Capítulo 4
BIRKAN NÃO SOUBE DO QUE ACONTECEU. Inara sentiu vergonha, assim como nojo. Quando acordou estava sozinha naquele beco escuro e sujo. Chorou por um bom tempo até lembrar-se do que seu novo pai pediu. "Volte antes do anoitecer". Levantou com a fé que tinha e foi para casa. Segurava as partes rasgadas com força contra o corpo. Apenas os seguranças lhe viram naquele estado, mas nada disseram. Ela tomou um banho e vestiu-se como seria dali em diante. Seu corpo apresentava alguns hematomas e doía em grande parte.
Dois dias depois, Tarta
— Mamãe, para onde estamos indo?
— Jack, lembra-se que você já é um homenzinho?
— Claro mãe, pode me dizer o que quiser.
— E se eu te disser que eu vou me casar, ficaria feliz?
Inara tinha um sorriso encantador no rosto, apenas para demonstrar que aquilo poderia ser uma coisa boa e animadora. Jack lhe deu a resposta com um choro.
— Jack, por favor. Não fique assim... — abraçou o menino.
— É sério que eu vou ter um pai?
Desta vez Inara quem precisou segurar o choro. Seu filho estava chorando de felicidade.
— Você já tem um pai, Jack.
— Os pais dos meus amiguinhos sempre iam buscar eles na escolinha... Obrigada mãe.
Inara resolveu não dizer mais nada. Já estava emocionada demais para explicar o que quer que tivesse em mente. Birkan apenas escutava a conversa dos dois, não podia negar que era uma linda cena de se sentir.
E durante aquele momento ele voltou a pensar em Malika, sua verdadeira filha. Por que ela ainda não entrou em contato? Será que realmente não o amava como pai? Ele poderia perdoá-la?
Inara admirava o lugar em que estava, era diferente do que se imagina quando se fala em muçulmanos. Principalmente por se encontrar em um lugar como o Brasil, visto que é um Estado Nação. As casas antes menores e mais coladas davam espaço para uma grande paisagem verde e animalesca. Passadas as enormes árvores iniciavam as enormes casas. Bem divididas e espaçosas. O cheiro do mar já atiçava a narina, fazendo-a recordar do Rio de Janeiro.
Desceram do carro e lá estava seu futuro lar. Jack segurava firme a mão da mãe, nunca esteve em um lugar como aquele.
— Vamos filha, hoje é o seu dia.
Entraram juntos até uma determinada parte. Birkan sempre acompanhado de um segurança, o mais fiel.
— Vamos Jack, sua mãe precisa se arrumar para o casamento.
— Por que ele não pode ficar comigo?
Birkan arregalou os olhos, aquilo era um absurdo. Mas ele respirou fundo.
— O casamento é celebrado separadamente, a celebração por seu esposo será daqui a dois dias, a sua já vai começar. Vá, eu cuidarei do meu neto.
— Eu ficarei dois dias sem ver o Jack?
— Não, alguém o levará até você. Apresse-se.
Mesmo receosa Inara lhe entregou a mão de Jack.
— Comporte-se, e lembre-se: Precisamos ganhar aquele jogo...
Piscou para o filho e logo eles se afastaram. Não demorou para que um grupo de mulheres viessem lhe ovacionar.
— Já era hora, precisa se arrumar querida.
E assim começou o evento para Inara. Ela foi levada até uma enorme sala, repleta de mulheres, as quais lhe recebeu de bom agrado e com sorrisos enormes.
— Vamos, tire todas essas roupas e entre na banheira. Precisa descansar e estar pronta.
Ela não falava, era estranho demais ter tantas mulheres a sua disposição. Pior ainda, começar o casamento sem o noivo. Inara caminhou até a banheira, onde tirou suas roupas. Naquele exato momento houve espanto pelas mulheres. Uma pequena parte das costas de Inara estava arranhada. Quando ela se virou para ver o motivo de tanto espanto lembrou-se dos hematomas. Eles já estavam esverdeados, sinal de que logo estaria livre deles. O pior deles ainda estava em seu rosto. Por isso manteve o niqab e entrou na banheira.
— Não vai tirar o niqab? Estamos só entre mulheres.
— Não. Quero que... — hesitou em continuar, precisou fazer um grande esforço para lembrar-se do nome do seu futuro marido. — Benjamin seja o primeiro a ver meu rosto.
Estavam prestes a questionar quando a enorme porta foi aberta. O silêncio fez a mulher voltar-se para o lugar. As mulheres adquiriram seriedade e forma. Como se todas fossem empregadas. "Seria possível?"
— Seja bem-vinda, Malika. Que sua vinda traga luz a esta casa e para a vida do meu filho.
— Insha'Allah! — todas disseram em uníssono e sorriram.
Aquela mulher lhe causou um choque na espinha, e não foi nada bom. "Como poderia ser do ocidente?" Suas vestes, a forma de seus gestos e sua voz era completamente muçulmana.
— Insha'Allah! — disse ela por fim, reconhecendo a palavra de novelas e filmes de sua adolescência.
— Vamos meninas, aprontem a noiva do nosso líder.
E assim voltaram a paparicar Inara, lhe massagearam e ajudaram no banho. Em seguida Inara deitou-se e foi massageada, desta vez com uma pasta feita à base de açafrão, sândalo e óleo jasmin.
Naquele mesmo dia ela recebeu joias e mais joias, incluindo um lindo colar mandado por seu futuro esposo. O que ela deveria usar no dia que se encontrassem.
Inara estava encantada com toda aquela cerimônia, e por maior que fosse o medo de que descobrissem, imaginou que realmente era seu casamento e não de Malika. Seu coração gelava do nada, como se algo de ruim estivesse para acontecer e ela só conseguia orar pedindo para que trouxesse seu filho o quanto antes.
Jack também ansiava por sua mãe, queria lhe contar tudo o que fez e descobriu durante o dia. Isso aconteceu à noite, e unicamente por sua idade e por Benjamin permitir. Ele sabia que ela precisava manter sua mentira sobre ser mãe.
— Mamãe, você não sabe o que eu fiz hoje.
— Conte, meu anjo.
— Beijei a mão de vários homens. A maioria dele se veste estranho, como eu e o senhor Birkan.
— Seu avô... — o corrigiu.
— Estou tão feliz mamãe, não falaram muito comigo, mas tinha tanta gente.
— Que bom, sua felicidade é tudo o que me importa nessa vida. Tomou seus remédio?
— Aham — abaixou o olhar e sorriu.
— Por que está rindo assim, Jack? Está mentindo para sua mãe?
— Nunca faria isso, mamãe. Eu acho que conheci meu pai. Foi ele quem deixou que eu viesse te ver.
— O quê?? Você pediu a ele?
— Eu disse que estava com saudades sua, que não posso dormir sem você. Uma mulher disse que eu tinha que me acostumar... Mas ele disse que eu poderia vir.
Inara encantou-se com o ato, mas murchou quando lembrou-se da fama que tinha para aquela família. Para eles Jack não era meu filho de verdade.
— Se te tratarem mal você corre para o Birkan, está bem?
— Combinado.
Ela abraçou o mesmo e ambos dormiram.
O dia amanheceu e lá estava uma empregada para levar o café da manhã de Inara e levar Jack para socializar com os demais. Inara acabou voltando a dormir e deixando a comida de lado.
Mais tarde escutou demais por tal ato, era seu casamento e deveria estar se preparando.
Todo o restante do dia Inara passou quieta, enquanto mulheres solteiras a tatuavam de henna. Nas partes que ficariam expostas pela roupa da ocasião: pés e mãos.
Nesse meio tempo lembrou-se do que as mulheres lhe ensinaram: "A henna tem suas propriedades mágicas, Maomé a usava para tingir a barba. Ela lhe protege de feitiçarias e do mal olhado (Baraka). E só se deve fazer tarefas domésticas depois que a henna sair, leva-se mais ou menos 10 dias."
***
O casamento do noivo não podia ser no mesmo momento do da noiva. Além de ser cerimônias distintas. Realizado de forma tradicional, foi servido chá, café e um vasto café da manhã.
— Birkan, Salaam Aleikum¹, até que enfim apareceu!
Omir levantou-se para cumprimentar o amigo. Segurou forte em seus ombros e beijou-lhe a face duas vezes. Seu olhar logo desceu para a mão do velho amigo, onde estava a segurar Jack, onde o sorriso se desfez.
— Deixe-o com as empregadas.
— Alaikum As-Salaam². Melhor ele ficar comigo, ele não conhece muito das coisas...
Omir deu de ombros e seguiram para o centro dos homens. Todos se cumprimentaram. Benjamin sorria, como se aquele fosse o casamento que tanto sonhou há anos. Mas não passava dos bons momentos e assuntos que surgiam quando todos estavam juntos. Boa parte do seu clã estava ali.
— Hoje é um dia de bençãos, meu primogênito fez sua escolha.
— Que lhe venham filhos, o que ainda não veio para seu irmão — Um deles disse, deixando evidente o duelo de ego que eles próprios criaram.
— Insha'Allah!
— Que ela encha sua vida e casa de luz, Benjamin.
— Insha'Allah!
Tudo o que era desejado para o noivo deveria ser abençoado e por Allah, por isso todos repetiam "Insha'Allah!" a cada desejo. Benjamin usava o traje tradicional para a ocasião, decidiu não optar por não usar o que o pai usou em seu casamento, tinha medo do azar que lhe perseguia.
— Senhor... — Jack tomou coragem e puxou uma parte da roupa de Benjamin, atraindo sua atenção. Ele estava encantado com o novo pai, não só pelo título, lhe parecia com o rei das histórias que sua mãe lhe contava. — É você que vai ser meu pai?
Benjamin, que até então só observou a criança de longe levou toda sua atenção aquele belo menino que perguntara algo tão bonito e confuso.
— Você é o filho da Malika? — ele sabia da resposta, mas queria conversar com o garoto. Quem sabe ele lhe entregava as coisas.
Jack hesitou por tempo demais, ele poderia dizer a verdade para o seu novo pai? Por fim ele decidiu que era melhor perguntar a sua mãe primeiro.
— Sou sim.
— Então você pode me chamar de pai — Benjamin sentiu um enorme carinho por Jack, afagou seus cabelos e sorriu.
— Hoje é o dia mais especial pra mim. Eu tenho um pai de verdade!! — o garoto pensou alto e tirou um enorme sorriso do novo pai, que realmente acreditava que as crianças eram os verdadeiros anjos.
— Venha Jack, deixe o senhor Benjamin falar com seus amigos...
— Senhor Birkan, peça para que levem-o para conhecer a irmã.
Jack arregalou os olhos e levou as mãos a bochecha, apertando-as contra o rosto. Estava muito emocionado.
— Eu tenho uma irmã... — sussurrou e aceitou a mão de Birkan. Com a mão livre ele acenava para Benjamin. Em seu rosto estava um sorriso incrível, enorme e sincero. Ele já amava seu novo pai, ele lhe deu uma companhia no mesmo dia em que ele chegou àquela casa.
Birkan tentou abaixar-se para conversar com o menino, mas a dor em sua coluna não o permitiu.
— Jack, vou lhe entregar a uma dessas mulheres, prometa que vai se comportar.
— Eu prometo vovô, eu estou muito feliz.
Jack abraçou as pernas do velho, que sentiu seu coração fraquejar. Então vieram buscar o menino.
***
Inara estava magnífica em seu vestido dourado e suas enormes joias, todas escolhidas a dedo por seu marido. Sua cabeça estava coberta por um véu em sinal de respeito. Todos daquele enorme salão eram mulheres, cantora, fotografa, garçonete. Todos iam felicitar a noiva. Inara não precisava usar seu véu enquanto só tinha mulheres ali, mas ela preferia. Seu rosto ainda estava com alguns hematomas.
Logo uma das funcionárias avisou da chegada do noivo dentro de uma hora. Tudo era bem planejado e avisado com antecedência, para que todas as mulheres tivessem tempo de colocar o niqab. Inara recebeu joias e mais joias, afinal, não era nada agradável, para esta religião, ganhar dinheiro ou eletrodomésticos.
Na hora prevista, Benjamin foi buscar sua noiva. As mulheres presentes na sala abriam espaço para que este passasse e encontrasse sua futura esposa, sentada e à sua espera. Inara não podia crer, era ele! Aquele que lhe ofendeu no cortiço, que lhe ofereceu dinheiro. E, como em um flashback, ela recordou-se de seu rosto naquele beco escuro em sua última noite nos Estados Unidos. Estava diferente, suas vestes, mas era ele, ela tinha certeza.
— Mashallah! — Benjamin disse em um sussurro ao ver sua futura esposa assim, tão perto.
Ele lhe ofereceu a mão, e ela permaneceu ali por um bom tempo, o que chamou atenção das mulheres daquela sala.
— Me dê a sua mão, Malika — disse sério e impaciente pela primeira vez no dia. Estava tão enfeitiçado pela mulher que esqueceu-se que ela não queria estar ali.
Ela não queria. Não podia casar-se com esse homem. Tiraria toda a sua paz. Ela seria infeliz para toda a vida. Olhou para os lados em busca de ajuda. Mas, quem poderia ajudá-la se não Deus? Suas mãos tremiam, quando por fim pegou a dele. Tentou lembrar-se a todo o momento o motivo de estar ali. Seu filho.
Os noivos saíram juntos, a caminho do que seria o fim de Inara, a cerimônia final e real.
Jack estava na escada, sentado com sua babá a espera de ver sua mãe, mesmo que fosse de relance. Ele queria muito estar presente e compartilhar daquele momento, mas não era permitido para crianças de sua idade. Seus olhos brilharam quando a porta do salão em que sua mãe estava foram abertas e de lá saiu a mulher mais bonita que ele já viu na vida, ainda que ela estivesse toda coberta.
— Mamãe... — o menino disse em um sussurro e segurou com força o corrimão da escada.
— Logo você a verá, não se preocupe menino — disse-lhe sua babá, que segurava Eleonora em seus braços.
— Eu vou poder dormir com ela de novo?
— Não, hoje sua mãe precisa descansar. Amanhã ela terá um longo dia — a voz da babá era carregada com um pouco de malícia, mas o garoto ainda não tinha essa maldade para poder interpretar aquela frase como tal.
O casal entrou no salão de festas da casa. Bem ao fundo tinha uma mesa extensa, e ali estavam os pais de Benjamin e os pai de mentira de Inara. Benjamin a levou até seu lugar e depois sentou-se ao seu lado direito. E do lado oposto de cada um estavam seus familiares.
O responsável pela cerimônia, o intitulado Imã, deu partidas nos versículos do Alcorão.
— Começo com o nome de Alá, Clemente, Misericordioso. Todos os louvores são para Allah, o Senhor de todos os Mundos. Clemente, Misericordioso, Soberano do Dia do Juízo. Só a Ti adoramos e só a Ti imploramos ajuda! Guia-nos à senda reta, à senda dos que agraciaste, não à dos abominados, nem à dos extraviados. (Alcorão 1:1-7)
A abertura da cerimônia com o primeiro capítulo era essencial para eventos como este. Então ele prosseguiu para os demais.
— "Evitai a fornicação, porque é uma obscenidade e um péssimo exemplo" (Alcorão 17:32) Vossas mulheres são vossas semeaduras. Desfrutai, pois, da vossa semeadura, como vos apraz; ... temei a Alá e sabei que compareceis perante Ele" (Alcorão 2:223).
Perante o Alcorão o homem também deve se casar virgem. Por isso, se há condições favoráveis e interesse em uma mulher, devem casar-se o quanto antes para desencorajar qualquer tentação de pecar. Caso não tenha, deve-se jejuar, isso diminui o desejo sexual.
Após recitar vários versículos do Alcorão, Imã puxou o véu de Inara e o colocou sobre a cabeça de Benjamin também, cobrindo a ambos. E assim os convidados foram abençoar a ambos, como um só. Inara sentiu seu rosto queimar ao ter o olhar do seu noivo sob sí. Era a primeira vez que ele a via desde que chegou. Será que se lembraria? O que aconteceria se lembrasse?
Já não era só suas mãos que tremiam e suavam, seus pés e todo seu corpo estavam assim. Ela queria perguntar a Birkan por seu filho, mas teve medo.
— Que o mundo gire em volta da felicidade e amor de vocês. Parabéns!
— Desejo uma vida repleta de aventuras, alegrias e boas surpresas!
— Desejo que vocês continuem com essa obrigação, de inspirar casais e espalhar o amor!
— Que Allah caminhe sempre a frente de vocês!
— Que hoje seja apenas o primeiro dia de uma jornada eterna de felicidade e companheirismo!
— Que Allah encha suas casas de felicidades e filhos.
E após boa parte, senão todos, desejarem seus votos de felicidade finalizaram com a frase que sempre estava em suas bocas.
— "Insha'Allah!"
Feito isto o véu foi passado apenas para a cabeça da noiva. Que prontamente se afastou de Benjamin e ficou mais perto de Birkan. "Será que devo contar a ele que já o conheço? E se ele me acusar de ter tomada o lugar de sua filha? Meu Deus, me ajuda!" Pensou Inara.
— O profeta Muhammad disse uma vez: "Se alguém diz, quando tem relação sexual com sua esposa: "Começo com o nome de Allah, Ó Allah, mantenha Shaitan longe de mim e mantenha Shaitan longe do que nos concedeu", e se for decretado que tenham um filho, Shaitan nunca o prejudicará" — disse Hamdan, pai de Benjamin em alto e bom tom, para que o casal escutasse.
E assim terminou a cerimônia. Benjamin levantou, assim como seus pais e Birkan, ambos apertaram as mãos e o velho cutucou inara para que ela se levantasse.
Inara levantou mas suas pernas não a sustentaram, seu corpo tombou para a muralha de músculos que era seu marido, que prontamente a segurou com força pela cintura e a manteve de pé.
— Você está bem?
Desvencilhando-se dele, ela respondeu.
— Sim, só estou cansada — seu tom de voz foi baixo, mas suficiente para que Benjamin e Burkan a escutasse.
— Precisamos nos despedir das pessoas, então te levo até o quarto.
Inara fincou os pés no chão.
(( Tarta - Estado Nação localizada entre o nordeste e o sudeste.
Salaam Aleikum¹ – Clássica de saudação, é como um "oi" pra eles. Como se fosse: "A paz esteja contigo".
Alaikum As-Salaam² – Resposta da saudação acima, que significa "e contigo também".
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