32 - Que bom que você vai embora

          Treze de novembro. Diego terminava de montar os móveis da nova casa. Olhava a parede do quarto e tinha a certeza de que não era um pintor tão ruim. Talvez tivesse ficado um pouco manchado por ter largado a parede pela metade, não tinha certeza, mas, ainda assim, estava ótimo. Sentou-se na beirada do colchão ainda envolto no plástico e encarou os tantos presentes que ganharam, mas que continuavam embrulhados.

          O pânico começou a tomar conta. Dentro de cinco dias as coisas começariam a mudar, mas em dez dias... em dez dias, tudo mudaria de vez. Não sabia como seria, e a cada vez que pensava nisso a gastrite dava sinais. Antes, depois de toda e qualquer discussão com Nicole, cada um ia para sua casa e não se falariam até os ânimos se acalmarem. Mas agora tudo precisaria ser resolvido naqueles quatro cômodos minúsculos. Não queria se casar. Não acreditava que ia se casar. Seu salário mal dava para se sustentar, imagine três pessoas? As pontadas no estômago continuavam. Ainda tinha Duda... por que raios não conseguia parar de pensar nela? "Ela vai embora, cacete!", murmurou. Não adiantava, ela ainda tomava sua mente todos os dias.

***

          Duda estava largada no sofá quando Jonathan passou apressado, derrubando o controle remoto. Ela olhou para o irmão todo de social e estranhou. "Jonathan...", chamou. Nada. Ele continuava afobado, procurando por algo que ela não sabia o que era. "Jonathan!", chamou ainda mais alto.


– Fala!

– Aonde você vai?

– Eu tenho uma entrevista daqui a pouco, mas não acho minha carteira.

– Nossa, e eu só estou sabendo agora?!

– Eu comentei ontem, mas você tava ocupada demais com a sua viagem.

– Grosso.

– Não é grosseria. A gente mal conversa mais.

– Claro que não!

– Claro que sim. Me diz a última vez que a gente sentou e conversou igual antes?


          Duda tentou puxar na memória, mas realmente não se lembrava. Jonathan cortou a conversa e continuou andando pela casa procurando por sua carteira. Duda se levantou e foi atrás do irmão.


– Mano, por que você tá puto comigo?!

– Eu costumava ser o seu melhor amigo, Du. Seu confidente.

– Você ainda é!

– Não, mano. Eu não sou. Você decidiu de uma hora pra outra ir embora e eu fiquei sabendo pela mãe!

– Você tá bravo por isso?

– Mas é claro! Você queria que eu ficasse como?! Porra, minha irmã decide ir pra outro país do nada e eu fico sabendo por terceiros! E tá indo embora por causa de homem!

– Nossa, cala a boca! Eu tô indo embora por mim! Eu tô indo fazer algo por mim em vez de esperar as coisas caírem do céu no meu colo igual a você! Nunca foi por homem nenhum não, desde o início foi por mim!

– Na boa, Eduarda, não vou me estressar com você. Que bom que você vai embora. Se você me der licença, eu tenho que encontrar minha carteira e ir pra minha entrevista pra ver se o emprego cai no meu colo.


          Duda continuou parada na porta encarando o irmão. "Sua carteira tá jogada lá do lado da mesa", falou. Jonathan pegou a carteira caída no chão e foi em direção à porta. "Boa sorte", ela disse. Ele não respondeu e saiu batendo a porta. Ela se jogou de volta no sofá, irritada. Não queria ir embora brigada com o seu irmão. Respirou fundo e deixou a discussão de lado, antes do atrito estava animada, pois suas duas amigas combinaram de saírem juntas naquela noite para comemorar a viagem de Duda e ela não queria sair com um clima ruim.

***

          Jonathan chegou na empresa com meia hora de antecedência. Sentou-se na recepção e aguardou ansioso, chacoalhando as pernas. Quarenta minutos depois ele estava na sala de entrevistas. A vaga era para assistente administrativo, o mesmo que ele trabalhou anteriormente. Jonathan era muito simpático e era muito difícil alguém não gostar do jeito dele. O entrevistador estava certo que ele seria bom para a vaga, mas bastou Jonathan estender o braço para pegar uma caneta que as coisas mudaram de figura. A manga longa da camisa subiu pouco o suficiente para mostrar um pedaço de sua tatuagem.


– Me desculpe, Jonathan. Não contratamos pessoas com tatuagem.

– Eu posso vir com a camisa fechada até o punho todos os dias.

– Desculpe, é a política da empresa. Eu gostei de você e te contrataria mesmo assim, mas eu sou só do RH, não faço as regras, apenas as sigo.


          Jonathan ficou contrariado, mas agradeceu e saiu. Sempre soube do preconceito com pessoas tatuadas, mas nunca havia acontecido com ele. Um ou outro olhar de desaprovação de pessoas desconhecidas na rua era até comum, mas nunca imaginou que perderia uma vaga de emprego por isso.

          Sentou-se em uma lanchonete, fez seu pedido e enviou uma mensagem para Daniela, que estava ansiosa para saber o resultado da entrevista. Não demorou para que ela ligasse para ele.


– Oi meu bem! Vi sua mensagem e saí pra almoçar o mais rápido que consegui. Como foi a entrevista?

– Não passei porque sou tatuado.

– Uai, como assim?!

– Não sei, Dani. Minha camisa estava fechada até o punho, mas eu me mexi e um pedaço minúsculo apareceu e eu não passei, o cara disse que é a política da empresa. Mano, preconceito com tatuagem em pleno século 21.

– Infelizmente eu sei como é isso. Não com tatuagem, é claro, mas por eu ser como eu sou. Já perdi vaga por causa do meu cabelo ou pela cor da minha pele. Uma vez me pediram para alisar meu cabelo para ficar dentro do padrão da loja que eu ia trabalhar. Teve uma escola particular daqui que eu me candidatei na vaga de secretária e a vaga ficou com uma moça loira sem experiência, enquanto eu tinha três anos na carteira. Eu também não estava dentro dos padrões estabelecidos pela escola.

– Nossa... eu sinto muito. Agora eu tô me sentindo um babaca por reclamar.

– Não, não se sinta não. Eu sinto muito pelo que você passou, só quis dividir isso com você. De qualquer maneira os errados são eles, não sou eu e nem você.


          Dani e Jonathan continuaram conversando por um bom tempo, até que o horário de almoço dela acabou. Falaram sobre tudo, assunto era algo que nunca faltava para os dois. Ela dava uma verdadeira aula sobre temas que não faziam parte do dia a dia dele, mas que eram recorrentes para ela. Jonathan entrou no metrô e ficou pensando sobre tudo o que Dani disse. Ele a via como a Daniela, mulher mais incrível, linda e inteligente que ele já se envolveu. A cor da pele ou o cabelo nunca fizeram a mínima diferença para ele. Foi aí que ele percebeu a bolha em que cresceu.

***

          A noite estava quente e Duda chegou no bar antes das amigas. Sentou-se e pediu uma cerveja. Não demorou para que Jéssica e Carol chegassem. As três sempre ficavam muito tempo sem se encontrar, mas quando se viam parecia que não havia passado um dia sequer, tamanho entrosamento e liberdade que tinham uma com a outra.

          Jéssica tinha vinte anos, cursava Farmácia e conheceu Duda no primeiro ano do ensino médio. Elas não se desgrudavam, Jéssica morava perto e sempre uma dormia na casa da outra. Antes mesmo do segundo ano terminar, ela se mudou para São Caetano do Sul e começou a trabalhar em um restaurante. Por conta da distância e do horário puxado do trabalho, passaram a se ver cada vez menos. Já a Carol se tornou amiga de Duda por causa de Jonathan. Foram comemorar o aniversário de vinte anos dele em uma balada e eles acabaram ficando naquela noite. Elas começaram a conversar e se tornaram grandes amigas. Carol tinha vinte e dois anos e estava se formando em Marketing. Jéssica estava com Duda nessa balada e também se tornou amiga dela.


– Pelo amor de Deus, não tinha um lugar mais perto não?! – Carol reclama se jogando na cadeira.

– Você que mora do outro lado da cidade! – Jéssica ri.

– Meu anjo, e você que nem aqui mora? – Carol debocha.

– Vocês estão reclamando, mas eu que cheguei no horário e já tomei um litrão sozinha esperando as dondocas aí! – Duda ri.

– Mas cadê o Jonathan, ele não ia vir? – Carol indaga.

– Olha lá, tá querendo seu irmão de novo!

– Mas é claro que não, eu estou muito bem com a Cíntia, obrigada! Mas é sério, ele não ia vir?

– Ah, antes de sair de casa eu chamei, ele disse que queria ficar sozinho, que estava cansado. A gente tretou de manhã.

– Normal, briga de irmãos... Eu brigo com o meu irmão o tempo todo.

– Tá, chega de assunto banal, eu quero saber agora de, puta que pariu, Madu, como assim, Estados Unidos?! – Jéssica indaga.

– Ué, surgiu a oportunidade...

– Nossa, que desânimo! – Carol revira os olhos

– Não tô desanimada não, eu tô apreensiva. Morar com gente desconhecida, país desconhecido...

– Mas ainda assim, nos Estados Unidos! – Jéssica sorri.

– Quem sabe não conhece alguém e consegue o Green Card?

– Não, credo, bate na madeira! – bate três vezes na mesa – Já me basta o azar com brasileiro, não quero com gringo também não! – ri.

– Falando em azar, e o Lucas?


          "Pelo amor de Deus, Jé! Vamos apagar a existência desse cara!", Carol repreendeu e foi até o balcão. Voltou com uma cerveja e mais dois copos. As amigas brindaram o encontro e passaram a conversar sobre trabalho, faculdade, Carol dizendo que acabou de entregar o TCC, Jéssica ansiosa por um estágio.

           As três eram muito diferentes e isso que fazia com que se dessem tão bem. Jéssica era a mais centrada das três. Na escola sempre foi a nerd da turma e se dava bem com todo mundo. Também era a mais estranha da sala, ia com algumas roupas e maquiagens que ninguém mais teria coragem de usar, mas que pareciam fazer parte dela. Hoje não mantinha o mesmo estilo gótico-extravagante, mas às vezes se pegava passando delineador vermelho para sair e tingindo o cabelo de preto azulado. Carol era a cara de pau. Não importava se haviam pessoas ao redor, ela não via problema nenhum em expor suas opiniões – e muitas vezes recebia olhares furiosos por isso – e em falar sobre sua vida. Sua gargalhada era sempre alta e contagiante. Não era muito apegada à aparência, seu estilo vagava entre o hippie e o rock – muita camiseta de banda e saias longas, rasteirinhas e colares artesanais. O cabelo sempre natural em cachos largos e claros.

          Conforme o tempo passava, mais cervejas tomavam e mais altas as risadas ficavam. "Ei, aquele ali não é o Jonathan?", Carol apontou. Duda olhou pela janela e reconheceu o irmão no bar do outro lado da rua com alguns amigos. Ligou para ele e viu quando ele tirou o celular do bolso, desfez o sorriso e rejeitou a ligação. "Idiota", ela resmungou.

          Já era quase meia-noite e Duda estava um pouco alterada. Não bebia desde o acidente, então o álcool fez efeito mais rápido que o usual. O álcool também tirou o filtro que mantinha sobre certos assuntos – o acidente, por exemplo. Contou para suas amigas sobre as mensagens de Lucas naquele dia, que até então, só ela sabia. "Ele tem que morrer", Carol repetia o tempo todo. Jéssica concordava. Ela contou também que estava apaixonada e que era recíproco, mas que não podia fazer nada porque, segundo a própria, o Universo conspirava contra os dois.


– Pra tudo tem um jeito. Manda mensagem pra ele! – Carol insiste.

– Melhor não, Madu. Não ouve a Carol não. Não dá pra insistir em algo que o Universo não quer.

– Isso aqui não é filme não! Se você tá afim do cara e ele tá afim de você, manda uma mensagem. Não dá pra ficar sentada esperando o Universo agir não.

– Sabe o que não dá pra esperar? O metrô. Já vai dar meia-noite e o metrô vai parar. Eu ainda tô perto de casa, mas a Jé ainda vai pra São Caetano e você pro Jabaquara.


          Carol e Jéssica concordaram que estava na hora de ir embora, ainda mais porque trabalhariam na manhã seguinte. Abraçaram Duda e desejaram boa viagem, muitas fotos, muitas comidas, muito dólar e muitos "gringos gatos". As duas seguiram juntas para o metrô e Duda seguiu na direção contrária rumo à sua casa. Jonathan viu a irmã sair, mas continuou parado do outro lado da rua. Duda resmungou sozinha, pensou que ao menos na hora de ir embora ele a acompanharia. Ainda estava um tanto quanto ébria quando chegou em seu prédio, sentou-se no degrau da portaria e pegou o celular.

"Eu queria tanto vc aqui"

"Desculpa a msg anterior, eu tô meio alegre"

"Mas mesmo assim... Eu queria tanto vc aqui". 

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Boa tarde Meu povo!
O que acharam do capítulo?
Se gostaram (e se não, também), deixem o votinho aí faz favô!
Alem dos comentários que tanto amo ♥

Ah, só queria dizer que o próximo capítulo tá maravilhoso e eu estou ansiosa haha
Beijinhos e até segunda! ♥

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