Prólogo
Antes mesmo de conseguir abrir os olhos, ela sentiu seu corpo inteiro ter espasmos causados por um conjunto de dores que nem ao menos sabia descrever de onde vinham. Suas costas doíam como se ela tivesse sido atingida por alguma coisa, os nervos de suas pernas causavam pontadas como se agulhas estivessem sendo implantadas em seu corpo.
Dor.
Apenas dor.
Um gemido escapou de seus lábios quando ela puxou o ar com força para seus pulmões, finalmente abrindo os olhos e sendo obrigada a pressionar as pálpebras novamente quando a claridade pareceu queimar suas retinas. Piscou diversas vezes, antes de conseguir voltar a encarar a enxergar sem que sentisse seus olhos queimarem.
Encarou as lâmpadas de led que pareciam piscar diante de seus olhos, a claridade naquele ambiente chegava a ser absurda e ela desejou imensamente que alguém fosse caridoso em apagar aquelas luzes antes que ficasse cega.
Ela ouviu um som de passos se aproximando, virou a cabeça pro lado, sendo obrigada a fazer um esforço imenso para fazer movimentos mínimos. Sua visão tinha pontinhos coloridos que piscavam constantemente, deixando seus glóbulos oculares irritados, a obrigando piscar mais vezes do que o necessário. Mas ainda enxergava bem o bastante, para reconhecer a cabeleira clara diante de seus olhos, acompanhado de um rosto com uma expressão carregada de preocupação.
— Ei... Não se esforce. Vou chamar um médico.
Ela ouviu as instruções de seu irmão e observou o mesmo estender o braço para uma região acima da cabeça dela, ao qual seus olhos não puderam captar. Ele se abaixou logo em seguida, se curvando na direção dela, os olhos atentos a analisando como se ela fosse uma espécie rara de algum animal.
Lilly queria perguntar o que estava acontecendo. Mas alguma coisa impedia que ela abrisse a boca. Nem sequer se esforçou para pensar em perguntar algo. Sua cabeça ainda parecia estar tentando se localizar de onde ela estava e o que estava acontecendo.
Por que suas costas doíam tanto?
Antes que cogitasse em tentar perguntar alguma coisa ao seu irmão, ela ouviu outro barulho e som de novos passos que se aproximaram muito rápido. Reconheceu seu outro irmão imediatamente, junto dele estava um homem mais velho de jaleco branco que ela não sabia quem era, mas apostava ser o médico que Nanami dissera que chamaria.
Mesmo assim ela não se sentiu confortável. Por mais que ainda não entendesse direito o que estava acontecendo. Ela sentia que havia algo de errado, estava faltando alguém. E esse simples pensamento, fez com que a garota se sentisse agitada, sua respiração pesou e ela passou a sentir mais dor quando seu corpo passou a se mover na medida em que o nervosismo lhe alcançava.
— Suguru. — Ela se viu sussurrando, sua voz estava estranha, rouca demais, sua garganta até mesmo queimava para falar. Mas ela ainda conseguiu proferir o nome perfeitamente bem.
Onde ele estava? Onde estava o moreno de mechas longas? Por que ele não estava ali? Ele deveria estar, não deveria?
— Passa uma semana em coma e a primeira coisa que fala é o nome dele? — Ela ouviu Satoru debochar, se inclinando para mais perto dela, aproximando o rosto o bastante para que a mesma pudesse encarar as íris azuladas que eram idênticas às suas. — Ele saiu pra pegar um café, relaxa ai.
Aquilo fora o bastante para que ela sentisse seu corpo relaxar. Sentindo que afundaria ainda mais naquela cama se continuasse a se sentir tão pesada.
Seus olhos varreram entre os três rostos masculinos que a analisavam com as mesmas expressões preocupadas. Mas o que lhe chamou atenção, foi o médico que não parecia estar nem um pouco confortável enquanto a observava.
— Vou precisar levá-la para uma bateria de exames agora que acordou. — O profissional começou a falar, pigarreando logo em seguida, como se estivesse se esforçando para soar mais profissional. — Temos muito que conversar sobre o seu estado.
Os olhos dela se prenderam aos do homem. Por mais que ainda não conseguisse lembrar do motivo de ter ido parar ali. Ela sentia que o clima estava mais tenso e pesado do que gostaria de realmente admitir a si mesma.
— Algo de errado? — Lilly o perguntou, tendo de engolir a saliva como se estivesse absorvendo ácido, já que sua garganta reclamava a cada esforço de suas cordas vocais.
— Ela acabou de acordar, vamos deixar isso pra depois. — Nanami interveio, pousando uma mão no ombro do médico para que o mesmo se calasse.
De onde estava, Lilly só conseguia enxergar as costas de seu irmão. Mas ela tinha certeza de que ele deveria estar com uma daquelas suas expressões sérias, onde ele deixa bem claro que se alguém não se calasse quando pedia,, ele mesmo o faria de uma forma nada agradável.
Lilly se viu forçando seu corpo pra cima, ela lutou para conseguir ao menos se sentar, mas estava tão fraca e a cada mínimo movimento parecia que sua coluna se partiria ao meio, que depois de duas tentativas extremamente frustrantes, ela deixou sua cabeça afundar no travesseiro novamente e soltou o ar com força.
Eles estavam escondendo algo dela. Tinha algo de muito errado consigo, mas ela ainda não havia conseguido descobrir o que era.
Antes que pudesse tentar abrir a boca novamente para questionar o que estava acontecendo ali, ela ouviu novamente um som de passos. Esses diferente dos outros não parecia ter pressa, mas sua cabeça se virou na mesma direção, observando o moreno que ela tanto ansiava ver. Saber se ele estava bem. E por sorte, ele parecia inteiro e impecável.
Talvez tivesse um conjunto de manchas escuras abaixo dos olhos e estava mais pálido do que o normal. Mas ainda estava inteiro, em uma roupa escura que combinava perfeitamente com a áurea negra que emanava dele.
Foi impossível conter o sorriso que brotou em seus lábios no instante em que os olhos dela se encontraram com os dele. Observando atentamente as íris acastanhadas, tão claras que se assemelhavam a raios de sol no final do dia.
Pela primeira vez desde que acordara, Lilly sentiu vontade de pular de cima daquela cama e correr até ele, mas seu corpo não parecia colaborar muito, por mais que ela soubesse que agora seu sangue corria com mais intensidade em suas veias. Ela até mesmo sentia seu rosto queimar, como se fosse a primeira vez que o estivesse vendo.
— Por que ela não fica feliz dessa forma quando nos vê?
A voz de Satoru pareceu muito distante, ela realmente não estava se importando muito com a presença de seus irmãos.
Suguru parou alguns metros longe da cama, como se ele não quisesse se aproximar mais, ou como se tivesse receio de acabar a machucando ainda mais caso quebrasse a distância entre ambos. Mal ele sabia que ela não se importava se seria machucada pelos braços fortes dele ou não, tudo o que ela queria era que Suguru a pegasse no colo, que a apertasse contra o corpo dele e tudo estaria bem de novo, não importava o problema que tivessem de lidar, ela só precisava dele para que tudo estivesse perfeito novamente.
Quando ela enfim percebeu a expressão séria dele, que não se parecia nem um pouco com a de preocupação de seus irmãos, ela notou que tinha algo realmente errado demais. Suguru não sorriu pra ela, nem ao menos ela sentiu que o olhar dele alcançava o dela, como se ele estivesse se esforçando para evitá-la.
— Suguru... — Sussurrou o nome dele, agora, sentindo seus olhos queimarem na mesma intensidade de sua garganta. Ela ergueu a mão, o chamando, como se sentisse que algo estava entre os dois, como se um muro tivesse sido formado entre eles.
Ela esperou que ele fosse dizer alguma coisa, esperou que ele entendesse o pedido de sua mão estendida na direção dele. E quando o mesmo começou a caminhar para mais perto, se aproximando do leito dela, mesmo que com certo receio a cada passo, aos poucos Lilly sentiu que ficaria bem. Eles estavam bem, ele a olhou nos olhos e ela não teve medo. Não sentiu mais dor e seus batimentos cardíacos aceleraram ainda mais, demonstrando o quão feliz ela estava em vê-lo novamente.
O mesmo parou diante dela, próximo o bastante para que a ponta de seus dedos roçasse a camisa preta de botões dele. Próximo o bastante para que ela sentisse o cheiro de seu perfume caro.
Estava tão focada nos detalhes dele, na forma como seus cabelos longos estavam presos em um coque no alto da cabeça, com algumas mechas rebeldes caindo ao redor de seu rosto, que só se desfez daquela ilusão, quando sentiu algo gelado em sua palma.
A garota piscou confusa, pela textura ela reparou que o objeto era circular e rigido. Seu coração errou uma batida ao finalmente reconhecer o que era, seu olhar baixou para encarar sua própria mão pálida, no centro dela, a argola prateada. A mesma argola que ela colocara no dedo dele há dois anos atrás, numa noite de chuva, quando ambos haviam fugido da cidade para terem uma noite mágica e tudo havia ido por água abaixo.
Sua visão aos poucos foi tomada por lágrimas, as mesmas que caíram por sua face na mesma intensidade da chuva que ela se lembrava de estar caindo sobre eles quando Suguru a pediu em namoro e eles trocaram aquelas alianças.
— Ora seu... — Ela ouviu o rosnado de Nanami, um vulto de movimentos logo atrás de Suguru. Não conseguiu desviar os olhos dele, mas alguém estava brigando logo atrás do homem à sua frente.
Tudo ocorreu em câmera lenta, ela o viu lhe dar as costas, sem dizer uma palavra sequer. Da mesma forma que havia surgido, ele desapareceu, saindo pela porta do quarto hospitalar onde ela estava. Viu ele levar consigo alguma parte dela, algo em seu interior que ela não reconheceu de primeira o que era. Mas doeu, doeu muito mais do que as dores que se apossaram por todo seu corpo.
Lilly apertou o anel na palma de sua mão e fechou os olhos.
E desejou morrer assim como desejara há dez anos atrás.
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