Capítulo 3
Tarta
— É INADMISSÍVEL! COMO ELE PODE ACEITAR QUE UMA MENINA FINJA TER UM FILHO? E o nome da nossa família? Já não basta estar manchado pela criança que temos que aturar todos os dias?
— Habbib, não fique assim. Ela é só uma menina que quer se casar por amor. Lembra-te que eu também era assim no começo?
— É diferente, você nasceu aqui. Vivia com pessoas que tinham essa mente. A menina não vê que estamos tirando-os da miséria?
Enquanto os pais discutiam sobre a notícia que lhes chegou, Benjamim brincava com Eleonora que já estava perto de completar seus dois anos de idade. O homem mais parecia um bobo, o que deixava seus pais irados, visto que não aprovava aquela criança e aquela relação entre eles. Eleonora não parava quieta, querendo descer do sofá em que estavam.
— Você está escutando, Benjamin?
Insatisfeita com o silêncio como resposta, caminhou até eles e pegou a criança entregando rapidamente para a empregada que por ali passava.
— Você precisa prestar mais atenção no que realmente diz respeito a sua vida, meu filho.
— Mãe, eu deixo na mão de vocês. São vocês que querem me casar.
— Ela tem um filho! Você é surdo?
— Ao menos Eleonora terá com quem brincar.
Sua voz era tranquila, não gostava de discutir com seus pais.
— Você é o líder deste clã, Benjamin. Já não basta esse nome de merda que sua mãe me fez te colocar. Se posicione, veja o que já aconteceu em sua vida e faça algo para mudar.
Abdulaziz suspirou e passou uma das mãos entre os cabelos. Por um momento ele quis rir, não porque não se importava com o assunto, mas porque realmente não estava prestando atenção.
— Contem o que há.
— Alá, você vive no mundo da lua! — sua mãe o repreendeu. — Por onde anda Bernardo? — provocou e saiu da sala.
Aquele comentário tocou profundamente Benjamin, e ela sabia disso.
— Silvania, me deixe a sós com o meu filho.
— Como quiser habib.
A relação entre pai e filho não era das melhores. Benjamin puxou muito mais as origens de sua mãe. Muito mais ao português que ao muçulmano. Mas jamais questionou o Alcorão ou os dizeres dos mais velhos. Sua única burrada foi ter dormido com uma brasileira, bêbado, que além de ter deixado Eleonora não aceitou casar-se com ele. Acabando de vez por manchar o nome da família.
— Conte-me sobre ela.
— Birkan mimou muito essa menina. Sempre lhe disse que deveria casar-se outras vezes, ela precisa ter uma mulher ao lado para ensinar o que é necessário.
— Sim, pai. E quanto ao filho?
— Ela não quer se casar por "obrigação". Ela acha que simplesmente estamos a obrigando. Ela não tem escolha, o pai dela fechou o acordo.
— E o filho, pai? — insistiu Benjamin
— Claro, ela vai pegar uma criança doente e dizer que é seu filho. Para ver se você realmente a aceitaria ou não. Isso provaria seu caráter ou o que quer que essa garotinha esteja pensando.
Aquilo entristeceu Benjamin, mais uma vez ele estava sendo rejeitado. Sua vida parecia ter virado de ponta a cabeça.
— Não há problemas. A família dela não é conhecida, o Alcorão mesmo diz que devemos tirar mulheres viúvas e divorciadas, não é mesmo?
Agarrou o rosto do filho com as duas mãos e apertou. Ele estava possesso. Mas logo o soltou.
— Você precisa de uma virgem.
— O que é pior: Casar-me com uma mulher que não é mais pura ou toda a sociedade descobrir que um Abdulaziz voltou atrás com sua palavra?
— Birkan vai queimar no fogo do inferno se por causa dessa menina nosso nome acabar na lama.
— Já que está decidido, vou voltar ao trabalho.
Benjamin levantou, assim como seu pai. Hamdan estendeu a mão, a qual ele segurou, beijou e levou a testa depois de curvado.
— Benjamin?
— Sim, meu pai?
— Pare de permitir que fotógrafos tirem fotos sua com outras mulheres, você já não é mais solteiro.
— O senhor acredita mesmo nisso? — balbuciou a cabeça de forma negativa e deixou a sala.
Estados Unidos da América
— Malika? — chamou Birkan. — Malika??
— Oi, pai — disse Inara, baixo e sem jeito.
Birkan estendeu a mão e ela prontamente a pegou, beijou as costas e levou a testa.
— Sente-se um pouco. Precisa conhecer a família do seu futuro marido.
Inara sentou-se no banco que ali havia, ao lado de Birkan
— Eles já aceitaram?
— Sente-se no chão, próxima a minha perna. Era assim que conversava com Malika.
E assim Inara o fez. Sem jeito apoiou um dos braços na perna do senhor. Que respondeu levando a mão aos cabelos de Inara e o massageando.
— Foram relutantes, mas aceitaram. O velho Hamdan é um grande amigo.
Inara estava completamente sem ação. Nunca em toda sua vida recebeu um carinho desse. Mas no fundo sabia que não era a ela que ele acariciava, era sua filha, que ele tanto sentia falta.
— Hamdan é um velho safado, que fez os pais aceitarem que ele se casasse com uma mulher do Ocidente. Até então ele era o líder do seu clã, e sua mulher converteu-se ao islã de corpo e alma.
— Isso de clã, funciona da mesma forma que as facções?
— Do que está falando, minha filha?
— Eu não sei o que é um clã...
— É um grupo de pessoas com interesses em comum. Que obedecem a ordem do líder, este, geralmente, é passado de geraçao para geraçao. Mas alguns, em Tarta ao menos, já funciona através de votos.
— E o que eles fazem?
— Não precisamos entrar nisso, são coisas de homens. Concentre-se em cumprir com seu papel de mulher.
Inara engoliu em seco, mas não insistiu. Ao sair de casa ela encontraria uma oportunidade de pesquisar. Para acostuma-lá a sua nova rotina, foi lhe tirado o celular assim como os demais meios eletrônicos. Gal não sabia de um terço do que estava acontecendo, e volta e meia tentava ligar para a amiga.
— Silvania é uma mulher rude, segue fielmente as ordens do Alcorão. Você aprenderá muito com ela.
O medo tomou conta de Inara com aquelas palavras. Mas afastou aquele sentimento, talvez fosse apenas questão de religiões diferentes.
— Benjamin, seu futuro marido é o atual líder do clã. Tem uma história triste por trás de toda aquela cara amarrada que faz ao ver qualquer mulher, mas essa história é melhor que você mesmo descubra com ele.
— E, o que eles gostam de fazer?
— Tudo o que você vai aprender a partir de hoje. Ele tem um ir...
Birkan interrompeu suas palavras assim que sentiu a presença de mais alguém naquela sala.
— Senhora, Malika. Seu filho está à sua procura.
— Vou olhar o Jack, pai.
Levantou apressadamente sem esperar o aval de Birkan e seguiu até o quarto que seu filho estava. Inara mesmo instruiu as pessoas que lhe chamassem apenas de Malika, até para que seu filho se acostumar a escutar e quem sabe a chamar desta mesma forma.
— Oi, meu amor.
— Mamãe, essas pessoas não param de te chamar por outro nome. Por que estão fazendo isso?
— Meu bebê — ela sorriu e se aproximou mais ainda. — faz parte de um jogo.
— E como é que funciona esse jogo, mamãe?
— Todos aqui estão com os nomes trocados...
— Menos eu — Jack interrompeu Inara.
— Isso, menos você. Mas é porque crianças não contam. As provas são muito pesadas.
— Mas eu também quero brincar.
— Você é o meu par, Jack. Você vai entrar na brincadeira, como eu poderia deixá-lo de fora?
— Oba, mamãe. Eu não aguento mais ficar deitado nessa cama. Quando vamos começar?
— Para entrar na brincadeira você precisa me chamar de Malika, quando não quiser chamar de mamãe. Entendeu?
— Sim, e o que nós vamos ganhar no final, Malika?
Aquele nome saindo da boca de seu filho foi engraçado e até melancólico para seu coração que já estava sofrendo.
— Chame-me de mamãe meu amor. Eu sempre serei sua mãe — levou o indicador ao nariz do filho. — Vamos ganhar um baú enorme com muitos doces, e de quebra vamos passear de navio.
— Eu não quero morrer mamãe.
— Do que está falando, Jack?
— Você mesmo disse que meu nome vem do homem que morreu em um navio, mãe.
Inara não aguentou a comparação e deu uma longa e gostosa risada. Ele estava falando do Titanic. Onde ele escutou-a falar sobre isso? O riso tomou conta do garoto também.
— Eu achei que você ainda queria ser um pirata, meu amor. Por isso o navio. Eu jamais deixarei você morrer.
— Ah sim mamãe, eu ainda quero ser um pirata... Mas agora sabe o que eu quero?
— Diga-me e será lhe dado — brincou e orou silenciosamente para que fosse algo que estivesse ao alcance de suas mãos.
— Comida.
— Por que não disse antes? — fingiu indignação e levantou-se. — Não saia daí, trarei reforços.
Inara brincou e saiu do quarto. Estava a caminho da cozinha quando a voz de Birkan interrompeu seus passos.
— Já o ensinou a chamar pelo seu novo nome?
— Ele está aprendendo, aos poucos.
— Adiante, vocês se casam dentro de poucos dias.
Inara serviu seu filho, que logo pegou no sono. E durante esse mesmo dia começou a se preparar para sua transformação.
— Esse é o niqab, você não pode ficar sem ele. Em Tarta eles não parecem tão severos assim, talvez não precise usar. Este é o Chador, vestido que vai até seus pés, preso na cabeça. Ficará lindo em você. Este é o Abaya, certamente irá usá-lo, ele é lindo e solto para não marcar nenhuma parte do seu corpo...
— Você disse, Tarta?
— Sim, é lá que irá morar, minha senhora.
Para azar de Inara, também era lá que o infeliz do pai de Jack prestava alguns trabalhos terceirizados. Pelo visto os muçulmanos também gostam do perigo. Deu de ombros, afinal lá era grande demais, eles não se encontrariam. Ao menos era o que ela achava e desejava.
"Será que ele a reconheceria naquelas roupas?" Mesmo durante seu devaneio, as mulheres ali continuavam a lhe mostrar peças do vestuário feminino.
Ensinaram-lhe a colocar o niqab, visto que seria o mais usado.
— Não é bem visto que cruze as pernas na presença de homens. Não os olhe nos olhos por tempo demais ou vão achar que está propondo coisas indecentes...
a mulher que dizia a isto adquiriu um tom vermelho nas partes visíveis da sua bochecha.
— Venha, vamos para a cozinha.
— Eu sei cozinhar.
— Os chás serão pedidos com mais frequência para saber se realmente sabe para que cada um serve e para saboreá-lo.
Assim foi lhe ensinado sobre os chás e as formas de preparar cada um deles. As mulheres ensinaram-lhe tudo se baseando na Síria, deixando claro que vai de lugar para lugar.
— Todo ensinamento é válido, ainda que não se use tudo isso que estamos lhe mostrando.
***
— Pai, posso ir me despedir da única amiga que tenho?
— Volte antes de anoitecer. É perigoso andar por onde você não conhece.
Inara poderia não conhecer todos os cantos da cidade, mas não tinha dúvidas que conhecia o caminho por onde ia andar.
— Posso levar meu celular? Caso precise falar comigo.
— Leve. Aproveite e o jogue fora antes de voltar.
Sendo assim, Inara o pegou na gaveta e foi despedir-se do velho Birkan, beijando sua mão e levando a mesma a testa.
Ligou para Gal assim que saiu.
— Inara?
— Oi, Gal. Onde podemos nos encontrar?
— Sua vagabunda, sabe como me deixou preocupada? Eu vou lixar você!!!
— Eu não posso demorar, Gal.
— Te encontro na lanchonete de sempre.
Desligaram a ligação e ambas foram para o lugar do encontro. Se abraçaram como duas irmãs que não se veem a tempos. Inara tinha muita coisas para contar e Gal muitas surras prometidas a lhe dar. Sentaram-se dentro do estabelecimento, Inara não queria ver ninguém além de Gal. Usava suas vestes comuns pelo que parecia ser a última vez.
— Onde você se meteu?
— Eu não posso contar-te.
— Eu sou sua melhor amiga, tá louca?
— Eu sei, mas é perigoso.
— Espera, cadê o Jack? — Gal voltou o olhar para os lados o procurando.
— Ele está bem, não pôde vim. Gal, dentro de dois dias eu vou estar indo embora.
— Mas por que? — mexeu-se na cadeira incomodada. — Essa historia está muito confusa, e olha que você nem começou a me contar.
— Gal, a única coisa que posso te contar é que um homem se prontificou a pagar o tratamento do Jack.
— O que você dará em troca?
— Eu me casarei.
— É O QUE? — sua voz quase ecoou pelo lugar. — Para onde você vai?
— Eu ainda não sei — mentiu.
— Por que não atendeu o celular todas as vezes em que te liguei?
— Eles são rigorosos, mas eu te prometo que entrarei em contato.
— Não, Inara. Eu não deixarei você fazer isso.
— É pelo Jack, Gal.
— Minha amiga, onde você foi se meter... — acariciou a mão da amiga. — Como vamos nos ver?
— Eu vou da um jeito, eu só tenho o Jack e você.
— Olha que eu vou até o inferno atrás do meu sobrinho viu — brincou.
— Não tenho dúvidas disso.
Jogaram papo fora e apertaram cada vez mais a dor no coração de cada uma. Gal trouxe os quase 4 mil reais da única noite de Inara. Mas esta recusou, não queria lembrar-se daquilo. Pediu para que a amiga ficasse, ela merecia. Do lado de fora um homem a observava, o mesmo que a agarrou naquela noite conturbada. Tomaram café e comeram o pãozinho de queijo que tanto gostavam, mas chegou a hora de dizer adeus.
— Está na hora, Gal — engoliu o nó que se formou em sua garganta.
— Minha amiga, eu vou sentir tanto a sua falta.
Gal a abraçou, forte. Chorando e fazendo Inara chorar.
— Eu também. Você é a melhor amiga que todos deveriam ter.
— Pena que nem todas dão valor — brincou ao finalizar o abraço.
— Eu te amo.
— Eu te odeio.
Inara sabia o significado daquelas palavras, e apenas sorriu antes de se afastar.
— Por favor, não deixe de entrar em contato, Inara. Me mande notícias do Jack.
Inara voltou a olhá-la e sorriu, uma lágrima escorreu por seu rosto.
— Eu mandarei.
Bastou que Inara virasse a esquina para que fosse seguida. Ela andou por um bom tempo até notar. Mas quando voltou o olhar para trás já era tarde demais. Recebeu um soco e caiu. Sua visão estava turva e sua audição não era a mesma. O homem a puxava para um beco, onde começou a arrancar suas vestes.
— Como você foi burra, poderia estar milionária agora ... Prefere entregar-se de graça ... — O homem estava possesso e agressivo, não só ao arrancar suas vestes, mas ao aperta-la e jogar seu corpo contra a parede ou o que quer que estivesse ali. — Vamos, me mande parar!
— Não faça isso... — Foram as poucas palavras que conseguiu dizer antes de perder a consciência com uma forte batida na cabeça.
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