25 - Fusca Azul
Já era noite quando um médico chamou pelo responsável por Duda. Jonathan e Diego, que cochilavam nas poltronas desconfortáveis, rapidamente foram até ele.
– A Maria Eduarda acordou muito agitada, portanto foi preciso sedá-la novamente. Eu conversei com o plantonista anterior e ele me passou todo o caso da paciente, inclusive que a família se recusa a deixar o hospital. Eu conversei na UTI e eu posso liberar a entrada de apenas um de vocês por até quinze minutos.
– Pode ir, Jonathan.
– Doutor, e a partir de quando minha irmã pode receber mais de uma visita?
– Se tudo correr bem durante a noite, a partir de amanhã. Duas pessoas, mas uma por vez.
– Então vai você, Diego.
– Mas você é o irmão...
– E você é o pai do bebê.
– Você tem certeza?
– Sim. Eu entro amanhã...
Diego agradeceu e acelerou o passo pelo longo corredor. No caminho, o médico deu algumas instruções de higiene e entregou o avental. Lembrou mais uma vez que ela estava sedada e que a visita seria rápida. Diego chegou ao leito dela e sentiu o coração acelerar ao vê-la com o cateter de oxigênio. O barulho do monitor cardíaco dominava a sala de iluminação forte e fluorescente. Algumas lágrimas escorreram quando ele pegou sua mão e viu o acesso preso por um esparadrapo. Não conseguiu conter.
– Eu não sei... eu não sei bem o que eu estou sentindo agora. Eu... eu estou com raiva de mim por ter feito você vir até aqui... eu estou com raiva de você por ter pegado o carro bêbada, por dirigir sem cinto... Mas ainda assim, eu tenho um medo desgraçado de te perder. Eu estou com medo do que vai acontecer com a gente... do que vai acontecer com esse bebê que você tem aí dentro. Porra Du, se eu pudesse, eu passaria toda essa dor para mim. Toda a dor física, a dor da sua alma... Tudo. Eu preferia estar aí no seu lugar só pra não te ver passar por isso. Se você estiver me ouvindo, eu quero que você saiba de uma coisa. Se você estivesse acordada, provavelmente daria risada e diria "ah, eu já sabia". Se você estivesse acordada, provavelmente também eu não te diria isso... afinal, a gente só se dá conta quando perde... mas eu te amo. Eu te amo pra caralho.
Diego enxugou as lágrimas e deu um beijo em sua testa machucada antes de sair. Soltar sua mão foi mais difícil do que imaginou. Voltou para o corredor, que agora parecia mais longo do que antes. Chegou no saguão e Jonathan o aguardava ansioso. Diego o abraçou forte.
– Muito obrigado. Muito obrigado por me deixar entrar.
– Como ela está?!
– Dormindo. Sedada, na verdade... Com oxigênio. Alguns machucados no rosto e nos braços, mas não tanto quanto a gente imaginou. Fiquei com medo de encostar nela, encostar na cirurgia... Não sei. Só segurei sua mão.
– Uma pena que vocês não puderam conversar.
– Eu falei com ela... E tenho certeza que ela me ouviu.
***
A segunda-feira amanheceu com uma garoa fina. Diego mal dormiu. Chegou em casa na noite anterior e teve que explicar a razão por ele ter visto Duda e Jonathan não. Inventaram que na hora que o médico chamou, Jonathan havia saído para comer alguma coisa e Diego não conseguiu encontrá-lo a tempo. Respondeu que Duda parecia estar bem todas as vezes que Laura perguntou... e foram várias. Mas ele não acreditava muito nisso.
Engoliu um café amargo e saiu para trabalhar. Desviou seu caminho até uma paróquia um tanto quanto afastada do centro. A igreja estaria vazia, se não fosse por quatro senhoras ajoelhadas em bancos distintos. Se ajoelhou no último banco, juntou as mãos, fechou os olhos e começou a rezar. Não tinha muita prática nisso, não fazia com frequência, mas sentiu necessidade.
– Senhor, me desculpa, sei que não sou um bom cristão, não sei se estou fazendo certo... Não posso te citar nada da Bíblia, não sei nem quais palavras usar, se começo pelo Pai Nosso... Mas hoje eu venho te pedir ajuda. Deus, tira essa dor da Maria Eduarda, permita que ela se cure de todos os males que ela vem passando... Permita que essa criança tenha a chance de nascer. Sei que o que fizemos foi errado, mas não podemos voltar atrás... Me desculpe por isso, também... O erro já foi feito, e se alguém tiver que pagar por ele, que seja eu. Tira essa dor da minha Du, tira essa dor do nosso bebê. Tira essa dor de mim...
Diego continuou ali, sussurrando sua oração confusa enquanto os olhos ardiam em lágrimas contidas. "... Obrigado... e me desculpa, mais uma vez", finalizou. Fez o sinal da cruz e voltou para o seu caminho, já estava atrasado.
Chegou na escola e seus alunos o aguardavam em seus computadores. Iniciou a aula sem o seu costumeiro sorriso, sem as piadas, sem perguntar do fim de semana. Não via a hora de chegar em casa. Nas três horas entre uma turma e outra, ficou sentado em frente a televisão fora do ar, que fazia um chiado irritante. Ele não se incomodava, apenas olhava fixamente para uma teia de aranha no canto da parede. Deu a sua aula da tarde com o mesmo desânimo da turma anterior. Os alunos questionaram e ele disse que estava tudo bem. Eram adultos, sabiam que não estava, mas não insistiram.
***
Diego chegou em casa pouco depois de Jonathan e Laura. Eles foram visitar Duda, mas uma emergência na UTI fez com que eles saíssem antes de acabar a visita. Laura estava com o rosto abatido, cansado. Jonathan estava inexpressivo. Não quis jantar, foi direto para o quarto de Diego, que foi logo atrás.
– E sua irmã?
– Não é ela naquela cama.
– Como ela está?
– Confusa. Não está falando... mas o médico disse que é normal.
– Você comentou algo sobre...
– O bebê? Não.
– Eu só queria estar com ela agora.
– E eu queria que ela estivesse aqui.
Diego deitou em sua cama e pegou seu celular. Começou a rever todas as fotos dos dois. Jonathan deitou no colchão ao lado da cama e viu algumas mensagens. Foi a primeira vez que sorriu naquele dia. Dentre as várias mensagens perguntando de Duda, uma era de Daniela.
– Boa noite!! E a sua irmã, como está?
– Boa noite! Ela ainda está confusa. E você, tudo bem?
– Estou bem, mas fiquei preocupada com vocês. No sábado você saiu tão rápido com o Diego que eu não entendi, precisei perguntar para a Gabriela quando vi a sua mãe sair chorando.
– Me desculpa, eu também não sabia, só segui o Diego.
– Pode parecer um pouco inusitado e rápido, mas quer almoçar comigo amanhã? Você pode me contar o que aconteceu com a sua irmã... Ou caso prefira, não tocamos no assunto, pra você se distrair um pouco.
– Por mim tudo bem. Onde nos encontramos? Estou na casa do Diego.
– Eu passo aí para te buscar. 13:30, tudo bem?
– Claro!
– Então fica combinado! Boa noite!
Daniela finalizou com um emoji de beijo. Jonathan se sentiu mal por ter um encontro durante tudo o que estava acontecendo, mas tinha certeza que Duda daria uma bronca caso ele não fosse por causa dela, afinal, ela o ouviu falar da moça da festa por seis meses!
***
A terça-feira estava movimentada na UTI devido a um acidente de carro que deixou seis feridos. Duda estava acordada, mas ainda não se lembrava de muita coisa. Também não sentia nada. Eram tantos remédios que seu corpo parecia anestesiado. Ouvia a falação, mas não tinha forças sequer para erguer a cabeça. Sentiu medo de ter perdido seus movimentos, mas se tranquilizou quando conseguiu mexer os pés.
Fechou os olhos na tentativa de se lembrar de algo. Lembrou de flashes. O vídeo com seu pai, pegar as chaves, ligar o carro. Recordou de sentir uma forte dor no estômago e vontade de vomitar. Pôde até sentir o gosto amargo arranhar a garganta. Lembrou da visão turva que, combinada com a garoa no para-brisa, não a deixava enxergar a estrada. Depois disso, somente uma curva feita em alta velocidade. O monitor cardíaco começou a apitar mais rápido.
***
Jonathan encontrou Daniela o esperando dentro de um Fusca azul. Sorriu imediatamente. "Eu vou ser muito infantil se disser que sempre quis andar em um Fusca azul só para ver a mágica acontecer do lado de fora?", perguntou ao entrar no carro. "Se for assim eu sou infantil, porque eu adoro ver o pessoal se estapear na rua por conta disso", respondeu sorrindo. Ela estava com o uniforme do trabalho, que consistia em uma calça cáqui e uma blusa branca. Seu cabelo estava preso e estava sem maquiagem.
– Me desculpa vir te buscar assim... É que eu estou no meu horário de almoço. Mas eu juro que na próxima vez que nos vermos, eu vou compensar.
– Imagina, você está linda. Uma honra saber que você tirou seu horário de almoço para me ver.
– Eu trabalho aqui perto, então podemos conversar bastante. Onde você prefere ir?
– Você que é a gastrônoma aqui, confio na sua escolha. – sorri.
Daniela sorriu e saiu com o carro. No caminho, Jonathan contou para ela o que aconteceu com Duda. Ela ficou horrorizada, não sabia que tinha sido grave, pensou que ela tivesse sofrido apenas alguns arranhões. Ele preferiu contar tudo no carro para se distraírem no almoço.
Daniela estacionou em um restaurante de comida caseira. Era decorado com objetos vintage, cada mesa tinha um pequeno vasinho com flores naturais. Tinha cheiro de comida de vó. Montaram seus pratos no buffet e se sentaram próximos à janela para sentir a leve brisa que entrava.
Por uma hora conversaram sobre a vida, passado, presente e futuro. Jonathan não gostava muito de falar sobre o futuro, dizia que precisava viver o agora... mas com Daniela o papo era tão leve que ele nem se importou. "Você já me deu a carona, por favor, me deixa pagar a conta", ele insistiu. Ela não negou. Ela precisava voltar ao trabalho. Estacionou em frente ao prédio.
– Está entregue. – sorri.
– Vamos nos ver de novo?
– Claro. Eu disse mais cedo que na próxima vez que você me ver, eu não estarei com esse rosto cansado aqui!
– Então eu mal posso esperar.
Jonathan se despediu com um abraço e a esperou sair. Entrou no elevador leve, sorrindo, fazia um bom tempo que não se sentia assim. Nem o clima pesado da casa o afetava. Se jogou no sofá e encarou o celular. Enquanto pensava se enviava ou não uma mensagem, recebeu uma notificação. "Espero que você tenha curtido o nosso almoço tanto quanto eu!". Finalizou com uma carinha feliz. Tão feliz quanto o sorriso que ele esboçava ao ler.
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Sei que vocês devem estar curiosos com a história de Duda, mas o Jonathan merecia algo de bom depois de tanta coisa ruim, não é mesmo?!
O que acharam? Votem e comentem bastante! ♥
Beijinhos e até segunda!
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