2 - Hereges!
Amanheceu e todos foram tomar café. Todos conversavam sem parar, com exceção de Diego e Duda, que mal se olhavam. Duda só remexia a colher dentro da xícara enquanto olhava para o nada. Jonathan falava sobre a incrível oportunidade de estar ali, que o lugar era lindo e que não queria mais voltar para casa, Gabriela discutia com sua mãe porque queria ir para uma festa e Mônica não queria deixar. Maria organizava a cozinha enquanto tio Pedro cuidava das galinhas. Laura ouviu a conversa de Gabriela e decidiu ajudar.
– Mônica, se quiser, o Jonathan e a Duda podem acompanhar a Gabi nessa festa.
– Ah Laura, a Gabriela não tá merecendo sair não. Toda vez ela sai cedo e chega tarde, chega bêbada, não gosto disso...
– Mãe, deixa, por favor! O Jonathan é responsável! – Gabi se anima na cadeira.
– Mônica, pode confiar. Se não confiar na Maria Eduarda, no Jonathan pode de olhos fechados. E outra, é um dia antes da gente ir embora, leve isso como uma festa de despedida dos meninos.
Mônica aceitou, mas com a condição de que Diego fosse junto como motorista, pois ele conhecia melhor a estrada. Jonathan, Duda e Diego protestaram, este não é o tipo de festa que eles gostavam ou pagariam para ir, mas por fim, aceitaram.
***
Quatro dias se passaram e o dia da festa chegou. Laura estava concluindo suas reuniões na construtora e organizando suas coisas para voltar para casa. Duda e Diego não se falavam desde o dia da discussão. Jonathan seguia na dele. Ele era um rapaz muito bom, porém meio solitário. Não que isso seja algo ruim, na verdade ele apreciava muito o silêncio. Quem o vê agora, não imagina como ele era há dois anos. Vivia saindo, enchendo a cara, beijando várias garotas em uma só noite. Iludindo várias também. Até que um dia ele se apaixonou por uma moça que era exatamente como ele. Saiu tão machucado dessa relação que acabou percebendo quão mal ele fazia para as outras mulheres. Decidiu mudar e desde então vem tentando um novo estilo de vida. Até o momento, obteve total sucesso.
Todos estavam prontos para a festa. A noite estava quente. Gabriela vestia um vestido curto, florido em tons de azul, Duda usava uma blusa branca de alcinha por dentro do shorts preto de cintura alta. Jonathan estava com uma camisa com estampa étnica e calça verde militar, Diego de camiseta toda branca e calça preta. No caminho a briga era para comandar o rádio, cada um queria ouvir uma coisa e no fim, chegaram na festa sem ouvir nada.
Ficaram um tempo na fila até conseguirem entrar. O local era grande, porém abafado. Haviam várias luzes coloridas e o som era muito alto, mal dava para conversar. Gabriela logo tratou de encontrar suas amigas e Jonathan foi conhecer o local. Duda ficou sentada no bar esperando Jonathan voltar. Diego se aproximou e se sentou ao seu lado.
– Ei, está tudo bem?
– Olha só quem decidiu falar comigo... – sorri sarcasticamente.
– Queria acabar com esse clima ruim, hoje é dia de festa, tá vendo? – sorri enquanto aponta para todo o salão.
– Respondendo sua pergunta, não está tudo bem. – sorri.
– Aconteceu algo?
– Sim. Um copo de água aqui é seis reais. Quem paga seis reais em um copo de água?! – diz inconformada.
– Olha, sinceramente, esse não é o tipo de lugar que eu costumo frequentar, mas comparando aos lugares que eu vou, é quase o preço do ouro!
– Então me leva nesse lugar, deve ser quase de graça!
– Conheço um lugar aqui perto, se quiser fugir de todo esse barulho.
– Mas e o Jhonny?
– Tenho certeza que ele vai ficar bem – aponta para Jonathan, que está conversando com uma garota.
Duda sorriu e aceitou o convite. Mandou uma mensagem para Jonathan ficar tranquilo, pois já voltava. Ele visualizou a mensagem enquanto ela ainda estava ali e assentiu com a cabeça. Duda e Diego saíram da festa e caminharam em silêncio por três quarteirões, até chegarem em uma barraca de cachorro-quente.
– Chegamos!
– Uau, que restaurante chique! – Duda sorri.
– Uai, você me disse que queria um lugar barato...
– Estou brincando, aqui está ótimo, pode ter certeza que me sinto melhor aqui do que em um restaurante chique, nem sei usar todos aqueles talheres – ri.
– Acho que é a primeira vez que te vejo rir essa semana. – sorri.
Diego se virou para fazer o pedido: "Dois cachorros-quentes completos. Com purê para a mocinha paulista aqui". Duda sorriu e pegou os refrigerantes. Os lanches ficaram prontos rapidamente e eles se sentaram em uma mesinha de plástico vermelha, daquelas típicas das barracas de rua.
– Eu não entendo a graça que vocês veem em colocar purê. Sério, não faz sentido nenhum. – Diego diz de boca cheia.
– Você não entende, o purê é uma arte. Sem ele tudo fica caindo pelos lados, a gente se suja todo, ele dá a liga em tudo que tem dentro do pão. É a cereja do bolo. E além do mais, é uma delícia. – abocanha mais um pedaço.
– Eu vou te confessar, eu não como cachorro-quente com purê desde criança.
– Como assim?! Ah não, você precisa comer agora mesmo! – oferece seu lanche para ele, que morde um pedaço.
– Hum... É bom... Mas ainda prefiro sem. – sorri.
– Sua boca está suja aqui... – Duda se aproxima para limpar com a mão, mas logo recua, envergonhada. Diego percebe a tensão.
– Me desculpa pelo outro dia tá? – diz baixinho.
– Já passou. – Duda sorri sem graça.
– Não, me desculpa mesmo. Eu fui muito idiota em colocar o dedo na ferida dos outros. A sua dor é algo que não tem nada a ver comigo, não tem porque me meter.
– Fica tranquilo. Eu fiz o mesmo. No fundo você me fez perceber que eu não posso ficar minimizando a dor dos outros porque eu acho a minha a pior dor do mundo.
– Mas ainda assim, eu não tenho esse direito de te machucar. – abaixa a cabeça.
– Ei, levanta essa cabeça, hoje é dia de festa, lembra? – sorri – do que mais vamos falar agora? Comidas polêmicas? O que você acha de quem coloca ketchup na pizza?
– Hereges! – sorri de volta.
Os dois pegaram uma cerveja para cada enquanto ainda falavam sobre comidas. Um tempo depois, discutiam para ver quem pagaria a conta. Por fim, cada um pagou o seu consumo. Decidiram voltar para festa, já fazia um bom tempo que estavam fora. Entraram na festa e Jonathan estava sentado sozinho no bar, sua companhia já tinha ido embora. Gabriela dançava com algumas amigas, sem dar muita importância para os primos.
– Onde vocês estavam? Já estava ficando preocupado!
– Saímos para comer cachorro-quente, você acredita que aqui eles não colocam purê se não pedir?! Absurdo!
– Poxa, nem me chamaram!
– Achamos que você estivesse ocupado com aquela menina. – Diego sorri.
– Ah, a gente conversou, mas só isso. Ela já foi embora, meu celular descarregou e eu nem consegui pegar o número dela. E estava tão entretido no assunto que também não perguntei o seu nome. Mas fazer o quê? Terei outras oportunidades. – sorri.
– Não com ela. – Duda ri.
– Ah, o apoio moral da irmã realista é tudo o que eu preciso! – ri.
Começou uma playlist mais antiga, típica de festa de formatura. Quando começou a tocar Girls Just Wanna Have Fun, Duda se animou e foi dançar. Os meninos ficaram observando do bar.
– O que você fez para deixar minha irmã feliz?
– Dei cachorro-quente. – Diego ri.
– Não, é sério, desde que chegamos aqui essa é a primeira vez que eu a vejo realmente feliz.
– Não fiz nada, mas fico feliz em vê-la bem.
– Ela é uma menina incrível, merece só coisas boas.
Diego concordou com a cabeça enquanto a observava dançar. Parecia que ela faz aquilo desde sempre, tamanha facilidade e leveza. Ela percebeu e o puxou para dançar com ela.
– Duda, eu não sei dançar!
– Nem eu! – sorri – Só segue o fluxo...
Diego ficou parado, todo tímido, vez ou outra arriscando alguns passinhos. Jonathan observava dando risada e foi para a pista dar apoio moral ao primo, por mais que também não soubesse dançar. Já por outro lado, Gabriela dançava como se não houvesse amanhã.
Duda continuava dançando com Diego, que estava todo travado. Jonathan foi buscar algo para beber – menos água. Quem paga seis reais em um copo de água?!
"Moreno, me convidou para dançar um xote
Beijou meu cabelo, cheirou meu cangote
Fez meu corpo inteiro se arrepiar"
Assim que a música começou, Duda puxou Diego pela mão para dançar. Ele reforçava que não sabia, mas ela não se importava.
– Se deixa levar, Diego. É xote, não tem muito segredo. – disse enquanto colocava um braço em volta do seu pescoço.
– Duda, eu não sei nem dois pra lá, dois pra cá.
– Só me segue... – chegou mais perto e conduziu a dança.
Diego passou o braço em volta da cintura de Duda e acompanhou seus passos, não demorou muito e ele pegou o jeito. Jonathan viu e preferiu esperar a música terminar antes de voltar, a pista estava cheia e o seu jeito desengonçado derramaria cerveja em alguém.
– Tá vendo, não foi tão difícil.
– Duda, eu nunca dancei isso! – ri.
– Mas você foi até que bem. Quando for dançar com alguém, já sabe.
– Eu acho que só sei dançar com você. – sorri.
– Imagina, é tão fácil, você tira de letra.
– Você é uma propaganda enganosa, sabia? Toda estilosinha, ouvindo rock, aí chega na balada e dança forró melhor que qualquer outra garota. – ri.
– É porque você não me viu dançar funk! – dá uma gargalhada.
– Eu vou mentir se disser que não fiquei curioso – ri.
– Nem queira, eu danço muito mal! – sorri e vai atrás de Jonathan.
Já eram quase quatro da manhã quando decidiram ir para casa. A festa rendeu alguns contatos a mais no celular de Gabriela. Jonathan seguiu pensando na moça que deixou escapar. Diego e Duda se sentiram bem mais próximos.
Quando chegaram no sítio, todos ainda estavam dormindo. Jonathan, Diego e Duda ainda ficaram conversando na cozinha por um tempo, até que Jonathan decidiu dormir também. O silêncio tomou conta do ambiente, até que Diego quebrou o gelo.
– Gostei de ver você se divertindo hoje.
– Olha, não pensei que me divertiria lá! Mas acredite, a melhor parte da noite foi o cachorro-quente.
– Pensei que fosse eu dançando incrivelmente bem! – sorri.
– Não foi tão mal também – sorri de volta.
Diego riu e começou a improvisar passos de balé enquanto se dirigia à geladeira, fazendo Duda rir.
– Você está com fome?
– Faminta!
Ele revirou a geladeira e encontrou um pedaço de pudim que sua avó havia feito durante a semana. "Se importa de dividir?", perguntou enquanto a apontava uma colher e se sentava ao seu lado. "Claro que não", disse em meio a uma colherada. Diego a observou comer e começou a rir.
– Por que você está rindo?
– Os momentos em que a gente se dá bem é quando eu te forneço algum tipo de alimento – ri.
– Claro que não! E hoje enquanto a gente dançava?
– Você só queria me ver passar vergonha – sorri.
Duda sorriu de volta e pegou mais uma colherada do pudim. Mais uma vez o silêncio se instalou.
– Eu não acredito que vocês já vão embora.
– Passou muito rápido né?
– Sim. E é uma pena.
Neste momento eles não percebiam quão próximos seus rostos estavam, até que um conseguiu sentir a respiração do outro, fazendo com que se afastassem.
– Diego, acho que vou dormir, estou cansada. – sorri sem graça, sentindo seu rosto corar.
– Tudo bem, também vou. Daqui a pouco minha avó acorda também. – se levanta e coloca a travessa vazia na pia.
Os dois seguiram em silêncio para seus quartos, mas antes de fecharem as portas, Diego a chamou.
– Ei...
– Oi?
– Hoje o dia foi muito bom... – sorri.
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Música usada no capítulo:
Nosso Xote - Bicho de Pé
https://youtu.be/hwP14jW2L3U
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