33 - Agridoces

          Quatorze de novembro. Diego acordou atrasado para trabalhar, mesmo tendo dormido antes das nove. Levantou apressado e nem tomou café, só lavou o rosto, escovou os dentes, pegou sua mochila e saiu. Chegou no trabalho e toda a sua turma já estava na sala. Passou um exercício e foi até a cantina para um café preto rápido. Aproveitou e conversou superficialidades com seu chefe para distrair.

          Voltou para a sala de aula e pegou o celular. Viu as três mensagens da noite anterior. Não se lembrava a última vez que recebeu um SMS que não fosse da operadora. Seu coração deu um rápido descompasso quando leu. Tentou conter todas as expressões que seu rosto insistia em mostrar. Só não conseguiu conter o sorriso. Mais uma vez as ideias que ele tanto tentou espantar voltaram. "Não Diego, isso não", repetiu mentalmente.

          Tentou se distrair, explicou conteúdo novo, passou exercícios, perguntou sobre a vida dos alunos, fez de tudo para pensar em outra coisa, mas quando menos esperava, estava novamente com o celular nas mãos e com o sorriso bobo estampado.

          A aula da manhã acabou e Diego aproveitou o horário do almoço para ir até sua casa. Estacionou na esquina e esperou até que sua mãe e sua irmã saíssem para almoçar, como faziam toda sexta-feira. Subiu, foi até seu quarto, revirou o armário à procura de algo e saiu. Voltou e deixou um recado na geladeira. Chegou na escola com meia hora de antecedência, tempo o suficiente para engolir um salgado antes de entrar em sala.

          Os alunos se distribuíram pelos computadores e a aula começou, Diego repetiu todo o conteúdo da turma da manhã e, toda chance que tinha, espiava o celular. Estava feliz pela mensagem, em pânico pelo casamento. Ficou refletindo que não deveria estar feliz por aquelas poucas palavras, pois sabia aquilo não mudaria nada do que aconteceria dali alguns dias.

          Diego chegou em casa mas não subiu, guardou a moto na garagem, respirou fundo e saiu caminhando pela cidade. Tarde demais para se arrepender das decisões tomadas no calor do momento.

          Dez e meia da noite. Gabriela foi até a geladeira para procurar algo para comer. Retirou uma caixa de suco e assim que fechou a porta, viu o recado de Diego, que finalizou com o desenho de um rostinho feliz. "Ô mãe! Você viu o recado do Diego aqui na geladeira?", gritou. Mônica foi até a cozinha e revirou os olhos assim que terminou de ler. "Eu mato esse moleque", gralhou.

***

          Quinze de novembro. Duda acordou com o telefone fixo tocando, mas não se levantou. A casa estava muito silenciosa, eram dez da manhã e normalmente neste horário a televisão competia com o rádio pela atenção de Laura. O telefone tocou mais uma vez e só aí Duda percebeu que ninguém estava acordado. Levantou e se arrastou até a sala. Assim que atendeu, a ligação caiu. Olhou em cima da mesa e havia um recado da mãe, "Precisei trabalhar e o Jonathan foi fazer um bate e volta na praia". "Trouxa, nem me chamou", reclamou. Seu celular tocou e ela correu até o quarto para atender, mas era um número que não conhecia.


– Alô?

– Du, sou eu. Eu não sei por que eu tô fazendo isso, devo estar bem louco, não deveria, mas enfim... Eu vi suas mensagens. Eu também quero você. E... eu tô aqui. Se você não quiser me encontrar, tudo bem. Se você quiser, a gente marca em algum lugar agora, eu saio agora daqui e vou em qualquer lugar que você escolher. Eu vim pra cá sabendo que era um risco, mas que eu precisava correr.

– Onde você tá?

– Num hotel perto do Terminal Tietê.

– Que hotel?

– Hotel Paulistano, se não me engano.

– Não acredito...

***

          Diego ficou segurando o telefone no ouvido mesmo depois de Duda desligar na sua cara. Sabia que ela não tinha obrigação nenhuma de vê-lo e que foi escolha dele aparecer de repente, mas o tempo todo nutriu uma pontinha de esperança. Deitou na cama e ficou encarando o ventilador de teto girando infinitamente. Seu celular vibrou e ele se agitou, mas logo desfez o sorriso quando viu "Mãe" escrito na tela.


– Alô?

– Mas você é muito cara de pau, moleque!

– Oi, mãe.

Oi nada! Como assim, você sai e me deixa um recado, "Mãe, não chama a polícia, eu tô vivo e volto domingo"? Onde você tá?!

– Eu tô vivo e volto domingo. Amanhã, no caso.

– Olha Diego, minha vontade é de te esganar pra você largar de ser debochado! Onde você está?

– Eu tô bem. Eu precisava de um tempo só pra mim. Esse é o meu último final de semana sozinho e eu quero aproveitá-lo.

– E se seu sogro aparecer por aqui?! Você sabe que ele parece um fantasma, aparece do nada!

– Diz que precisei viajar a trabalho.

Viajar?! Você está onde?!

– Mãe, por favor. Você sabe que eu tô bem, se eu não estivesse, nem teria te atendido. Fica tranquila e vai curtir seu feriado.

– Você me pede pra ficar tranquila porque seu filho não nasceu ainda, depois você vai ver como vocês dão trabalho!

– Tchau, mãe.

– A gente vai ter uma conversa séria quando você voltar.

– Tá bom. Tchau, mãe.


          Diego desligou o telefone e jogou de lado. Não gostava de mentir para a sua mãe, mas o que ele poderia fazer? Dizer "oi mãe, eu estou em São Paulo pra ver a mulher da minha vida pela última vez antes de me casar. Ah, a propósito, ela é filha da sua prima"? Mônica infartaria no mesmo segundo.

          Tirou a camiseta e voltou a encarar o ventilador que pouco ajudava a aliviar o calor que fazia naquele quarto abafado. Já havia tomado dois banhos desde que chegou, às sete da manhã. Ficou pensando no que faria nas próximas vinte e quatro horas sozinho. Pensou tanto que acabou caindo no sono. Acordou duas horas depois com o estômago doendo de fome. Ligou na recepção e pediu um lanche. Vinte minutos depois, estavam batendo em sua porta.

          Diego levantou tropeçando no lençol e abriu a porta. Ficou sem reação. Duda estava ali, parada, tentando esconder em um sorriso todo o seu nervosismo. Como um ímã, grudou os braços em sua cintura e a puxou para dentro do quarto. Não se importou quando a porta bateu, fazendo um alto barulho pelo corredor. Seus lábios ansiavam pelos dela. "Eu precisava tanto de você", ela sussurrou. Ele não conseguia falar, só queria beijá-la por completo. As mãos aflitas não sabiam onde explorar, corriam por sua cintura e quadril. Ela estava perdida pelo toque, pequenos choques arrepiavam suas pernas e nuca. Suas unhas percorriam as costas nuas de Diego, causando um arrepio coluna abaixo. Ele a levantou, fazendo com que suas pernas se encaixassem ao redor de seu quadril e a levou até a cama. Tirou seu vestido sem desviar seus olhos dos dela. Aqueles olhos grandes e brilhantes, alaranjados pela claridade. "Eu te amo tanto", murmurou pela primeira vez desde que a viu parada naquela porta. Ela não respondeu, só o puxou para mais perto. O roçar da barba por fazer contra seu colo a arrepiava, fazendo sua coluna se arquear.

          O toque, o gosto, o cheiro, os suspiros, os olhos que a devoravam o tempo todo. Duda era capaz de despertar os cinco sentidos de Diego de uma maneira que ninguém jamais conseguiu. Já não se sabia se o calor que inundava o quarto se dava apenas pela temperatura externa ou se vinha do incêndio que tomava aqueles dois corpos que mesmo tendo se encontrado tão pouco, se conheciam tão bem.

          Depois de um último e alto suspiro, Duda deitou ao lado de Diego e segurou sua mão. Ele se virou para ela e ficou observando o sutil sorriso que se formava no canto dos lábios. Ela estava de olhos fechados, absorvendo cada segundo daquele momento até que seu coração pudesse desacelerar. "Você é tão linda que parece até uma pintura", disse, observando seu corpo nu. Ela abriu os olhos e voltou-se para ele, que estampava um sorriso bobo no rosto. Foi até ele e deu um beijo delicado em seus lábios. "Ainda dói?", ele perguntou, passando a ponta do dedo pela cicatriz em seu tórax. "Não. Às vezes dá uma fisgada, mas não dói", ela respondeu. Diego se curvou sobre ela e deu um beijo em sua cicatriz. Estava descendo por sua barriga quando bateram à porta. Havia até se esquecido da fome. Diego dividiu seu lanche com Duda, que também estava faminta. Mesmo enquanto comiam, não conseguiam desvencilhar os olhos um do outro. Se consumiam pelo olhar.


– Eu achei que você não queria me ver.

– Por quê?

– Uai, você desligou na minha cara... Acho que é um bom motivo, não? – ri.

– Desculpa, é que na hora que você disse onde estava, tudo o que eu quis foi chegar o mais rápido possível.

– Na hora eu já fiquei pensando o que eu ia fazer sozinho nesse quarto quente até amanhã.

– Eu sei muito bem o que você pode fazer acompanhado nesse quarto quente até amanhã...


          Duda puxou Diego pelo pescoço e mordiscou seu lábio. Ele a abraçou e a virou para a cama. Passaram toda a tarde rolando pelos lençóis, trocando juras de amor que sabiam que não iam cumprir. Já estava anoitecendo quando o todo o frenesi foi deixado de lado, dando lugar ao mundo real.


– Alguém sabe que você tá aqui? – entrelaça seus dedos nos dele.

– Não.

– Você é doido.

– Por você – beija sua mão.

– Por que você decidiu vir assim, do nada?

– Eu vi suas mensagens ontem. Eu queria te ver há muito tempo, mas quando eu vi que você também queria me ver, eu pensei "por que não?". Na hora do almoço eu fui em casa e peguei algumas roupas. Enquanto meus alunos estavam no intervalo eu comprei minha passagem e rezei pra te encontrar.

– Diego, você é doido. Você... você vai se casar semana que vem.

– Du, já te falei que eu e a Nicole não estamos juntos ainda. Mas não vamos falar disso não.

– A gente tá tipo aquela música do Nando Reis, né?

– Qual?

– Nos Seus Olhos.

"Sou seu mas eu não posso ser..." – canta.

"Sou sua mas ninguém pode saber" – completa.

"Amor eu te proíbo de me esquecer"

– Você errou, é "de não me querer" – ri.

– Eu sei. Mas é que eu não queria que você me esquecesse.

– Você sabe que eu não vou.


          Duda deitou a cabeça no peito de Diego e o abraçou forte, como se isso impedisse que o dia seguinte chegasse e ele fosse embora. Ele apoiou o rosto em sua cabeça e ficou sentindo o aroma de shampoo misturado ao suor. Tentava memorizá-lo, pois sabia que jamais encontraria um cheiro igual. Ela se levantou e foi para o banho. Ele a seguiu e a admirou debaixo d'água.


– Você é tão linda até quando não faz questão de ser.

– Como assim? – sorri.

– Você está só lavando o cabelo e eu poderia passar o resto da vida te vendo fazer isso sem enjoar.

– Aposto que enjoaria no terceiro dia.

– Queria que houvesse um terceiro dia.


          Duda abriu um sorriso entristecido. "Não vamos pensar nisso", ele disse ao entrar debaixo do chuveiro e abraçá-la. Ficaram abraçados em silêncio, apenas sentindo a água morna escorrer por seus corpos. Por vezes deixavam escapar algumas lágrimas agridoces. Ao passo que estavam felizes por estarem finalmente juntos, tinham a plena consciência de que era a última vez. O telefone do quarto tocou, fazendo com que saíssem do transe que mergulharam. Diego saiu do banheiro e foi pingando água pelo quarto. Atendeu, era da recepção. Voltou no banheiro e Duda já estava enrolada na toalha.


– Era da recepção. Perguntaram se minha namorada vai passar a noite... O que você disse para poder entrar aqui? – ri.

– Disse que era sua namorada e que você estava me esperando, mas não sabia o quarto – ri.

– E você... vai passar a noite aqui?

– Só se você quiser.

– É o que eu mais quero.


          Diego a puxou para um beijo, mas ela se afastou antes que ele se atrevesse mais. "Diego, pelo amor de Deus, eu estou com fome", riu. Se trocaram e saíram para comer. Assim que colocaram os pés fora do hotel ele estendeu a mão para ela, que não hesitou em segurá-la. Saíram caminhando de mãos dadas pela calçada. Para a maioria das pessoas, nada demais. Para eles, a primeira demonstração pública de afeto.

          Foram até o Shopping D, perto do hotel. Duda fazia questão de comer Burger King e provar para Diego que era muito melhor que Mc Donald's. Fizeram o pedido e ela também fez questão de pagar. "Diego, você já gastou uns quinhentos contos pra me ver, me deixa fazer essa", insistiu. De sobremesa, um sorvete. Diego finalmente se convenceu que Burger King era melhor.

          Não quiseram perder muito tempo no shopping, tudo o que queriam era chegar no hotel e ficarem juntos por todos os segundos possíveis antes do fatídico domingo. No caminho de volta, conversaram sobre a família. Tentaram imaginar como seria se eles namorassem.


– Minha mãe ia infartar – Diego ri.

– Minha mãe ia dizer "o Diego da Mônica?!", porque toda vez que eu falo de você, é isso o que ela diz.

– Falando nela, ela sabe que você não vai dormir em casa?

– Sim. Deixei um recado dizendo que fui dormir na casa da Carol.

– Você avisou essa Carol, pelo menos?

– Mas é claro.

– E o Jonathan, sabe que você está comigo?

– Não tô trocando ideia com ele.

– Como assim?! Vocês dois são a meta de relacionamento fraternal!

– Ah, ele ficou puto comigo, aí eu falei merda e a gente não tá se falando.

– Poxa Du, que bosta...

– Não foi ruim não, de jeito nenhum. Ele foi pra praia hoje, se a gente estivesse conversando, a chance de eu estar com ele e não com você seria muito grande.

– A sorte ficou do nosso lado hoje então – a beijou.


          Chegaram no hotel e Diego se jogou na cama. Duda vestiu uma camiseta dele e deitou ao seu lado. "Não adianta, suas roupas sempre ficam melhores em mim", sorriu. Zapearam a televisão, mas não pararam em nenhum canal. Ligaram o rádio e deixaram a televisão ligada apenas para iluminar o quarto. Conversaram, trocaram carinhos e beijos por horas. Já estava de madrugada e Diego mal aguentava os olhos abertos. Dormiu apenas duas horas desde que chegou e gastou muita energia durante o dia.


– Você está morrendo de sono né? – ela pergunta fazendo carinho em seus cabelos.

– Um pouco...

– Vamos dormir, amanhã ainda teremos algumas horinhas juntos...


Diego assentiu e a abraçou. Ela se aconchegou e tentou dormir. Estava quase caindo no sono quando ele a chamou.


– Du?

– Oi...

– Promete que se eu acordar de madrugada você ainda vai estar aqui? Que você não vai embora de novo?


          Ela se virou para ele e o olhou firmemente nos olhos, iluminados apenas pela claridade da janela aberta. "Eu prometo", respondeu com os olhos marejados. Se arrependeu de ter ido embora da última vez, não faria o mesmo agora. Ele a beijou e ela voltou a se aconchegar em seu abraço. Nenhum dos dois gostavam muito da ideia de dormir de conchinha, mas, ainda assim, dormiram. Não queriam se desgrudar por nenhum segundo. 

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Bom dia meus amores!
O que acharam do capítulo?
Sem xingamentos hoje, certo? ♥

Eu estava tão ansiosa para postar esse capítulo que vocês não tem noção!
Peço aquele voto maravilhoso e muuuuuitos comentários!

Ah, e ouçam essa música do Nando Reis, eu tentei colocar o vídeo aqui, mas não tá carregando.

É isso, vejo vocês na segunda!
Aproveitem esse capítulo cheio de amor ♥
Beijinhos!

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