Capítulo 3

Davina observou aqueles olhos por trás da máscara de ferro, revirando sua mente em busca de respostas. Parecia assustada, isso era fato, mas assustada com Davina? Isso era estranho, os únicos que demonstravam medo eram aqueles que lutavam contra ela nos treinamentos, mas ela não estaca no treinamento, tampouco parecia demonstrar ameaça coberta de correntes e enclausurada em outra prisão.

Ela piscou, três vezes. Davina sugou uma quantidade de ar que fez uma ardência subir por sua garganta, que tipo de ações eram aquelas? Piscar para Davina... Ela não entendia essa comunicação, talvez a feérica estivesse com um cisco no olho, algo que incomodasse, talvez, existiam muitos talvez em sua vida. Sem respostas de sua parte, ela permaneceu estática, parada e imóvel; será que deveria fazer algo? Na presença de outros, Davina sempre foi instruída a ficar imóvel, sempre obediente, menor que tudo e todos, menos durante os treinamentos, ela tinha que agir, mas, de novo, não estava no treinamento.

Novamente, a mulher piscou. Ela precisa da minha ajuda? Davina se questionou, talvez precisasse. Suas mãos hoje livres das braçadeiras de ferro, se fecharam contra o calor doloroso, isso fez com que a feérica fechasse os olhos e Davina se encolher com a atmosfera, o cheiro que encheu suas narinas era desconhecido, parecia um sentimento; dor e vazio. Seus pés se moveram, e silenciosa como uma sombra, Davina caminhou para perto do caixão, estava perto, tão perto.

— Vamos — a voz de Cainr fez seus músculos arderem. — Entre, Fenrys.

Quando o guerreiro que há muito a torturava levantou a cabeça, Davina não estava perto do caixão, estava exatamente onde ele a empurrou, parada, imobilizada.

— E você, ratinha, saia.

Ela foi, caminhando com sua prisão em forma de ferro e correntes, se pendurando em sua pele. Davina ouviu um fungar e seus olhos atentos olharam pelos cantos, o lobo de orelhas erguidas parecia tentar sentir seu cheiro, cheia de medo e vazio, Davina andou mais rápido.

××××

A porta de ferro se abriu com um arranhado profundo, e logo em seguida, Davina foi jogada como um saco de restos, não que ela exatamente soubesse o que era isso.

Sua cabeça se chocou contra o chão, ferro com ferro, metal contra metal. Cada minúscula parte ao seu redor era feito da sua fraqueza, que inundava seu corpo como droga, desde o chão até as paredes, puro ferro, grosso, impenetrável. Suas pernas se enrolaram nas correntes, e, ela escolheu permanecer deitada, enrolando os braços ao redor do peito, puxando os joelhos para mais perto. Estava cansada, e também, faminta... O pão havia acabado, e parece que Cairn esqueceu de jogar algo para ela, a água também.

— Levante-se — a voz da soberana estalou em sua cabeça. — Não me admira que Cairn a chame de rata, é isso que você parece ser.

Davina se levantou de imediato, a cabeça curvada para o chão, não era respeito que fazia seu corpo todo tremer, e sim, puro medo. As torturas de Cairn eram diferentes das torturas de Maeve; Cairn era o físico e Maeve... Maeve brincava com seu psicólogo, aquela única parte viva que restava, a soberana cavava cada vez mais fundo na sua alma, e, aos poucos, Davina ficava com medo que Maeve chegasse ao fundo.

Um cheiro delicioso subiu até seu rosto, nada que Davina um dia tinha sentido. Ela levantou a cabeça, e as curandeiras entravam para a dar banho, como de costume, sua camiseta esfarrapada foi retirada e jogada buma bacia com água; aquela bacia tinha mais água limpa do que Davina jamais consumiu na vida. Em seguida, as correntes, uma por uma, caindo ao chão com sons de estalos que a faziam piscar com força e tremer, claro que não parou até que estivesse totalmente nua.

Uma das curandeiras respirou fundo, estava sobre as costas de Davina, as chicotadas tinham sido difíceis naquele dia, ela sabia, mas, não esperou por uma cura. Maeve nunca oferecia esse alívio, suas feridas eram sempre lavadas e deixadas para curar sozinhas.

— Façam um trabalho rápido e seguro.

Davina sentou-se sobre um banco, o formigamento se alastrou por seu corpo quando sentiu água aquecida em sua pele; nunca, nunca havia sentido isso. Logo depois, a sensação de estar sendo tratada, isso trouxe lágrimas pesadas aos olhos invadidos por escuridão.

— Coma — Maeve disse, de frente para Davina, levantando uma colher.

Davina comeu, sem qualquer questionamento, saboreou os grãos que há muito não sentia gosto e textura, mastigou os legumes salteados em manteiga e se demorou para saborear os temperos que enchiam seu paladar, os gostos preenchiam sua mente com um passado distante. Um passado onde existia dignidade; as lágrimas desceram sem vergonha alguma.

— Você deveria mesmo chorar — a voz dela era cheia de frieza antiga, que trazia um gelo doloroso para qualquer parte do corpo da prisioneira. — Esse prato poderia alimentar alguém digno, sabe disso, não sabe, Davina?

Ela sabia, tinha total noção do quão pouco digna era, isso foi colocado à força dentro da sua cabeça.

— Obrigada... — o sussurro distante fez com que as curandeiras piscarem em surpresa.

Davina falava pouco, quase nada, o seu silêncio se tornou um costume, e o completo vazio uma certeza. Falava tão pouco que logo em seguida tossiu, suas lágrimas caindo ao chão quando curvou o corpo achando que sua garganta poderia sangrar; não sangrou, mas, ela sentia que sua alma certamente sangrava.

Maeve tocou os dedos limpos nas mechas prateadas dos cabelos molhados de Davina, uma respiração longa e pesada.

— Estou te tratando o melhor que posso — começou a falar. — Darei boa comida, bom tratamento, deixarei que visite Aelin... Mas, tem um custo.

O custo... Davina sabia qual era. Ela fechou os olhos, e uma visão chocante de vermelho saltou como um raio em seus pensamentos, ela visualizou sua prisão rachando, quebrando, e todo aquele poder levando o mundo consigo na sua morte. Maeve se afastou, segurando o próprio pulso, primeiro, o rosto da soberana foi tomado por choque, mas, no minuto seguinte, um sorriso tomou conta.

— Prometo que vamos nos dar bem. — Maeve tinha um sorriso tão sombrio... — Prometo.

Davina se recolheu dentro da mente. A gentileza a assustava, bondade deixava ela apavorada, não impotava a comida boa, os banhos, a cura... Davina ainda queria ficar longe de Maeve.

××××

O treinamento no dia seguinte tinha sido diferente. Maeve não estava presente e toda a gentileza do dia anterior sumiu; Cairn não poupou um único fôlego.

Cambaleava quando as correntes foram recolocadas nos devidos lugares, arfando por ar quando foi enclausurada na máscara, sangue descia em cascatas e Davina sentia que poderia morrer em breve, qualquer parte estava molhada, o líquido quente e viscoso aquecia sua pele adormecida. Dessa vez, Cairn foi pessimamente levá-la para onde ela sabia.

Assustada, Davina só se deixou ser conduzida. A mudança de rotina não a assustava porque ela havia se tornado obediente, era mais assustador não saber o futuro, se tudo estava mudando, o dia seguinte poderia ser pior do que as chicotadas que recebeu hoje.

O lobo branco ergueu as orelhas quando a porta foi aberta e Davina se enfiou lá dentro, a nuca coberta por uma mão quente de guerreiro.

— Nunca viu uma fêmea antes, Fenrys? — Cairn questionou, não se incomodando com o sangue quando pressionou as costas de Davina em seu peito.

Ela congelou, sua mente se esvaziando de qualquer pensamento. Cairn subiu as mãos enluvadas pelas correntes, mas, parou antes que fosse tarde.

— Saia — ele ordenou e quando o lobo rosnou para a porta fechada, Cairn se aproximou da orelha de Davina, sussurrando para a máscara de ferro: — Maeve pode estar te tratando melhor agora, ratinha, mas, eu juro que se der um passo em falso... Eu vou me divertir, igual antigamente, lembra?

Ela sabia, claro que sabia.

××××

Aelin ouviu e viu a cena monstruosa, e encarou um vazio distante quando Cairn saiu, deixando-as sozinhas novamente.

A figura trêmula cambaleou para perto do caixão, tremendo perto de Aelin, cheia de correntes, parecia que logo cairia aos pedaços. Aelin piscou, três vezes.

— O que... O que isso significa?

Aelin arregalou os olhos, a feérica havia falado, e agora, tossia fortemente. O sussurro foi distante e quase inaudível, mas perceptível para a mente vazia da rainha. No entanto, ela não respondeu. Ela queria que a feérica falasse mais, vozes diferentes que poderiam tirar Aelin daquela escuridão dolorosa, porém, não houve mais voz, não tinha motivos, já que ela mesmo não conseguia responder, a feérica ao lado não pareceu se importar com a pergunta ignorada, ela só assentiu, abaixando a cabeça, deitando a lateral do rosto no caixão.

Nos próximos minutos, Aelin tinha uma única questão na cabeça: como uma ilusão era capaz de demonstrar tanta dor?

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