Capítulo 8
Davina havia se afastado segundos depois de dizer a condição miserável dos anos em que permaneceu presa e contida, secretamente uma dor se alastrava por seu peito, sempre que inconscientemente, se lembrava das correntes por todos os lados, a marcando como uma sina de morte.
A noite tinha chegado, e com isso, um súbito sono envolveu Davina como um lençol. Havia dormido por tantos dias depois da tortura de Cairn, mas, nunca pode descansar verdadeiramente, em todos os longos anos em que esteve presa e sua alma sendo sugada por tanto ferro. Ela se levantou lentamente, andando para onde sabia que estariam, esperava encontrar Dorian ou Yrene, para que pudesse perguntar se existia um local calmo e solitário para ela ficar, entretanto, quando chegou perto, encontrou o mesmo grupo afastado, conversando baixo.
— Quais são as condições? — Rowan perguntou.
Yrene balançou a cabeça, o rosto retorcido com sentimentos que Davina não sabia demonstrar, ela olhou para Rowan e respondeu:
— É horrível.
Davina sentiu o silêncio reinar diretamente, como se aquelas palavras ligassem uma parte de sua humanidade.
— Só de olhar... É doloroso. — A curandeira continuou. — Não sei como ela consegue aguentar.
Como conseguia aguentar, Davina não sabia do motivo. Mas aguentara, aguentou muito e tudo.
— É um aviso — Yrene olhou para os homens presentes, segurando a mão daquele que estava com ela antes. — Não se aproximem de Davina, e não se sintam ressentidos com a recusa dela — ela abaixou lentamente o olhar. — Algo aconteceu e no momento, só tenho conhecimento das marcas, mas, não a assustem, por favor.
Rápido como um raio, aquela imagem se materializou em sua cabeça – a máscara caindo sobre Aelin, suas roupas sendo rasgadas e o doloroso momento em que Cairn se colocou dentro dela –, memórias de diversos acontecimentos como esse nasceram em sua cabeça. Davina deu as costas para a conversa, impedindo que mais uma palavra chegasse até seus ouvidos enquanto caminhava para longe, se enfiando em lugares que sequer conhecia. Era como sentir as cicatrizes se revirando, talvez quase queimando de novo, como se pudesse sentir os toques... Aquela dor que sentira na primeira vez, aquilo que mais guardou sendo tirado à força; Davina curvou as costas e vomitou no chão.
××××
Não conseguiu dormir, qualquer sinal de sono sumiu depois que jogou o vazio em seu estômago no chão, substituindo a falta de boas noites, por uma dor costumeira de fome, mas, Davina sequer reclamou, permaneceu sozinha em uma parte afastada, com o céu acima de seus olhos e ventos frios dançando no ar.
Ela não pensava muito, sequer tinha vontade de pensar, o vazio logo se instalou em sua mente, trazendo um formigamento estranho de desconforto no corpo, que a fazia tremer levemente. Era um costume diário treinar, todos os dias, e agora, acostumada com essa rotina, Davina sentia necessidade de levantar e correr milhas e sangrar o corpo com seus movimentos de luta. Com o tempo, isso se tornou uma maneira de extravagar seus sentimentos contidos, as dores que Cairn a fazia sentir e as torturas lentas em sua cabeça que Maeve enfiava dentro de sua cabeça.
Agora, os pensamentos eram constantes e a necessidade enorme.
Davina se levantou, sem pensar muito no que estava fazendo, ela andou e refez o caminho, entrando no acampamento. O sol mal havia nascido e existiam poucos foras de suas tendas, ela se direcionou ao centro, onde um poste se elevava até o alto, sua mão tocou a madeira fria, os dedos raspando levemente contra a textura áspera.
Entrar em posição era como uma dança – levando os punhos para cima, os cotovelos baixos e afastados das costelas, suas costas curvadas de maneira confortável e as pernas afastadas –, Davina foi treinada por um monstro de guerra, e, se transformou em uma versão melhorada disso.
O primeiro soco, fez um eco se espalhar pelo acampamento.
××××
Um som repetitivo e irritante chegava aos seus ouvidos, fazendo Gavriel acordar de seu sono não tão profundo, lentamente, ele se sentou sobre os panos que faziam sua cama, olhando para cima com a intenção de entender de onde vinha o som. Percebendo que não parava, Gavriel se levantou, e em roupas amassadas ele saiu para fora, passando as mãos adormecidas nos fios loiros do cabelo.
Ficou confuso quando viu homens do exército Kaghan e Ruks parados, todos olhando para um único ponto, murmurando para o companheiro ao lado, e por muitas vezes, fazendo uma feição de mera surpresa. Ele virou automaticamente o rosto, vendo de onde aquele barulho estava vindo.
Os cabelos prateados de Davina eram como chicotes no ar, balançando com o vento, espalhando sua fragrância por quase todo o acampamento, Gavriel engoliu em seco com o cheiro de suor que veio até seu nariz, sentindo uma breve satisfação. Porém, isso acabou porque algo maior chamou sua atenção, fumaça esverdeada a rodeava e se dissipava no ar, junto de breves choques de um poder azul escuro que se pronunciava toda vez que os punhos nus batiam contra o poste. Ela girou no ar – Davina pulou, girando o corpo, erguendo a coxa e flexionando a perna mais alta –, o som de seu pé batendo contra a madeira foi como um estalo ardente em seu ouvido.
— Vai quebrar — a voz de Elide veio do outro lado.
Ela levou a mão até a boca com um misto de choque e medo, assistindo Davina esmurrar e chutar o poste, transferindo poder em cada golpe. Gavriel então percebeu que não foi o único que saiu para ver, e logo todos estavam ali, vendo aquela figura que se movimentava com o vento.
Davina parecia um demônio. Uma criatura insaciável.
Gavriel já vira guerreiros lutarem assim, mas, eram homens tão antigos quanto o reino, e quebrados pelo tempo. Aquela mulher lutava como se estivesse de frente para o pior inimigo, como se visse o inferno, como se fosse insaciável por mais e isso, isso era assustador.
Aos poucos, ele percebera que Elide estava certa, aquilo ia quebrar, mas, se Davina sabia, não demonstrou.
Socando e batendo tão rápido que sangue começou a cair de suas mãos, ele imaginou em que estado estariam seus ossos, mas, o pensamento foi interrompido quando a camiseta começou a rasgar nas costas, revelando a pele retorcida por cicatrizes, mais e mais movimentos bruscos e rápidos faziam o tecido se esticar e se deterioar diante de todos, então, como se Davina finalmente sentisse isso, ela parou.
As mãos sangrentas puxaram a camiseta por cima da cabeça, revelando um corpo atlético com músculos evidentes, mas, também revelou algo profundo que fez muitos ficarem chocados ao assistir isso; as cicatrizes de Davina eram extensas e bagunçadas, não abraçam apenas suas costas, mas pareciam se estender por todos os lados, com marcas arroxeadas pelo corpo, avermelhadas e esverdeadas, como se fossem tão fortes que demorariam para sair, mas, aqueles rasgos enormes nunca sairiam.
Elide gritou e Aelin soltou um xingo, Rowan rugiu ordens quando aquele poste começara a deitar para o lado, quebrando exatamente onde Davina tanto bateu.
Vai ser esmagada, ele pensou, começando a se mover, esmagada...
Em um instante, como se o tempo tivesse parado, Gavriel teve o tempo de piscar, e ao abrir os olhos, Fenrys estava ao lado dela. Mas, Davina não foi esmagada.
Com força que Gavriel não tinha um mísero conhecimento, Davina segurou aquele poste sem hesitar.
××××
Fenrys havia visto Davina por cerca de uma hora, batendo e destruindo aquele poste; ele sequer tentou para-la, a confissão do tempo que ela passou no inferno pessoal que Maeve criava, foi o suficiente para o fazer imaginar o motivo daquela ação extravagante para esvaziar a alma. Mas, quando o som ficou audível e muitos pararam para observar, ele estava pronto para intervir à qualquer instante.
O grito de Elide foi um alarde, e os xingos sujos de Aelin uma ajuda para agir rápido, tanto quanto o rugido de Rowan. Em um segundo, Fenrys atravessou entre os bolsões do tempo e estava ao lado de Davina, mas, ela segurou o poste com maestria, e quando percebeu, ela já o colocava no chão.
Fenrys a olhou, Davina não usava nada mais que uma calça e a parte de cima das roupas íntimas, revelando todas as cicatrizes da parte superior do corpo – existiam diversos arranhões por todos os lados, marcas de queimaduras e elevações distintas, como se tivesse recebido facas ou agulhas em algumas partes, marcas arroxeadas ainda marcavam os braços e o abdômen, em uma mistura de hematomas esverdeados e avermelhados, – Fenrys tirou a camisa, puxando o tecido pela cabeça.
— Por favor — ele pediu, sentindo como se seu lado animal chorasse. — Vista isso.
Ela ergueu o olhar, o rosto estava levemente brilhante por suor e gotículas do mesmo desciam por sua testa, enquanto arfava levemente pela boca.
— Estou machucando você?
××××
— O quê? — Ele questionou.
Davina se lembrou da noite passada, como Yrene demonstrara dor ao falar de suas cicatrizes, e agora, depois de ser avaliada pelos olhos tristes daquele homem, ela se questionou se os machucava sem perceber.
— Machucando vocês — ela murmurou, olhando para baixo após vestir a camisa. — Minhas cicatrizes... O jeito que olha para elas... Parece que sente dor.
Ele abriu a boca e arregalou os olhos, balançando a cabeça.
— Não! — Respondeu rápido. — Você entendeu errado.
— Então o que é?
Davina esperou uma resposta, entretanto, a curandeira de antes de aproximou, olhando para as mãos de Davina com o mesmo semblante de antes.
— Por Wyrd... — Yrene sussurrou balançando a cabeça. — Venha comigo.
Yrene arrastou Davina consigo, e sem muitos questionamentos, ela foi, mas, antes de entrar naquela tenda onde seria avaliada de novo. Ela olhou por cima dos ombros, encontrando o rosto do macho feérico, e, inconsequente, vendo outro homem além dele.
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