39 - Oh, shit.

          Duda acordou com o barulho irritante do despertador. Estava de folga, mas não queria acordar tarde na casa dos outros. Ouviu a voz de Noah dizendo "ela acordou!" enquanto dava passinhos curtos pelo corredor. Levantou e desceu as escadas ainda esfregando os olhos.


"Parabéns pra você, nesta data querida! 
Muitas felicidades, muitos anos de vida!"


          Noah se esforçava para não cantar em inglês, mas trocava as palavras durante o coro. Ele e Olivia estavam parados no pé da escada segurando um bolo feito por eles na noite anterior. Elisa estava atrás, segurando uma faixa escrito "Happy Birthday".

          O bolo estava inclinado, a cobertura estava amassada e os desenhos de chantilly completamente tortos, mas, ainda assim, o bolo estava lindo. Em cima, "Parabéns" com a letra de Olivia e "Duda" com a letra de Noah. Vinte velinhas enfeitavam o contorno do bolo.

          Os olhos de Duda encheram de lágrimas. Eles se esforçaram tanto para fazê-la se sentir em casa. Conseguiram, pois não havia outro lugar que ela gostaria de estar naquele momento que não fosse ali, com suas duas crianças e Elisa, que estava se tornando uma segunda mãe para ela.


– Vamos, auntie, assopre as velas, corte seu bolo, faça um pedido, me dê um pedaço! – o menino dá pequenos pulinhos ainda com o bolo em mãos.

– Dá isso aqui, Noah! Você vai derrubar! – Olivia puxa o bolo das mãos do irmão – Maria, experimente! Eu e o Noah que fizemos! É de chocolate!

– Mas a mamãe ajudou!


          Duda tirou dois pedaços de bolo e deu para as crianças, que estavam ansiosos para comer. Pegou mais um e estendeu a Elisa.


– Você fez o pedido, auntie?

– Mas é claro!

– O que você pediu? – sussurra.

– Noah! Se ela contar não vai realizar! – Olivia repreende.

– Desculpa!

– Tudo bem, Olivia. Eu pedi para ter vocês pra sempre na minha vida...


          Os pequenos sorriram e abraçaram sua cintura. Elisa a abraçou e respondeu que ela já era parte daquela família. "Agora eu quero comer", Noah falou com a voz abafada pelo abraço.

          O bolo estava surpreendentemente bom, levando em conta que duas crianças que o fizeram. Bom, muito melhor do que o da festa da semana anterior, que Duda mal conseguiu comer. Este tinha gosto de estar em casa, e isso era o que ela mais precisava naquele dia.

          Os quatro passaram a manhã juntos, saíram para almoçar em um restaurante de comida brasileira e depois foram até um parque para as crianças brincarem. Duda ganhou um cachecol de presente de sua nova família e o colocou no mesmo instante.

          Chegaram em casa antes das três e Duda precisou carregar Noah até o sofá, que dormiu no caminho até em casa. Agradeceu por tudo o que Elisa fez e subiu para o seu quarto. Tirou o casaco, se jogou na cama e pegou seu celular. Abriu o Facebook e disse em alto e bom som que queria apenas ver as novidades dos amigos, como se o fato de falar em voz alta pudesse enganar a si mesma. Na verdade, ela só queria ver se Diego lembrou do seu aniversário, se ele iria parabenizá-la. Acreditava que não, mas queria que sim.

          Respondeu a todas as felicitações, algumas genéricas com um simples "Parabéns" de pessoas distantes e uma ou outra com verdadeiras declarações, como a de Jonathan e Carol.

          Rolou o feed na tentativa de se distrair, mas logo viu uma publicação de Diego. Seu coração descompassou assim que reconheceu aquele ventilador de teto na fotografia preto e branco. Na legenda, apenas a frase "Nós estamos cheios de nós... Cegos ou não". É claro que ele não esqueceria. Abriu o sorriso que tentou conter. Curtiu a foto só para ele saber que ela entendeu. Olhar aquele ventilador levou sua mente de volta para aquele quarto de hotel, para aquele fim de semana em que eles eram apenas deles e nada mais importava. Seus devaneios foram interrompidos pelo toque do celular e a foto de Laura na tela.


– Oi, mãe! Que saudades!

– Eu que o diga! Sabe, eu tenho trabalhado tanto que mal tenho tempo para te ligar... mas hoje é o seu dia! Parabéns filha, que você seja sempre muito feliz e continue me enchendo de orgulho!

– Obrigada!

– E essa carinha feliz aí?!

– Estou feliz em te ver...

– Ai, a gente tem tanto pra conversar!


          Laura fofocou sobre tudo o que estava acontecendo no trabalho, até mesmo sobre pessoas que Duda sequer sabia quem era. Contou animada sobre o novo projeto da construtora, chorou ao falar da saudade da filha, disse estar se sentindo sozinha sem o Jonathan, que ele estava demorando demais para voltar de Minas... Não... Minas não... O assunto que ela tanto tentava evitar...


– Mas a Daniela é uma boa menina, né filha?

– Ela é ótima.

– Ela estava tão linda no casamento do Diego... ela e seu irmão formaram um casal tão elegante! Aliás, tudo estava lindo no casamento. A noiva parecia mais com uma princesa. Você tinha que ver, Du, os olhos do Diego brilhavam! Ele até demorou para dizer o sim porque estava admirando a noiva. Eles até saíram mais cedo da festa para aproveitar a noite de núpcias. Foi uma cerimônia linda, até eu chorei! Você tinha que estar aqui, com certeza seria uma das madrinhas. Ai, Du, não vejo a hora de ser o seu!


          Duda sentiu como se um soco atingisse seu peito, mas Laura continuava tagarelando sem parar. Tentou se concentrar para não deixar transparecer nenhuma expressão de tristeza, mas o ardor nos olhos anunciava a chegada de lágrimas.


– Mãe, eu tenho que desligar, a Elisa está me chamando.

– Espera um pouco, eu ainda tenho que te contar sobre...

– Não mãe, não dá, tenho que ir. Tchau, saudades, amo você!


          A chamada de vídeo foi desligada antes mesmo que Laura pudesse responder. Duda abriu o Facebook e procurou por Diego. Abriu seu perfil e tudo parecia igual, com exceção das fotos em que ele foi marcado. Olhou foto por foto do casamento. A essa altura, já não sabia mais se os sorrisos nas fotos eram de felicidade forçada. Sua mãe falou com tanta convicção da alegria dos noivos que ela passou a acreditar.

          A primeira lágrima escorreu ao ver a foto do beijo no altar. Ela sabia que isso era a tradição de toda e qualquer cerimônia de casamento, só não estava pronta para vê-lo beijar Nicole. Ele falou tanto que não estavam juntos e agora... bom... estavam. Enxugou a lágrima que escorria em sua bochecha, fechou o Facebook e ligou para Steve.


– Boa tarde, birthday girl!

– Eu preciso sair...

– Você está bem?

– Eu só preciso sair... Você pode ir comigo?

– Onde?

– Algum lugar que eu possa beber.

– Claro. Te busco às sete, pode ser?

– Ótimo. Muito obrigada.

– Você quer conversar?

– Não... a gente conversa melhor mais tarde.

– Ok, te vejo mais tarde!

Bye bye!


          Duda desligou o telefone e voltou para o Facebook. Foi até o perfil de Nicole somente para alimentar sua mágoa. Ela realmente estava parecendo uma princesa. Ela não sentia raiva de Nicole, nem nada do tipo. Tiveram uma pequena faísca durante o único encontro das duas, mas foi apenas isso, não havia uma rivalidade. Ela também não tinha culpa, era tão vítima quanto qualquer um dos dois. Vítima do tal destino que tantas vezes é comentado por aí. Diego fez o que achava correto. Nicole fez o que precisava para ser aceita por sua família. Duda fez o que acreditava ser melhor para si mesma. Ela só teve mais certeza de que ser adulto e precisar fazer escolhas além do sabor do sorvete ou a cor da roupa é uma droga.

          Steve buzinou pontualmente às sete da noite. Duda desceu as escadas ignorando as piadinhas de Olivia sobre o relacionamento dela com o rapaz. "Não tenha pressa em voltar, amanhã é domingo", Elisa sorriu ardilosamente, entrando na brincadeira da filha. Duda fingiu um sorriso e correu até o carro. Olivia ficou acenando da porta.


– Nossa, você está tão arrumada...

– Onde vamos?

– Para a minha casa, tudo bem pra você?


          Não. Não estava tudo bem. Ela mal o conhecia!


– Claro...


          Duda seguiu em silêncio por todo o caminho. Escreveu uma mensagem para Jéssica e Carol: "Estou em um encontro, se eu não mandar mensagem até amanhã a tarde, avisem minha mãe". Ela continuou encarando o celular até que Steve estacionou o carro. Assim que entraram, um pequeno vira-lata correu até Duda e começou a cheirá-la, abanando o rabo.

          Ela não pensou que a casa de Steve fosse tão pequena. Era um studio na verdade. Cozinha, sala e quarto no mesmo ambiente. Não estava muito arrumada, ela precisou disputar o espaço do sofá com uma mochila e alguns casacos. Também não cheirava a cigarro, como imaginou. Alguns tênis jogados na porta do closet davam o toque final à decoração. "O que eu estou fazendo aqui, meu Deus", pensou. Steve pegou duas cervejas na geladeira e se sentou na beirada da cama.


– Aqui está – a estende uma garrafa.

– Obrigada.

– Você quer mais alguma coisa?

– Não, eu estou bem...

– Você está estranha...

– É que... não sei, achei que a gente iria para algum bar.

– Se a gente fosse, você não poderia beber. Menor de vinte e um, lembra?

– É verdade. Eu me confundo, no Brasil é dezoito e a regra não se aplica tão bem quanto aqui.

– Fique tranquila, o único que poderia fazer algo contra você aqui em casa é o Christmas Eve, mas pelo jeito ele gostou de você.

– Quem?

– O Christmas Eve, meu cachorro.

– Por que você deu esse nome para ele?! – ri.

– Eu o adotei na véspera de Natal – sorri.

– Nossa, que original! – ironiza.


          "Christmas, pega!", Steve ordenou, apontando para Duda. O cachorro continuou deitado no chão, sem nem ao menos olhar para o dono. Ela riu da falta de autoridade do colega. "Não adianta, ele nunca me obedece", reclamou e jogou um brinquedo para o cão. Ficaram observando o animal brincar com o pequeno urso de pelúcia até que o estômago de Duda roncou alto o suficiente para ele ouvir.


– Pizza?

– Pizza!


          Steve encomendou a pizza e buscou mais duas cervejas. Ficaram jogando video-game até a campainha tocar. Duda já estava sentada na cama, descalça e sem o casaco pesado, já se sentia muito à vontade naquele lugar. "Como você percebeu, eu não tenho mesa. Espero que não se importe", Steve abriu a caixa sobre a cama. Comiam em silêncio, até que ele resolve quebrá-lo.


– Você parecia nervosa ao telefone...

– Eu estava, mesmo.

– Quer conversar sobre?

– Eu precisaria de algo mais forte que isso – levanta a garrafa de cerveja.

– Não seja por isso, eu tenho.


          Steve foi até o armário e voltou com uma garrafa de whisky já começada e dois copos. "Pizza e whisky? Sério?", sorriu. "Whisky será a sobremesa", ele afirmou colocando a garrafa no chão. Passaram a conversar sobre o Brasil. Ele achava estranho os brasileiros se cumprimentarem com beijos no rosto ou chamarem desconhecidos pelo primeiro nome. "Isso é normal", ela afirmava o tempo todo. "Vocês são estranhos", ele concluiu.

          Terminaram de comer e Steve colocou as doses nos copos. "Ao seu aniversário", brindou. Ela virou a dose de uma vez. "Ei, vai com calma, o mundo não está acabando hoje!", sorriu.


– O mundo não, mas muita coisa, sim.

– Como assim?

– Ele está feliz, Steve.

– Quem?

– Quem eu deixei no Brasil.

– Como você sabe?

– Minha mãe me ligou... contou com detalhes a felicidade dele.

– Talvez sua mãe tenha entendido algo errado...

– Eu entrei no Facebook dele. Ele realmente parece feliz.

– Oh, Duda, eu sinto muito.

– Sabe, eu desejo que ele seja feliz, de verdade, eu desejo... Mas eu não esperava que seria tão rápido. Mas também, a culpa é minha.

– Eu não sei o que houve, mas tenho certeza que não é sua culpa...

– Não, é sim. Desde o início ele era dela. Quando a gente se aproximou há quase um ano, eram eles dois que estavam juntos. Eu fui apenas uma intrusa na história deles.


          Steve não soube o que responder, ele não sabia nada sobre a história dos dois e também não queria forçá-la a contar. "Acho que isso é... como é o nome? Sofrência", descontraiu. "É tipo isso", Duda sorriu. "Mas hoje é seu aniversário, nada de sofrência aqui", a estendeu mais uma dose de whisky.

          Duas horas se passaram e toda a sofrência deu espaço para as gargalhadas alteradas de Duda, que assistia Steve – igualmente ébrio – todo atrapalhado ao dançar a coreografia de Jingle Bell Rock do filme Meninas Malvadas. "Você foi de James Dean para Regina George em poucas doses", afirmou.

          Ele se jogou ao lado dela e disse algo incapaz de compreender, devido ao inglês arrastado que a bebida proporcionou. "Não entendi", ela respondeu em português. Agora quem não entendeu foi ele.


– O quê você disse?

– Não entendi – repete em português.

– O quê?


          Steve se aproximou para ouvi-la melhor. Ela nunca havia ficado tão próxima a ele. Nossa, ele realmente era bonito. A atração foi inegável. Qualquer pessoa que gostasse de homem o acharia bonito e charmoso e se atrairia por ele, mas era apenas isso que ela sentia – atração. Mesmo assim, ela estava ali e... por que não?

          Duda aproveitou a proximidade de seus rostos e o beijou. Não ouviu pássaros cantando ou sentiu borboletas no estômago, seu coração deu uma leve acelerada, mas ela sabia que era medo que ele a rejeitasse. Steve não rejeitou, pelo contrário, retribuiu na mesma intensidade que ela. Não parecia errado e, na verdade, era muito, muito bom. Tão bom que nenhum dos dois queria parar.

***

          O domingo amanheceu surpreendentemente ensolarado. Duda acordou sentindo um gosto azedo na garganta e a cabeça latejar. Seu corpo parecia flutuar em uma piscina de ondas. Ressaca. Ressaca das bravas. Tateou em volta procurando seu celular e... Não... Não pode ser... Se esforçou para abrir os olhos e ver onde estava...


– Oh, shit.

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Oi meus amores!
O que acharam do capítulo?
Estão shippando Steve e Duda?
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Vejo vocês na segunda, beijinhos! ♥

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