18 - Infelizmente. Literalmente.

          Duda estava encolhida no banco, abraçada às pernas. Jonathan cochilava ao seu lado. Ela encostou a cabeça no vidro, ficou observando o céu e todas aquelas estrelas que ela não conseguiria ver de sua casa. Sentiu algumas lágrimas escorrerem. Chorou silenciosamente enquanto tentava contar as estrelas, uma forma ineficaz de tentar se distrair. Olhou o celular, ainda faltavam seis horas, estavam apenas na metade do caminho. Respirou fundo, engoliu o choro, dormiu.

***

          Diego acordou às cinco da manhã com o vento gelado que passava pelo vão da janela. Esfregava os olhos que ardiam de sono quando se deu conta que dormiu assim que chegou. A luz do quarto estava acesa e ele ainda estava com a roupa da noite anterior. Olhou ao lado do travesseiro e viu o bilhete de Duda. Voltou à realidade.

          Ligou o celular, chegaram várias mensagens de Gabriela: "a mãe mandou você vir pra cá", "não me atende por quê?", "atende o telefone de casa!!". Se deu conta que dormiu tão profundamente que nem ouviu o telefone tocar.

          Abriu o WhatsApp e procurou a conversa de Duda. Será que ela estava acordada? Faltava pouco menos de três horas para ela chegar. "Já estou com saudades", escreveu. Não... Precisavam fingir. "E aí, beleza?", Diego, caramba, assim também não. "Fazendo boa viagem?". Talvez seja cedo demais... Apagou. Desligou o celular, tirou a roupa desconfortável, puxou o cobertor do pé da cama e tentou dormir.

***

          Desembarcaram em São Paulo por volta das oito horas da manhã, estavam exaustos e com frio. Laura os esperava na plataforma. Abraçou e disse estar com saudades ao mesmo tempo que dava bronca por eles não ligarem todos os dias. Pararam para tomar café em uma padaria do bairro enquanto Laura contava as novidades do trabalho.

          Chegaram em casa e Duda foi direto para o quarto, jogou sua mala do lado da porta, fechou a janela e pegou o celular. Alguns minutos e nenhuma mensagem nova. Continuou olhando para a tela do celular, como se isso adiantasse alguma coisa. Não, nenhuma mensagem. Talvez ele estivesse dormindo. Ou talvez não quisesse mandar nada mesmo. Mas ela queria ao menos tentar. "Bom dia, só para avisar que chegamos. Obrigada por nos receber". Finalizou com um emoji feliz. Deixou o celular no criado-mudo e deitou debaixo das cobertas para tentar descansar, mal dormiu, passou a noite observando a estrada.

***

          Diego acordou por volta das onze horas com o telefone tocando. Era Mônica, que gritava do outro lado da linha chamando o filho de irresponsável, dizendo que ele não podia simplesmente sair e não voltar, ainda mais ficar incomunicável. Diego ouviu toda a bronca em silêncio. "Terminou?", perguntou quando Mônica parou de falar. Ela o xingou. "Pode deixar que eu já vou te buscar", concluiu e desligou o telefone. Estava sem paciência para conversar.

          Colocou a mesma roupa que tirou um pouco mais cedo, calçou os sapatos, pegou a chave do carro e saiu. Entrou no carro e instantaneamente se lembrou da crise na noite anterior. Ainda não entendia o que aconteceu. Ligou o rádio em uma estação qualquer, passou no posto de gasolina para abastecer e seguiu para a estrada. Chegou no sítio e Mônica o aguardava furiosa.

          "Bença, vó, bença, vô", cumprimentou os avós. "Deus abençoe, meu filho, e abençoe mesmo, viu, porque olha, sua mãe tá brava!", Maria riu. Diego foi até a sala e sua mãe já estava pronta para começar uma nova bronca.


– Diego, onde já se viu! Você saiu daqui pra levar os seus primos na rodoviária e voltar! E se seu avô passa mal e a gente sem carro aqui? Você fica saindo por aí e esquece da vida, você precisa de mais res...

– Mãe, eu estava em casa, dormindo desde nove horas da noite. – interrompe.

– Isso não é desculpa, eu tentei ligar várias vezes.

– Mãe, chega, por favor.


          Diego deixou sua mãe falando e foi para o quarto arrumar tudo que bagunçou no dia anterior. Viu a roupa que emprestou para Duda no fatídico dia que foram para a casa dele, mas tentou não se distrair com a lembrança. Colocou tudo embolado na mochila e jogou no banco de trás do carro. Foi até a cozinha e Mônica e Gabriela estavam sentadas à mesa para almoçar. Se sentou impaciente ao lado do fogão, mas elas ainda batiam papo e mal tocavam na comida.


– Mãe, eu estou indo. Estou cansado.

– Espera a gente, como você vai embora?

– Minha moto.

– Meu filho, come alguma coisa antes de ir! – Maria diz com voz doce.

– Não vó, obrigado, eu não estou com fome.


          Se despediu dos avós com abraços apertados, entregou a chave do carro para Mônica e saiu em sua moto. Acelerava sem medo da estrada que conhecia tão bem. Gostava de pilotar, a atenção que precisava ter na pista o fazia pensar menos em outras coisas.

          Sentiu seu estômago doer e só aí se deu conta que estava sem comer há mais de dezesseis horas. Estacionou em uma lanchonete de frente para a praça, pediu um pastel de queijo e uma Coca-Cola e ficou observando as crianças brincarem ao redor do chafariz durante a tarde ensolarada de domingo.

Se lembrou de sua infância, seus pais sempre o levavam naquele mesmo lugar para andar de bicicleta, já Gabriela preferia patins. Quando foi que tudo mudou? Quando foi que seu pai simplesmente foi embora? Não se lembrava bem, fazia tanto tempo... Só se lembrava que ele e Gabriela sofreram muito com a ausência dele, mas com o tempo, aprenderam a conviver.

          Pediu mais um pastel e outro refrigerante, embalados para viagem. Atravessou a praça e se sentou debaixo de uma árvore, viu os mesmos velhinhos do outro dia jogando dominó e sorriu. Do outro lado, um casal novinho conversava na mesma mesa que ele ficou bêbado alguns dias antes. Estavam visivelmente tímidos, provavelmente era um primeiro encontro. Ficou horas observando todas as pessoas que passavam por ali, algumas com pressa, outras aproveitando o dia. Um morador de rua bêbado cantava a todo pulmões enquanto recolhia as latinhas dos lixos. Diego terminou seu refrigerante e entregou sua lata para o sorridente senhor.

***

          O tom alaranjado com alguns destaques em violeta tomava conta do céu. Diego se deu conta que estava há muito tempo sentado ali, estava sem celular, nem viu a hora passar. Se levantou batendo a roupa para tirar o excesso de folhas secas, subiu em sua moto e foi para casa. O carro já estava na garagem. Abriu a porta e deu de cara com Mônica e Gabriela assistindo televisão.


– Você não estava cansado? – Mônica diz sem desviar o olhar da TV.

– Ainda estou. – joga a chave na mesa.

– Você saiu uma hora antes de nós e chegou três horas depois de eu estar sentada nesse sofá, Diego.


          Diego não respondeu e foi direto para o banho. Apoiou as mãos contra a parede e deixou a água quente cair em sua nuca, na tentativa de relaxar. Pela primeira vez desde a noite anterior, conseguiu esvaziar sua mente por completo. Não pensava em nada, só sentia as gotas escorrendo em suas costas. Terminou seu banho e foi para o quarto, vestiu uma calça de moletom e deitou em sua cama. Ligou o celular que ainda estava debaixo do travesseiro. Algumas mensagens de Gabriela e de alguns grupos de amigos, várias ligações perdidas de Mônica. A mensagem de Duda chegou. Sorriu antes mesmo de ler.

***

          Duda e Jonathan estavam deitados no sofá assistindo a um episódio repetido de Os Simpsons enquanto Laura cozinhava o jantar. Ambos passaram o dia dormindo, chegaram muito cansados e o clima frio só tornou a preguiça maior. Jonathan foi buscar um cobertor e voltou com o celular de Duda na mão. "Estava vibrando, mensagem do Diego", disse enquanto entregava o aparelho para ela. "Oi! Me desculpa pela demora, passei o dia sem celular. Eu que agradeço por virem. Fizeram boa viagem?".


– Sim, foi tranquila, dormi a viagem inteira. – mente.

– Que bom! Ontem eu vim pra minha casa depois que vocês saíram, dormi da hora que cheguei até 11 horas de hoje.

– Eu disse que sua insônia iria embora rs

– Infelizmente.

– Literalmente.

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Boa tarde meu povo!
O que acharam do capítulo?
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Esse capítulo foi tão curtinho que estou pensando seriamente em postar mais um hoje, o que acham? :)

Beijinhos ♥

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