13 - Babaca
Steve não sabia o que dizer, ele sempre foi alertado por seus amigos que quando extrapolava na bebida acabava falando demais, mas ele não percebeu quando toda aquela cachaça passou a fazer efeito, ele jurava que estava sóbrio e com total controle sobre sua língua solta. Gabriela o encarava de sobrancelhas arqueadas, aguardando pela resposta.
– Vamos, Steve. Com o meu irmão ela o quê?
"Pense, Steve. Pense! Bote essa cabeça para funcionar".
– Bom... – pigarreou – Ela me disse que você sabia...
– Sei o quê?! O filho dela é do meu irmão?!
– Não! Claro que não! Ela me disse uma vez que você sabia que ele era o pai daquele filho que ela acabou perdendo no hospital... – desviou o olhar, torcendo para que ela acreditasse.
– Ah, sim... É verdade... – franziu o cenho – Por um segundo você me fez acreditar que o Arthur era filho do meu irmão...
– Isso nem faz sentido, só se ele tivesse ido até Boston...
Gabriela percebeu todo o nervosismo de Steve, mas eles estavam bêbados, muita coisa já não fazia sentido, então deveria ser coisa da sua cabeça. Além do mais, por que gastarem o tempo falando dos dois? Queria aproveitar aquela noite ao máximo na companhia do rapaz.
– Tem razão – sorriu e voltou a abraçar seu pescoço – Mas vamos parar de falar deles... Você teria problema em não voltar para casa hoje?
– Problema algum – a beijou.
***
Daniela e Duda tomavam café da manhã quando Steve chegou tocando a campainha. As duas deram risada quando o rapaz entrou com os olhos semicerrados, soltou um "bom dia" arrastado e deitou no sofá, mal aguentando os olhos abertos.
– Eu não sei se devo perguntar como foi o seu encontro com a Gabi... – Duda riu.
– Ela me fez sair de lá tão cedo, antes da mãe dela acordar... A gente mal dormiu e eu estou de ressaca. Você sabe que eu não consigo nem me levantar quando estou de ressaca, imagina sair correndo, pegar um táxi, fazer mímica para o taxista... Da próxima vez que ela me convidar para a casa dela, eu vou dizer não.
– Da próxima vez... – Dani sorriu – Quer dizer que haverá uma próxima vez?
– Ele sempre diz isso, mas eu nunca vi ele tendo um segundo encontro com ninguém... – Duda falou e Steve revirou os olhos – Mas vamos, me conte! Onde vocês foram?
Steve passou os minutos seguintes contando os detalhes do encontro no bar, inclusive que tomou ao menos cinco caipirinhas, deixando muito bem explicado para Duda a razão de toda a ressaca. Daniela precisava ir ao mercado para comprar os suprimentos para a semana do Bobiça's, deixando os dois sozinhos com Arthur.
– Aí de lá nós fomos para a casa dela de táxi e...
– Por favor, me poupe dos detalhes.
– Eu só ia dizer que eu gostei de sair com ela.
– Que bom que você gostou, ela é muito legal mesmo. Já te contei que eu achava que ela não gostava de mim, né?
– Já... Inclusive ela me perguntou algumas vezes se eu tinha certeza que não era seu namorado, porque não queria ser sacana com você.
– Típico, todo mundo acha. E você disse o quê?
– Eu... – pigarreou – Eu acho que vou dormir um pouco agora.
Steve fechou os olhos e cobriu a cabeça com o braço. Mas Duda o conhecia tão bem que tinha a certeza que ele estava escondendo algo. Puxou o braço de cima de sua cabeça e o chamou mais uma vez.
– O que você respondeu pra ela?
– Talvez, mas só talvez... – abriu os olhos, mas não a encarou – Eu tenha mencionado algo sobre você ter um filho com o irmão dela.
– VOCÊ O QUÊ?! – gritou – Vocês tinham que estar se conhecendo, não falando de mim!
– Calma! Eu fui rápido e disse que estava falando sobre o bebê que você perdeu, você me disse que ela e o Jonathan sabem, certo?!
– Sabem, mas...
– Então pronto, ela acreditou em mim, de verdade.
– A Gabriela é muito mais esperta do que você imagina...
– Ela estava tão bêbada quanto eu, não deve se lembrar.
– Bom, você se lembra, então...
– Duda, acredite em mim. Se ela falar para alguém que desconfia que o Arthur é filho dele, eu deixo você me dar um chute no saco.
– Você sabe que se isso acontecer você não vai ter que deixar, eu vou chutar de qualquer maneira, não sabe? E eu vou te pegar de surpresa, para doer ainda mais.
***
O mês de junho chegava ao fim, e naquela uma semana que se passou, tia Maria inventou de fazer uma festa junina no sítio, insistindo que era seu aniversário. Não era. Seu aniversário era em fevereiro e no dia ela só se lembrou quando seus netos chegaram com um bolo.
Já havia alguns meses que ela estava se esquecendo de algumas coisas simples, como o que foi fazer na despensa da casa ou então passou a confundir os nomes dos filhos. Perguntava com frequência o dia da semana, mesmo já tendo perguntado antes. O médico já havia dito que era normal da idade, mas Mônica acreditava que tinha algo mais.
Nenhum irmão de Mônica parecia se importar a não ser ela mesma. Todos tinham suas vidas feitas em outras partes do Brasil e pouco era o tempo livre para visitarem os pais. Ao menos era o que eles diziam quando questionados em que momento apareceriam apenas para um "olá".
Daniela não deveria fechar o Bobiça's por mais um dia, principalmente uma sexta-feira, mas fechou mesmo assim. Tinha plena consciência que precisaria trabalhar dobrado no mês de julho para suprir a falta de lucro que junho deixou, mas tinha um carinho muito grande por tia Maria, assim como Jonathan. Ela havia perdido sua avó materna ainda na adolescência, já a paterna, assim como seu pai, ela nunca conheceu. Ele não chegou a conhecer seus avós maternos, já a avó paterna nunca foi muito ligada aos dois. Tia Maria e tio Pedro eram os que ambos adotaram como meta de vida e felicidade, e por isso aquela sexta-feira seria totalmente dedicada ao "aniversário que não é aniversário".
***
Os cinco chegaram na festa já vestidos a caráter com camisa xadrez, com exceção de Arthur, que usava um macacão jeans com um coração de feltro costurado na parte traseira e um bigode desenhado com lápis de olho. Gabriela ainda terminava de pendurar as bandeirinhas que comprou de última hora e Mônica fazia o vinho quente. "Você vai conhecer a melhor festa típica do mundo", Duda afirmou para Steve assim que entraram e se depararam com o tio Pedro juntando lenha para fazer uma fogueira.
Diego foi o último a chegar, carregando um chapéu de palha em uma mão e uma caixinha de cerveja na outra. Nicole vinha logo atrás com um pote de paçoca e Pedro, que também tinha um bigode desenhado, mas usava roupa xadrez, assim como os demais. Um cumprimento geral os poupou de repetir a cena constrangedora da última vez.
A festa estava animada, todos dançavam, brincavam e se empanturravam. Gabriela fez questão de fazer pintinhas no rosto de todos, além de marias-chiquinhas. Não havia clima ruim que uma festa junina não quebrasse, e esse era o caso. Apesar de não terem se aproximado ou sequer conversado, Duda e Diego não estavam tensos com a presença do outro. Um ou outro olhar disfarçado acontecia, afinal eles não eram de ferro, mas apenas olhares e nada mais. Arthur e Pedro brincavam juntos e era bom ter crianças naquela casa novamente.
Steve estava escorado no muro da piscina enquanto dava um tempo da comilança. Ele já não aguentava mais comer, e quando perguntado qual a comida que mais gostou, era direto: todas. Observava o movimento lento da água da piscina quando Gabriela se aproximou com um sorriso no rosto.
– Então... Você gosta de caipirinha?
– Eu gostei bastante, mas me deu uma enorme ressaca.
– Steve, não estraga a minha cantada! Vamos tentar de novo... Você gosta de caipirinha?
– Eu... gosto? – franziu o cenho, se perguntando se era aquilo que ela queria ouvir.
– Então aproveita que eu sou do interior! – piscou.
– Eu... Eu não entendi – a olhava confuso.
– Essa cantada não faz sentido em inglês, Gabi – Diego se aproximou e estendeu uma lata de cerveja para Steve.
– Obrigado – pegou a lata e voltou a olhar para Gabriela – O que isso queria dizer?
– Nada, esquece – revirou os olhos – Eu vou dançar, depois a gente conversa.
Gabriela jogou um beijo no ar e saiu com as marias-chiquinhas loiras balançando. Puxou Duda para dançar o xote que tocava, fazendo Diego imediatamente se lembrar da primeira dança dos dois, afinal, era a mesma música. Se debruçou ao lado de Steve e desviou o olhar, não conseguia assistir àquilo sem sentir saudades.
– Então, Steve, o que você está achando do Brasil?
Steve sorriu com o assunto que o rapaz tentou puxar. Todos iniciavam as conversas da mesma maneira.
– Dude¹, vocês possuem as melhores comidas do mundo.
– Se você passar uma semana aqui com a minha avó então, nunca mais vai querer ir embora. Quando o Jonathan ainda morava em São Paulo, cada vez que ele vinha era uma luta para voltar para casa. Tanto é que ele mora aqui pertinho agora.
– Sim, a Duda já fez a propaganda do sítio e todas as suas delícias para mim – sorriu – E ela tinha razão, assim como você. Esse lugar é maravilhoso – desviou o olhar para Gabriela e Duda dançando.
– Sim ele é, e eu vivi coisas maravilhosas aqui... – virou-se e encarou o mesmo que ele – Então, você e minha irmã, hein?
– Ela é uma ótima companhia. Só é péssima com cantadas, pelo jeito.
– Não tenha dúvida, as cantadas dela são ruins tanto em inglês quanto em português.
Os dois riram e continuaram conversando por algum tempo. Steve achou Diego um cara legal, que também percebeu estar errado nas primeiras impressões – que na verdade, não passavam de ciúmes – quanto ao gringo. Enquanto ainda falavam sobre aleatoriedades, Arthur veio até eles e abraçou a perna de Steve. "Titio, colo", o chamou.
– Ele gosta muito de você – Diego fez carinho nos cabelos do menino.
– Tinha que gostar! Troquei tanta fralda suja desse camarada... Ainda troco, não é, Arthur?! – apertou o nariz do menino, o fazendo rir.
– A Duda deu sorte por ter você lá em Boston, pelo o que ela me disse, é mãe solo e não seria fácil criar o menino em outro país sem ajuda.
– Foi muito difícil no começo, mas a gente pegou o jeito. Eu não vejo mais a minha vida sem esse bagunceiro aqui – fez cócegas em Arthur, fazendo o menino se contorcer e gargalhar.
– O pai dele deve ser um babaca por estar perdendo tudo isso.
– Até que ele é um cara bacana... – colocou a criança no chão.
– Um cara bacana não abandonaria a Duda grávida – disse com certo pesar na voz.
– Ah sim, tem razão. Ele era bacana antes de fazer o que fez – pigarreou e desconversou.
A conversa ainda se estendeu, mas o assunto já não era mais a paternidade de Arthur. Duda entrou na casa para ir ao banheiro e tia Maria estava sentada na cozinha conversando com Gabi, que já havia cansado de dançar. Assim que saiu do banheiro, se sentou com as duas e ficou beliscando o bolo de milho que enfeitava a mesa.
– Por que sua mãe não veio, menina?
Maria perguntou para Duda com um sorriso doce no rosto. Ela e Gabriela se entreolharam com os olhos marejados. Duda estendeu sua mão até a de sua tia-avó e a segurou, fazendo carinho na pele enrugada.
– Tia... a minha mãe faleceu dia vinte e nove de maio... Completou um mês ontem.
– É vó, lembra que a gente foi no velório lá em São Paulo? A gente até dormiu na casa dela...
A senhora precisou pensar um pouco e seu sorriso se desmanchou quando se lembrou do momento em que recebeu a notícia. Aos poucos a viagem foi voltando à mente. "Me desculpa, menina, eu sinto muito", pediu, apertando a mão de Duda. "Está tudo bem, tia", ela respondeu com um sorriso. As três continuaram conversando até que Daniela entrou na cozinha de mão dada com Arthur, que correu até sua mãe.
– Esse é o menino do Diego? – Maria perguntou enquanto brincava com Arthur.
– Não, tia. Esse é o Arthur, meu filho. O filho do Diego tá lá fora.
– Não... – balançou a cabeça em negação – Esse é o menino do Diego.
Tia Maria ergueu o olhar dos olhos do menino até os de Duda e arqueou as sobrancelhas, como se soubesse de algo. A mãe do menino sentiu um arrepio na espinha com aquilo. Mas não era possível ela saber, certo? Ela estava confusa. Daniela olhou de soslaio para Gabriela, que ficou em dúvida se aquilo era apenas mais uma das confusões de sua avó.
– Não vó, o do Diego é o Pedrinho, lembra?
"É verdade, tem razão", a senhora respondeu ao se levantar da cadeira. Pediu licença e disse que voltaria para o quintal. As três jovens a seguiram e logo Diego e Jonathan estavam acendendo a fogueira. Todos se sentaram ao redor das chamas e tio Pedro começou a contar as lendas que cercavam o lugar. Steve preferiu brincar com as crianças ao redor da mesa de sinuca, pois não estava entendendo nada do que aquele senhor falava.
As horas se passaram e aos poucos a festa foi acabando. Todos dormiram por lá mesmo, e como haviam muitos quartos, ninguém precisou se amontoar com ninguém. Duda dividiu o quarto com Steve e seu filho, mas quando amanheceu apenas Arthur estava na cama ao lado, o gringo se encontrava em outro quarto – e muito bem acompanhado.
Todos acordaram cedo, levando em conta a hora em que foram dormir. A mesa ainda estava farta das comidas típicas que sobraram da noite anterior e todos tomavam café juntos. Aquele sítio não ficava cheio de vida daquela maneira há muito tempo, então todos queriam aproveitar o quanto podiam.
"Eu acho que não vem tanta gente aqui desde aquele festão que o Diego deu", Mônica relembrou. Diego e Jonathan se entreolharam, nenhum dos dois gostavam de se lembrar daquela noite em que encontraram Duda quase sem vida no meio da estrada, e eles viram nos olhos dela que também não era uma lembrança agradável. Daniela comentou que ela e Jonathan se reconheceram naquela festa, como gostavam de dizer.
– E ele ficou botando banca aquele dia, dizendo que todas as bebidas ele que tinha feito, mas me pergunta se ele já fez alguma depois que casamos?! Nenhuma.
– Mas eu lembro de todas as receitas – bateu o indicador contra a cabeça – Sou um bêbado prodígio, lembra?
– Vocês se lembram da Fantástico Mundo de Bobby? Aquela bebida era fantástica mesmo! – Gabriela sorriu – Mas depois do aniversário do Diego eu nunca mais tomei. Aliás, onde foi que a gente conheceu ela?
"Na balada em São Paulo", Duda e Diego responderam juntos. Ela estava de um lado da mesa, já ele se encontrava do outro lado, na outra ponta, mas mesmo assim seus olhos se encontraram e um sorriso rápido surgiu. Sorriso este que passou despercebido por todos, exceto por Nicole.
– Eu sei fazer – Jonathan se gabou mais uma vez.
– Você e a Dani deveriam abrir um bar – Duda apenas comentou enquanto mexia seu café com leite.
– Sim! – Gabriela se animou – Se vocês quiserem eu ajudo vocês!
– Calma Gabi! – Daniela riu – Nós já temos o Bobiça's e ele toma muito o nosso tempo.
– A Eduarda tem razão – Diego falou, a fazendo olhar para ele – O Jonathan entende das bebidas, você faz uns lanches maravilhosos, é sucesso na certa.
– Eu preciso concordar – Nicole se pronuncia pela primeira vez – Eu nunca comi nada que você tenha feito que não estivesse uma delícia.
– É uma ideia top! Sério, gente, eu preciso que vocês tenham um bar. É tipo uma necessidade que surgiu agora e eu não posso mais viver sem – Gabi falou deslumbrada.
– A Gabi sozinha garante o lucro do mês.
Diego brincou com a irmã, que mostrou o dedo para ele, fazendo todos rirem e sua mãe repreendê-la. "Não vai rolar, sair de um delivery pra um bar é um salto grande demais", Daniela concluiu. O celular de Jonathan começou a vibrar em cima da mesa e ele saiu para atender, pois a falação não o permitia entender nada do outro lado da linha.
Outros assuntos surgiram e todos interagiam, até mesmo Nicole, que estava sempre tão na dela – ao menos quando Duda estava presente. A cada vez que Duda falava, um brilho contido surgia involuntariamente nos olhos de Diego. Ele tentava reprimir, mas seus olhos o traíam e logo estavam lá, brilhando mais uma vez. E Nicole queria poder dizer que não, mas percebeu cada um deles.
Gabriela pediu licença e foi até o quarto; logo em seguida Steve fez o mesmo. "Esses jovens que acham que enganam alguém", Mônica falou com deboche, fazendo todos rirem. Os dois acreditavam piamente que eram discretos. Continuaram conversando até que Jonathan voltou e chamou Duda até a sala. Seus olhos ansiosos a deixaram aflita.
– O que aconteceu?!
– Era o corretor... O apartamento recebeu uma proposta.
– E então?!
– Ele só queria confirmar se a gente aceita, mas eu só vou concordar se você também concordar.
– Ou seja, você deixou nas minhas mãos.
– Exatamente. E então... vamos aceitar ou não?
– Vamos.
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Olá, meus amores!
Mais um capítulo fresquinho.
Steve se saiu bem da situação que ele mesmo se colocou, hein?
Vocês acham que a Gabriela acreditou?
Ah, eu particularmente amo esse café da manhã deles, tantas lembranças de Imperfeitos ♥
Deixem a estrelinha, muitos comentários e até semana que vem!
Beijinhos ♥
¹Dude - Cara; Mano.
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