Capítulo 6

Sangue manchava o solo em ruínas. A fortaleza havia caído em pedaços de pedras esmagadas e espalhadas pelos cantos, cada grito e uivo de dor poderia ser ouvido há quilómetros de distância, mas, para Davina, o silêncio reinava dentro de sua mente.

Um toque frio e leve se aconchegou em seus ombros, quando um sofro de inverno passou por suas orelhas e trouxe um choque repentino para toda a extensão de seu corpo liberto.

Idiotas... Foi o que a sombra murmurou, mate todos eles.

Uma bruma branca saia por seus lábios entre abertos, enquanto desorientada ela seguia caminhando para frente, os olhos escurecidos e tomado por pura chama de poder. O soldado chorou quando se arrastou, sem uma das pernas, ele mal conseguia fazer isso.

— Por favor! — Ele gritou quando observou a figura de Davina se aproximando. — Por favor!

Gritos e urros, soldados e o povo gritavam, parecia uma guerra interminável. Mas, Davina permanecia intocável, altiva em sua postura sombria, seu corpo, antes coberto de correntes, agora era coberto por sangue e poeira.

Mate todos... Mate todos... Todos eles.

Ela respirou fundo, os dedos se fechando em um punho forte.

— Não! — Ele gritou quando Davina ergueu o braço. — Por favor!

Um choque de poder percorreu o corpo liberto, e quando os gritos do soldado morto acabaram e ela se transformou em luz branca voando no céu, Davina ouviu uma risada sombria dentro do seu âmago.

××××

Gavin surgiu no círculo de sangue das marcas de Wyrd, mais pálido e mais embaçado à luz da manhã.

— Você a encontrou, então — disse o antigo rei, à guisa de cumprimento. — E deixou Erawan com uma bagunça imensa para limpar.

— Sim. — Dorian colocou a mão no bolso do casaco. No terrível poder que latejava ali. Fora preciso cada gota da concentração durante aquele voo insano desde Morath para bloquear os sussurros do poder. Seu tremor não se devia apenas ao ar frígido.

— Então por que me conjurar?

Dorian encontrou o olhar do homem. De rei para rei.

— Queria contar que consegui... para que você possa ter a chance de se despedir. De Elena, quero dizer. Antes que o Fecho seja forjado.

Gavin ficou imóvel. Dorian não se encolheu diante do olhar observador do rei.
Depois de um momento, o antigo rei disse, em um tom mais suave:

— Então suponho que também me despedirei de você.

Dorian assentiu. Ele estava pronto. Não tinha outra escolha a não ser estar pronto.

— Já decidiu, então? Que será você o sacrificado? — perguntou Gavin.

— Aelin está no norte — argumentou Dorian. — Quando eu a encontrar, suponho que decidiremos o que fazer. — Quem seria aquele a unir as três chaves. E que não sairia com vida. — Mas espero que ela tenha conseguido pensar em outra solução. Para Elena também — admitiu ele.

Aelin escapara de Maeve. Talvez tivesse a mesma sorte ao encontrar uma forma de escapar do destino.

Um vento fantasma soprou as mechas dos longos cabelos de Gavin sobre seu rosto.

— Obrigado — agradeceu o antigo rei, rouco. — Por levá-la em consideração. — Mas o luto brilhou em seus olhos. O homem sabia exatamente o quanto seria impossível.

— Sinto muito — lamentou Dorian, então. — Pelo que o sucesso com o Fecho significará para vocês.

Gavin engoliu em seco.

— Minha parceira fez sua escolha há muito tempo. Ela sempre esteve pronta para enfrentar as consequências, mesmo que eu não estivesse.

Assim como Sorscha fizera as próprias escolhas. Seguira o próprio caminho.
E, pela primeira vez, a lembrança não doeu. Na verdade, brilhou como um desafio reluzente. Para que fizesse valer a pena. Para ela, para tantos outros. E para ele mesmo também.

— Não desista da vida tão facilmente — pediu Gavin. — É a vida que tive com Elena que me permite sequer considerar me despedir dela agora. Uma vida boa, tão boa quanto qualquer uma que se pudesse desejar. — Ele inclinou a cabeça. — Desejo o mesmo para você.

Antes que Dorian conseguisse dizer o que surgiu em seu coração diante das palavras, Gavin olhou para o céu. As sobrancelhas escuras se uniram.

— Você precisa ir. — Pois o ecoar de asas tomou o ar. Milhares de asas.

A legião das Dentes de Ferro em Morath ainda se reunira depois do colapso da fortaleza, ao que parecia. E agora fazia o longo voo para o norte, até Orynth, provavelmente muito mais ansiosas para destruir os amigos de Dorian.

Ele rezou para que Maeve não estivesse em meio àquela horda. Para que ainda estivesse remoendo suas mágoas em Morath com Erawan. Até que o restante dos horrores de ambos marchasse com as aranhas-princesas.

Mas, apesar do exército que se aproximava, Dorian tocou o cabo de Damaris e disse:

— Vou cuidar dela. De Adarlan. Por tanto tempo quanto me restar. Não a abandonarei.

A espada brilhou, se aquecendo.
E Gavin, apesar da perda iminente, deu um leve sorriso. Como se também sentisse o calor da espada.

— Eu sei — disse ele. — Sempre soube disso.

O calor de Damaris se manteve. Dorian engoliu o aperto na garganta.

— Quando o portão de Wyrd for selado, conseguirei abrir este tipo de portal de novo? — Conseguirei vê-lo, buscar seus conselhos?

Gavin se dissipou.

— Não sei. — Ele acrescentou, baixinho: — Mas espero que sim.

Dorian colocou a mão sobre o peito e fez uma reverência profunda.

— Quando ela vir até você, ajude-a, Dorian.

E, quando o antigo rei desapareceu na neve e no sol, Dorian podia ter jurado que ele fizera uma reverência de volta.
Minutos depois, uma luz fervilhante caira ao seu lado.

××××

Quando abriu os olhos, viu algo que a fez ofegar.

O céu noturno se estendeu diante dos seus olhos, as estrelas piscavam para todos os lados e no topo, a lua estava orgulhosamente cheia. Quanto tempo fazia que Davina não via isso? O céu... Sentiu o vento forte tocar seu corpo adormecido, balançar seus cabelos e arrepiar cada centímetro de pele. Davina não sentia isso há mais de 100 anos.

A criatura rugiu e desceu, subitsmente, Davina se sentou e notou sobre o que estava montada. Seu coração parou na garganta quando segurou a lombar com suas mãos assustadas, logo, um pouso forçado veio junto do grito de dor que a criatura deixou sair para o mundo.

— Merda! — A voz masculina fequejou, ele se deitou no chão tocando o peito.

Davina se arrastou para a sombra de uma árvore, encolhida no canto, sentia cada pequeno pedaço do corpo formigar. Estava livre, liberta, sem qualquer meio de segura-lá, e aquele poder...

— Não se aproxime — ela disse.

Ele parou, ainda arfando com o rosto contorcido de dor.

— Não podemos ficar aqui.

— Não se aproxime.

O homem respirou pesadamente, ficando de pé alguns passos de distância, encarando aquela garota encolhida nas sombras. Davina o olhava dos pés a cabeça, seu coração batia de maneira rápida quando sentia algo profundo nele, era como se, aquele homem, tivesse algo que a chamasse.

— A quem você serve? — Sua voz era um murmúrio de escuridão.

××××

Dorian sentiu a pergunta como uma pontada nos olhos. Ele ignorou a dor no peito, se esqueceu da sensação horrível daquele poder obscuro se espalhando por seu corpo debaixo do toque frio das mãos dela.

— Eu não sirvo ninguém além de mim mesmo — respondera.

A jovem na escuridão, não desviou o olhar por sequer um minuto, o encarava como uma ameaça iminente e, também, como se fosse eliminar essa ameaça a qualquer instante. Porém, Gavin dissera para ajudá-la, e Dorian não teve dúvidas de que era ela quando a viu se transformar em uma figura adormecida e repleta de sangue, ele teria a esperado acordar, falaria e tentaria manter a calma, mas não podia ser imprudente, acabara de enganar Maeve.

— Maeve...

— Você a serve? — Dorian perguntou, dúvida na voz, não sabia de mais alguém que fizera o pacto de sangue com Maeve, e se essa fizera, o resultado seria catastrófico.

Os olhos opacos ganharam um tom avermelhado, como linhas de raios descendo por cada centímetro do olhar, a sombra aumentou sobre as costas dela e quando respondeu, Dorian sentiu ter ouvido um demônio. Não como um valg. Algo pior.

— Ninguém me governa. Não mais.

Não mais, Dorian pensou, e se viu assentindo em reconhecimento. Ninguém mais o governaria, ele não sabia a profundidade do que acontecera com ela, mas sentiu que compartilhavam a dor.

— Meus amigos e eu, estamos lutando para acabar com isso. E fazer um mundo melhor. — ele deu um passo à frente. — Eu sinto você, isso que corre dentro do seu corpo... Precisamos disso. Todo poder é essencial.

Ela desviou o olhar, olhando para o chão, vendo a sujeira no próprio corpo.

— Existe um mundo melhor?

Existe. Dorian queria falar, mas, ainda não existia e ele não mentiria.

— Vai existir — respondeu finalmente. — Mas, precisamos sair daqui e ir até a rainha de Terrasen e sua corte, precisamos nos juntar. E nos afastar de Maeve.

Ela se levantou, e, quando emergiu na luz da lua, era uma visão fantástica e assustadora, o sangue parecia se mesclar com sua pele como uma segunda roupa.

— Se der um passo em falso, eu juro que mato você — ela disse, não existia nenhuma hesitação em sua voz. Parecia morta.

— Não duvido disso. — Ele sorriu. — Meu nome é Dorian, Dorian Havilliard.

Ele se metamorfou novamente, sua forma de serpente alada era uma figura assustadora de escamas negras e olhos azulados, ele balançou a cabeça e esticou as asas. Olhando para as próprias costas e para ela de novo.

— Meu nome é Davina.

Dorian se jogou nos céus, com Davina em suas costas.

××××

Mesmo que ela agora desejasse que aquilo acabasse. Tudo aquilo. Cada fôlego parecia mais pesado por isso, esse desejo. Elas prosseguiram depois daquilo, e, quando Aelin viu a bifurcação na estrada a bifurcação que os levaria para as próprias minas de sal, um grito de aviso soou dos rukhin que voavam no limite entre a floresta e as montanhas.

Aelin imediatamente sacou Goldryn. Rowan se armou a seu lado, e o exército inteiro parou ao observar o bosque, o céu.

Ela ouviu o aviso no instante que uma silhueta escura disparou por eles, tão grande que bloqueou o sol acima do dossel da floresta.

Serpente alada e uma figura de cabelos esvoaçantes.

Arcos rangeram, e os ruks passaram em disparada, perseguindo aquela serpente alada. Se uma batedora Dentes de Ferro os visse...

Aelin preparou a magia. A serpente alada guinou para o grupo, quase invisível entre o emaranhado de galhos. Mas luz brilhou e junto disso. Empurrando os rukhin para trás, inofensivamente.

Não luz. Mas magia... Gelo e, algo mais, tremeluzindo e brilhando antes de se transformar em chama.

Rowan também reconheceu aquela magia e rugiu a ordem para que não disparassem.
Não foi Abraxos quem aterrissou na bifurcação. E não havia sinal de Manon Bico Negro.

Aelin galopou pela estrada naquela direção, com Rowan e Elide ao lado e os demais às costas, luz brilhou, e Dorian Havilliard estava ali parado. Ele ergueu a mão, seu rosto sério como a morte, Aelin sentiu então, o que Dorian carregava. As chaves de Wyrd. Todas as três.

E, quando ele dera um passo para o lado, todos viram que ele trouxera algo mais.

— Essa é Davina — o rei de Adarlan disse, olhando para a feérica de cabelos prateados e olhos esverdeados.

Aelin ouviu um engasgo ao seu lado, ela mesma se engasgou quando sentiu o peito explodir com uma sensação morta. Naquele instante ela percebeu.

Maeve não era capaz de criar uma ilusão tão perfeita, e, era por esse motivo que a rainha sempre se questionava e se encontrava ao limite da loucura. Aelin soubera desde o primeiro momento, e agora, tirava a prova.

Davina olhou diretamente para Rowan e Aelin sentiu uma lágrima cair ao ouvir as palavras que seifaram suas atitudes anteriores.

— Irmã...?

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