29 - Matar a Dor

Chegaram em casa por volta das sete e meia da noite. O táxi levou uma hora e meia no trânsito devido ao horário de pico. Laura destrancou a porta e deu um suspiro de alívio. Os três dias de descanso se tornaram três longas semanas de agonia, mas agora tudo parecia estar de volta ao lugar. Duda deu uma volta pela casa, como se não morasse ali. Até o cheiro do ambiente estava diferente. Bom... cheirava a uma casa fechada há três semanas.

Ainda eram onze e meia, mas Jonathan e Laura já estavam dormindo. Duda havia acabado de sair do banho, vestiu um pijama de verão e abriu a janela, a noite estava muito quente para um início de primavera. Sentou-se em sua cama e pegou o celular pela primeira vez desde o acidente. A tela estava totalmente destruída e ele nem ligava mais. Se lembrou que ele estava em sua mão quando capotou, mas não lembrava o porquê.

Ligou o notebook e assim que abriu o navegador, várias notificações começaram a aparecer. Quanta gente desejando melhoras ou pedindo notícias... Tudo por conta de uma postagem de sua mãe pedindo por orações. Entrou em seu blog antes de dormir.

"Até que ponto as pessoas se importam com você? Bom... Eu sofri um acidente e posso te dizer que aqueles que se importaram de verdade foram os mesmos que estavam ao meu lado o tempo todo. Claro que salvo algumas pessoas que provavelmente não souberam, ou então, me mandaram mensagem - mas meu celular ficou tão destruído quanto eu, então me desculpa, ainda não vi nada. Mas eu vou contar o que eu me lembro...

Eu poderia começar dizendo que 'ninguém sabe', mas sim, muita gente sabe o quanto as palavras podem machucar alguém. Eu recebi algumas mensagens de ódio. Não que eu me importasse com ofensas, porque na verdade eu não ligo, mas a pessoa usou o meu pai para me atingir. Isso é o mais baixo que o ser humano pode chegar.

Além disso, assisti de camarote outra pessoa dar o primeiro passo para criar uma vida com quem eu amo, tive verdades jogadas na cara, lembranças do meu pai, tudo isso misturado a muito álcool. Minha cabeça estava a mil e eu não conseguia suportar, queria fugir.

Acelerei pela estrada de terra iluminada só pelo farol do carro. As lembranças corriam em alta velocidade, me lembrei do meu pai no caixão e senti o estômago doer. Olhei para a estrada e era tarde demais, de repente tudo ficou escuro. Senti meu corpo flutuar antes de ser lançado por pequenos fragmentos de vidro. Não conseguia respirar, me sentia sufocar. Apaguei.

Durante os dias, tudo o que eu queria era morrer. A dor estava insuportável. Eu nunca tive medo da morte. Preferia morrer de uma vez do que ficar vegetando em uma cama - porque era isso que eu imaginei que aconteceria comigo. O único momento que eu me sentia bem era enquanto estava dormindo, pois não sentia nada. Às vezes as pessoas querem morrer não porque não querem mais viver, mas porque querem matar a dor.

Posso dizer também que neste meio tempo no hospital eu pude conhecer as pessoas um pouco melhor. Percebi pessoas que talvez eu pensasse que não pudesse contar, mas, na verdade, só quer o meu bem (e também é ótima observadora). Por outro lado, tive a certeza que aquela velha frase de que gente só dá valor quando perde é real. Seja para dizer um 'eu te amo' ou para abrir mão de uma vida. Um pedaço meu não está mais comigo, e eu tenho certeza que parte de mim realmente morreu ali."

***

Duas semanas se passaram. Duda estava bem fisicamente, mas seu interior estava uma bagunça. A cada dia mais introspectiva, mal conversava com sua mãe ou com Jonathan, as poucas vezes que interagiam, ela dizia estar cansada como uma desculpa para ficar sozinha.

Laura chegou mais cedo e Duda estava sozinha em casa, deitada no sofá em pleno silêncio. Sem dizer nada, se sentou ao lado da filha e começou a fazer carinho em seus cabelos.

- Eu queria recomeçar - Duda quebra o silêncio.

- Recomeçar o quê?

- A vida. Lá do zero. Voltar para o seu útero - sorri.

- Isso é impossível, mas você pode começar agora.

- Como?

Laura falou sua proposta para Duda, que rejeitou imediatamente. Seria muita loucura, abrir mão de tanta coisa por algo incerto. Apesar de querer recomeçar, ela tinha muito medo. Se levantou do colo da mãe, foi até seu quarto e revirou uma caixa guardada no fundo do guarda-roupa. Sua caixa de lembranças.

Em meio a papéis, fotos, cartas e presentes, encontrou o que procurava. Um pouco amassado e com uma orelha na capa, mas estava ali. Sentiu um frio na barriga ao pegá-lo nas mãos. Não, não podia. Deu um profundo suspiro e o colocou de volta no fundo da caixa.

***

Diego chegou em casa depois de um dia exaustivo no trabalho e antes que pudesse tirar os sapatos para esticar os dedos, encontrou seus sogros o aguardando na sala junto de Nicole e Mônica. José, como sempre, foi direto ao ponto: "eu vim definir a data do casamento para reservar a igreja".

Ele engoliu seco. Pensou que seria algo simples, somente no cartório, inclusive era isso que ele e Nicole queriam. Cristina insistia que o casamento fosse na igreja que frequentavam, pregava que eles precisavam da benção de Deus, mas, no fundo, só queria mostrar para os fiéis que sua filha não seria uma desvirtuada.

Depois de muita conversa, decidiram que seria em seis semanas. Diego se desesperou com a proximidade, mas Nicole já estava de três meses e meio, quanto mais demorasse, maior seria a barriga - como se os convidados não soubessem da condição da noiva. Uma das casas de aluguel de Mônica estava vazia, não era grande e nem bem localizada, precisava de algumas pequenas reformas, mas era o que eles podiam ter naquele momento.

Dois dias se passaram, Diego chegou do trabalho e Nicole estava com Gabriela no sofá. As duas estavam concentradas na tela do notebook. "O que vocês estão fazendo?", perguntou enquanto jogava a mochila no canto da sala. Gabi virou o notebook para o irmão. Era o convite do casamento. Estava simples, mas muito bonito.

O fundo era branco e havia um coração vermelho no canto esquerdo. "Diego & Nicole" escrito no topo, ostentando uma fonte cursiva, porém moderna. "Com a benção de seus pais"... o pai de Diego sequer sabia que ele iria se casar. Um pouco mais abaixo, a data e a hora destacadas em tamanho grande, logo acima do endereço da igreja. Bem no final, um versículo da bíblia que Nicole escolheu para agradar os pais. Definitivamente não era feio, mas não era um convite que Diego escolheria.

- E então, o que achou?! - Gabi pergunta entusiasmada.

- Ficou lindo, parabéns.

- Posso mandar fazer?

- Se a Nicole estiver de acordo, sim.

Nicole concordou com um sorriso tímido no rosto. Diego se sentou ao lado da irmã, deu um longo suspiro, puxou um caderno da mochila e começou a escrever.

"Esses são meus convidados", disse ao virar o caderno para sua noiva, menos de dez minutos depois. Vinte e três nomes. "Uai, só isso?! E... você não vai convidar seus primos?", Nicole questionou com certa arrogância. "Está muito em cima, eles não viriam", Diego desconversou. Ele não queria que Duda estivesse presente em um momento tão difícil para os dois.

***

Alguns dias se passaram, Duda acordou antes de todo mundo e foi até a cozinha preparar o seu café. "Eita dona Laura!", reclamou enquanto tirava os papéis que estavam jogados sobre a mesa. Revistas por assinatura que nunca eram lidas, documentos, contratos, fatura do cartão de crédito... Um convite de casamento.

Suas mãos começaram a tremer antes mesmo de abrir o envelope vermelho. "Laura e família", leu em voz alta. "Diego...", sussurrou, deixando algumas lágrimas caírem. Vinte e três de novembro, seis dias antes do seu aniversário. Dali um mês, praticamente.

Jogou o convite em cima da mesa e voltou para o quarto, já havia perdido a fome. Foi diretamente até a caixa de lembranças, sabia exatamente o que queria dali, não precisou revirar. Retirou aquele mesmo livrinho azul com orelha na capa e folheou. Ótimo, ainda era válido. Jogou a caixa de lado e foi até o quarto de sua mãe. Abriu a porta com rapidez, fazendo a claridade invadir o ambiente escuro e despertar Laura.

- Filha, está tudo bem? - pergunta ainda sonolenta.

- Eu aceito a sua proposta.

Duda jogou seu passaporte em cima da cama e encarou a mãe, esperando por alguma reação. Não tinha certeza da sua decisão, mas não podia ficar parada esperando as coisas acontecerem sozinhas. Precisava deixar o medo de lado, agir, deixar de ter pena de si mesma. Precisava seguir sua vida, assim como todos estavam fazendo. Laura abriu um sorriso e levantou o cobertor, convidando a filha para se juntar a ela.

"Você tem certeza?", Laura perguntou enquanto fazia carinho nos cabelos de Duda. "Eu não sei, mas eu preciso descobrir", respondeu, se aconchegando no abraço quentinho da mãe, que logo voltou a dormir. Duda permanecia com os olhos arregalados, sentindo a dúvida e o medo correrem por suas veias. Outro país... longe de tudo e de todos. Seu coração acelerava só de pensar em ir embora. Nunca ficou tanto tempo longe de seu irmão ou de sua mãe.

A princípio seriam seis meses, o prazo máximo do visto de turista. Moraria com uma antiga amiga de Laura, trabalharia de babá para ela em troca de duzentos dólares por semana. Depois disso, precisaria voltar... ou... Não, ilegalidade não. Ou talvez sim? Só de considerar esta opção já sentiu o estômago pesar, mas só precisou se lembrar do maldito convite de casamento em cima da mesa para se manter firme em sua decisão, afinal, trabalhar com visto de turista já seria ilegal, de qualquer maneira.

***

Duas semanas se passaram, Duda já havia comprado a passagem para o dia dezoito de novembro, queria ir o quanto antes, antes mesmo de ter tempo de se arrepender. Boston seria sua nova casa, sua nova folha em branco, onde ela pretendia recomeçar sua história. Duda tinha os pés no chão, sabia que em alguns meses retornaria para o Brasil - e possivelmente, para o pequeno quarto na casa de Laura - mas sabia também que voltaria outra pessoa. Para que tudo isso se não fosse para ser assim? Estava focada em passar uma borracha no ano de 2014, não importava quantas memórias fossem apagadas.

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Bom dia!
O que acharam do capítulo?
E aí, será que a Duda realmente vai deixar tudo pra trás? 😮
Votem e comentem bastante!

Ah, e eu tenho um aviso também...
Eu vou começar a postar só de segunda-feira.
Estamos na reta final do livro (faltam 12 capítulos) e eu estou escrevendo o livro 2, porém se eu continuar postando duas vezes por semana, eu vou demorar muito mais pra postar o segundo, porque só vou começar a postar quando tiver pelo menos vinte capítulos prontos (e no momento tenho seis), então essas semanas a mais me darão o tempo que eu preciso (assim espero) para adiantar o segundo livro e aí eu não vou demorar tanto pra publicar a continuação quanto eu demoraria antes.
Acho que ficou um pouco confuso, mas espero que compreendam.

É isso!
Beijinhos e vejo vocês na segunda! ♥

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