arthur e ela juntos. Sei que não faz sentido nenhum, que quando eu engravidei dele ela ainda não teria nascido, mas...
– Mas a gente fica pensando no "e se" – a interrompeu.
– E esse "e se" acaba com a gente.
– Eu sei. Eu passei os últimos três anos pensando no nosso "e se".
– Mas agora não tem mais "e se". A gente se tornou realidade.
Duda deu um beijo suave nos lábios de Diego. Os dois se olhavam com a mesma paixão e admiração de anos atrás, e naquele momento parecia que o tempo não havia passado. A troca de olhares foi interrompida abruptamente pelo choro de uma criança.
Pedro estava sentado no chão com o rosto lavado em lágrimas enquanto Arthur gritava por sua mãe e apontava para o joelho ralado do irmão. Os dois se levantaram apressadamente e foram até as crianças. Diego pegou Pedro no colo, já Duda retirou a garrafa de água de dentro da bolsa e despejou o líquido sobre o machucado, fazendo o menino chorar ainda mais.
"Eu posso cuidar de você?", Duda perguntou para Pedro, que assentiu com a cabeça ainda chorando. "É só água, não vai doer nada, eu prometo", sorriu para o menino. Despejou mais um pouco de água e aos poucos ele foi acalmando. Duda pegou uma toalhinha do filho na bolsa e com muito cuidado, secou o excesso. "Ainda tá doendo?", perguntou. Mais uma vez a criança assentiu. Duda se curvou até o joelho e deu um beijo na pele machucada. "Agora vai passar, tá bom?". Pedro sorriu mesmo com o rosto úmido das lágrimas. Um sorriso igual ao que Diego exibia ao vê-la cuidar de seu filho com tanto carinho.
Não demorou para Pedro se esquecer do joelho e voltar a correr com Arthur. Depois de correrem e brincarem por toda a manhã, decidiram comer em uma barraca de cachorro-quente perto dali. Para as crianças, uma porção de batata-frita que elas tanto pediam. Ao fazer o pedido para si e para Duda, uma certa nostalgia bateu em Diego.
– Dois cachorros-quentes completos. Com purê para a mocinha paulista aqui.
"Você lembra", Duda sussurrou com um sorriso no rosto. Enquanto aguardavam pelo pedido sentados à mesa de plástico vermelha, na memória ela revivia aquela primeira vez em que saíram juntos, quando ainda estavam um tanto quanto irritados um com o outro pelas farpas que haviam trocado dias antes. Riu sozinha ao se dar conta de como eram imaturos. Foi depois de Diego dizer a mesma frase em uma barraquinha quase igual àquela que tudo começou a mudar, e ela não poderia estar mais grata.
***
Depois do almoço, os quatro passaram o resto do dia juntos na casa de Jonathan. As crianças dormiram ainda no carro, dando tempo para Diego ajudar Duda a arrumar as malas. Gabriela também estava por lá, aproveitando as últimas horas ao lado de Steve.
– Aqui, pegue para você – Steve jogou uma camiseta em direção a Gabriela – Para você não se esquecer de mim.
– Você está se achando demais, gringo! – riu – Quem disse que quero me lembrar de você?!
– Mesmo se eu não te der nada, eu sou inesquecível, baby.
– Você é metido, isso sim! – jogou a camiseta de volta para ele – Vamos ao que interessa. Como fica o nosso acordo agora que você está indo embora? A gente não pensou nisso.
– O que os olhos não ver, o coração não sentir – falou em português.
– Feito. A partir de amanhã o seu coração não vai sentir nada do que eu fizer, baby.
Gabriela falou dando risada, fazendo Steve jogar a camiseta em seu rosto. Dessa vez, ela não devolveu. Ela já fazia planos para a noite seguinte, ele já pensava em mandar mensagem para algumas das meninas que conheceu durante os meses em São Paulo. "Eu te dei minha camiseta. O que você vai me dar?", o gringo perguntou ao abraçá-la pela cintura. "A oportunidade da minha ilustre companhia lá na sala, Steve", ela respondeu com um sorriso cínico e saiu do quarto, o deixando sozinho com sua bagunça.
***
O relógio da rodoviária marcava oito e vinte da noite. Jonathan e Daniela se despediram dos três ainda em casa, já que não poderiam acompanhá-los por conta do bar. O ônibus já estava parado na plataforma e iniciaria o embarque em poucos minutos. De um lado estava Diego segurando a mão de Pedro e de Duda, que estava com Arthur no colo. Do outro, Steve e Gabriela abraçados de uma maneira que nunca estiveram antes.
Conforme o embarque começava, Diego sentia as mãos suarem. Ele sabia que dessa vez era diferente de todas as outras, que mesmo com Duda estando há mais de 600 quilômetros de distância, eles ainda estavam juntos e que tudo estava bem, mas era a primeira vez que se despediria de seu filho – ao menos a primeira após ter conhecimento disso. Depois que finalmente descobriu ser pai de Arthur, queria aproveitar todo o tempo perdido e tinha medo de que um dia que passasse longe do menino fizesse desaparecer o vínculo que vinham criando pouco a pouco.
Todas as malas já estavam no bagageiro do ônibus e as poucas pessoas que ainda se encontravam na plataforma formavam uma pequena fila em frente a porta do veículo. Arthur deu um abraço no pai e no irmão e começou a puxar a mão de sua mãe em direção ao ônibus. Com um sorriso no rosto, Duda se despediu de Diego com um beijo rápido. "Você ainda nem saiu daqui e eu já estou com saudades de vocês dois", ele falou abraçado a ela. "Agora é a sua vez de me visitar", ela respondeu ao dar um último beijo antes de embarcar.
A poucos passos de distância, Gabriela tentava disfarçar o nó na garganta. Ao contrário de Duda e Diego, que não gostavam muito de demonstrações públicas de afeto, Steve segurou os o rosto de Gabi com as mãos e se despediu com um beijo longo.
– Nos vemos em breve – Steve falou ao soltar seu rosto.
– Antes do Carnaval – Gabriela tentou controlar a voz embargada.
– Antes do Carnaval – sorriu – E você já sabe... O que os olhos não ver...
– O coração não sente – sorriu – Vai logo, gringo! Vai atrasar o ônibus! – falou antes que sua voz entregasse que estava triste.
Os acenos do lado de fora continuaram até que a plataforma ficasse vazia. Diego segurou a mão de Pedro e se virou para ir embora, por mais que sua vontade fosse de pegar o próximo ônibus com destino a São Paulo. Deu alguns passos e olhou para trás ao perceber que sua irmã não estava ao seu lado. Gabriela continuava encarando a plataforma vazia.
– Ei, vamos? – Diego caminhou até a irmã e enganchou seu braço no dela.
– Credo, foi assim que você se sentiu todas as vezes que ela foi embora? – Gabriela perguntou ainda desanimada.
– Eu sei, é uma merda. Bem-vinda ao mundo dos apaixonados por pessoas que moram longe – riu e soltou seu braço, voltando a caminhar em direção à saída.
– Cala a boca, eu não sou apaixonada por ninguém – reclamou e o seguiu até o carro.
***
A viagem de volta foi surpreendentemente tranquila, Arthur dormiu boa parte do tempo e o ônibus estava um tanto quanto vazio. Chegaram em São Paulo perto das oito da manhã e um suspiro de felicidade tomou Steve quando o Uber finalmente entrou no bairro em que moravam. Desembarcaram em frente a casa amarela e por mais que Duda estivesse doida para deitar na sua cama depois de tanto tempo, estava com receio de encontrar Glória, não sabia o que Bernardo havia falado para a mãe. Destrancou o portão e deu de cara com a senhora sacudindo a toalha de mesa no quintal.
– Lar doce... – antes que Duda pudesse concluir, Glória a encarou e entrou para a casa batendo a porta – Nem tão doce lar.
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Olá meus amores! Como estão?!
Queria dizer que estamos há dois capítulos sem merecer xingamentos! Nosso recorde é: dois capítulos haha
Sei que falo isso sempre, mas amo esse capítulo. O passeio em família no parque, os dois conversando sobre o primeiro bebê, a Gabi sentindo... coisas pelo Steve... O que acharam?
Ah, e mais uma vez estou dedicando o capítulo a uma pessoa mega especial, dessa vez é a Ana Paula, uma amiga queridíssima que conheci num grupo sobre Outlander no Facebook, mas que me apresentou o Wattpad (e que não gostava muito do meu livro quando mandei o PDF, falo mesmo hahaha).
Ana, você é uma pessoa incrível, obrigada pela sua amizade, por me apresentar isso aqui e por todos os surtos (nos comentários e no WhatsApp) e checagens de pulso. Amocê ♥
Vejo vocês em breve!
Beijinhos ♥
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