10 - O problema é ele, não você.

 Alguns dias se passaram e ficou mais difícil para Jonathan suportar o escritório. Renata, a ex de Lucas, era coordenadora do seu setor. Quando soube que Lucas estava namorando sua irmã, passou a descontar algumas frustrações nele. Estava se tornando insustentável. Jonathan, que antes carregava o peso de um chefe que exigia muito com a promessa de uma promoção, agora tinha mais a carga de Renata e sua frustração. Não queria que Duda soubesse para não atrapalhar a felicidade da irmã. Jonathan tinha esse problema de engolir boi com chifre e tudo para não machucar quem gosta.

***

Mais uma semana se passou. Sábado a tarde. Duda disse que levaria Lucas para comer a melhor coxinha do mundo. Ele a esperava no carro, mas ela disse que não era necessário, "é perto, dá para ir andando". Lucas não gostou da ideia, mas, por fim, aceitou. Chegaram na mesma lanchonete de garagem. Duda fez o pedido e se sentaram na mesa de plástico.

– Quando você disse sobre ser a melhor coxinha do mundo, pensei que fosse em um daqueles lugares que saem nas revistas. – Lucas faz cara de desdém.

– Ah, aqui é muito melhor.

As coxinhas chegaram. Duda observa ansiosamente a reação de Lucas, que não esboça nenhuma reação positiva.

– E então...?

– É boazinha.

– Boazinha?! É a coxinha mais incrível que eu já comi na vida!

– Nossa, então você come em lugares duvidosos. Eu fui uma vez em uma coxinharia no Jardins que dá de dez nessa. – sorri, na tentativa de não soar grosseiro.

– Foi com a Renata?

– Como você sabe dela?

– Eu sei, ué.

– Não fui com ela. Aquela mulher é louca. Totalmente maluca.

– Por quê?

– Não quero falar sobre isso. Ela me fez muito mal.

Duda concordou e nem pensou mais sobre isso. Ficou chateada por ele desdenhar do local que ela tanto gosta, mas absteve. Nem todo mundo tem o mesmo gosto, né? Pelo menos Diego concordava que era a melhor coxinha do mundo. Se pegou pensando involuntariamente em Diego e no final de semana que tiveram. Sorriu sozinha. Voltaram para casa em silêncio. Duda precisava se arrumar, ia comemorar o aniversário de um amigo de Lucas em um rodízio japonês. Colocou um vestido preto de manga longa que ganhou de Jonathan em seu aniversário e uma sandália da mesma cor. Estava se sentindo linda. Entrou no carro e Lucas continuou estacionado.

– Troca de roupa. Não vou com você assim. – ele diz com serenidade.

– O quê? Mas por quê?!

– O vestido está muito curto.

– Ah, pelo amor de Deus, Lucas! Você me conheceu com uma saia ainda mais curta! Está poucos dedos acima do joelho!

– Desculpa, Maria, mas eu gosto de você e não quero que ninguém mais te olhe.

Duda saiu do carro batendo a porta. Subiu inconformada. Será que ele tinha razão? Às vezes ele só estava preocupado com ela mesmo, afinal, gostava dela. Sempre demonstrou estar muito apaixonado. Vestiu uma calça preta e uma blusa vinho. Trocou a sandália por uma sapatilha discreta. Estava se sentindo OK, nada mais que isso. Voltou para o carro. "Agora sim! Está linda!", ele disse enquanto deu um beijo estalado em sua bochecha.

Seguiram em silêncio até o restaurante. A mesa estava lotada, várias pessoas bem-arrumadas. Agora ela se sentia horrível. Durante a noite, comeu pouco, interagiu pouco. Só ficou ouvindo as maravilhosas histórias de viagens internacionais, trabalho, vida de casado dos convidados na faixa dos trinta e poucos anos. Até tentou conversar com as namoradas de dois rapazes mais novos que estavam ali, mas elas falavam sobre o novo livro de uma blogueira fitness que ela nem sabia quem era.

O amigo aniversariante perguntou para Duda o que ela fazia da vida. Antes mesmo de poder responder, Lucas disparou "ela ainda mora com a mãe, não trabalha nem estuda. Mas só tem dezenove aninhos, né?". Alguns riram. A esposa do homem mais velho da mesa a olhou com empatia. Aparentava ter cerca de quarenta anos, também não interagiu muito durante a noite e todos os seus sorrisos eram forçados. O jantar acabou e Duda foi dormir na casa de Lucas. Sua mãe confiava nele de olhos fechados. Enquanto ele ficou assistindo televisão, ela foi dormir sem o sorriso que acordou.

No dia seguinte, Duda acordou assustada com Lucas cutucando seu braço. Ele segurava o celular dela na mão e estava visivelmente irritado.

– O que foi?!

– Quem é Diego?!

– O quê? – ainda despertava.

– Quem é Diego?!

– Meu primo, por quê?

– Por que seu primo está te mandando mensagem às três e vinte e sete da manhã?!

– Eu não sei... Por que você está com o meu celular?

– Porque eu ouvi vibrar e quis saber quem era.

– Meu primo, já disse. Dá meu celular aqui! – puxa da mão dele.

– Deixa eu ver a mensagem. – impõe.

Duda vira o celular para Lucas. Diego havia respondido a mensagem que ela enviou há mais de uma semana. Respondeu apenas "Desculpa pela demora haha estamos bem e vocês?".

– Contente? Viu, não tem nada demais. É meu primo! – enfatiza.

– Me desculpa...

– Olha Lucas, assim não vai dar, sério. Eu vou pra minha casa, depois eu mando pelo Jonathan sua blusa que está lá...

– Não, por favor, eu errei, é que eu não consigo me imaginar sem você, aí eu tenho umas crises bestas de ciúme... – seus olhos enchem de lágrima.

– Tá tudo bem.

Duda resolveu dar uma segunda chance. Foi a primeira discussão que tiveram, foi calor do momento. Ela até percebeu que não tinha falado sobre Diego para ele. Se deu conta que realmente Diego havia se tornado um desconhecido novamente. Pediu para Lucas levá-la para casa. Subiu sozinha. Jonathan estava sozinho na sala. Entrou e deitou no colo do irmão em silêncio. Ele não fez perguntas, somente cafuné enquanto assistia televisão.

***

Um mês se passou, Diego e Nicole continuavam se encontrando, mas não rotulavam a relação. Ele pensava cada vez menos em Duda, mas às vezes, inconscientemente, fazia comparações entre as duas. Cada vez que isso acontecia, ele dizia para si mesmo "você é um belo de um filho da puta". Ele realmente se esforçava para a relação com Nicole dar certo.

Era véspera de feriado e ele ligou a convidando para sair. Combinaram de ir em uma pizzaria nova que abriu na cidade. Pediram uma pizza de mussarela. "Por favor, você pode me trazer o ketchup?", Nicole pediu ao garçom. "Ah, não...". O garçom chegou com a bisnaga vermelha. "Não pode ser...". Ela abriu e espalhou por todo o triângulo de queijo derretido. "Não, agora não...". Pronto, mais uma lembrança de Duda para a conta. E mais uma comparação. "Você é um belo de um filho da puta", repetiu mentalmente.

***

Em São Paulo, Duda se sentia a cada dia mais retraída. Postava em seu blog quase que diariamente. Postagens curtas e com fardos pesados. Jonathan percebeu a mudança no comportamento da irmã. Durante o almoço da terça-feira ensolarada, convidou uma colega de trabalho para almoçar. Era Ana, amiga de Renata. Não tinha muito filtro e adorava uma fofoca. Foram até um restaurante por quilo próximo do escritório. Sentaram-se próximo à janela e começaram a conversar sobre o trabalho e a rotina, até que Jonathan abordou o assunto que queria.

– Mas Ana, me diz, eu ouvi que a Renata aprontou com o Lucas, é verdade?

– Nossa, claro que não. Quem te disse isso?

– Eu ouvi lá no setor. Acho que ele que comentou com alguém.

– Esse Lucas é ridículo. Ele que fez merda e joga a culpa pra ela.

– O que ele fez?

– Eu sei que ele namora sua irmã, tá? Vou te contar porque ninguém merece um cara daquele. Uma vez a gente combinou de ir para uma balada, ela foi com ele e eu fui com meu namorado, mas a gente foi embora mais cedo. No meio da noite ele sumiu, quando ela viu, ele estava de papo com uma mulher. Ela já estava muito bêbada e foi brigar com ele, ele deu uns gritos com ela, segurou pelo braço, ficou até marcado por uns dias, ela teve que trabalhar de manga longa. Depois foi embora e largou ela lá, bêbada. A sorte dela foi que eu encontrei uma amiga lá, aí quando ela me ligou chorando, eu pedi para minha amiga levar ela em casa. Ele largou ela lá, Jonathan! A menina estava bêbada, sem condições de voltar sozinha pra casa. Ele ainda procurou ela depois, disse que fez sem pensar, pediu para voltar, mas ela foi humilhada demais, Jonathan, não conseguiu perdoar.

Jonathan ouviu a tudo atentamente. Por dentro tinha vontade de socá-lo até não aguentar mais, por Duda e por Renata. Estava frustrado consigo mesmo. Como deixou sua irmã namorar um cara desses? Agora ela já estava muito envolvida e ele não sabia o que fazer. Por fora, não esboçava reação. Agradeceu Ana por dividir a história com ele. Voltaram para o escritório e ele não conseguia nem olhar na cara do cunhado. O pior é que combinaram uma festinha na casa de Lucas após o expediente e Duda fazia questão que o irmão fosse. Ela não gostava muito dos amigos do namorado.

***

A festa estava rolando, Lucas já estava um tanto quanto bêbado. Duda não estava bebendo, estava sentada ao lado do irmão, que também não bebia. Ela foi até o quarto pegar sua blusa, quando Lucas entrou e encostou a porta.

– Finalmente a sós...

– O que você quer?

– Ué Maria, o mesmo que você! Você veio pro quarto pra isso, não foi?

– Não, eu vim buscar meu casaco.

– Mas eu queria... – diz enquanto abre o zíper da calça.

– Você não quer nada, você está bêbado.

– Mas vai ser rapidinho... – desabotoa a camisa.

– Lucas, eu disse não! – sua voz é firme, porém assustada.

– Você não quer por quê? Tem outro? O outro tá aqui?! – começa a gritar enquanto segura seu pulso.

– Lucas, para de gritar, coloca a camisa, você está bê...

– Se você não transar comigo agora, significa que você não me ama, tá comigo pelo meu dinheiro. – tenta abrir sua blusa.

– Que dinheiro?! Pra mim chega. Sério. Eu tô indo embora.

– Você vai desperdiçar a chance? Você nunca vai encontrar outro cara igual a mim. Nunca vai encontrar um cara que goste de você igual a mim. – segura seu pulso ainda mais forte.

– Para, por favor...

– Essa briga toda é culpa sua, era só colaborar comigo.

– Eu não quero! – grita.

– Você quer sim. Se eu quero, você tem que querer também. – a puxa.

– Você é louco! Louco! E eu tenho certeza que a Renata tem razão para não estar mais com você! Você tem sérios problemas! Eu tenho nojo de você!

– Você é problemática, Maria, ninguém nunca vai gostar de você. Você é quem tem sérios problemas. Vai morrer sozinha.

Duda chorava muito enquanto gritava com ele. Jonathan ouviu e entrou no quarto, viu Lucas sem camisa e com a calça aberta segurando sua irmã pelo pulso. O ódio fez seu corpo tremer por inteiro. Ficou cego de raiva, não pensou duas vezes e atingiu o rosto de Lucas com um soco, que revidou.

"Veio defender a vadiazinha da irmã?", Lucas confrontou. Jonathan empurrou Lucas no chão e atingiu seu rosto repetidamente. Lucas, apesar de bêbado, também acertou alguns socos. Duda, gritava pedindo ajuda. Alguns convidados que estavam próximos ao quarto ouviram os gritos e ajudaram a separar a briga.

O nariz de Lucas sangrava, provavelmente quebrado. Jonathan cortou o supercílio. Apesar de sangrar muito, não precisaria tomar pontos. Com certeza os dois acordariam como o olho roxo na manhã seguinte. Duda chorava desesperadamente. Pegou suas coisas e puxou Jonathan para ir embora.

Lucas gritava para ela sumir da vida dele. Não precisava, ela não queria voltar, nunca mais. Com certeza na quinta-feira ela seria a nova Renata na vida de Lucas: a louca, totalmente maluca, que ele não quer falar sobre, de tão mal que fez para ele.

Chegaram em casa e Laura se desesperou ao ver a situação dos filhos. Sentiu o sangue ferver ao ouvir o relato de Duda e quando Jonathan contou o que descobriu aquela tarde. Como deixou um homem desses entrar em sua casa? Ele parecia tão bom, tão direito. Demonstrava ser tão apaixonado por Duda. Um monstro. Quantas outras será que passou por isso ao lado dele? Abraçou sua filha. Sentiu vontade de abraçar Renata.

***

Duda foi para o banho, sentou no chão de roupa e tudo e deixou a água cair em seus ombros. Se sentia suja. Ficou pensando no que ele disse. E se ele tivesse razão? E se ela fosse tão problemática que isso afastava as pessoas que ela gostava? As lágrimas se misturavam com a água quente.

Finalmente terminou seu banho e foi para o quarto. Jonathan estava sentado em sua cama a aguardando. Ele chorava tanto quanto ela. Se sentia responsável pelo encontro dos dois. Dizia para Duda que se não fosse aquele maldito barzinho, nada teria acontecido. Estava com nojo do colega de trabalho. Não sabia como reagiria na quinta-feira, quando chegasse no escritório. Se antes já não gostava do seu trabalho, agora, passou a odiar mais.

Amanheceu. Duda passou a noite em claro. Lucas enviou algumas mensagens pedindo perdão, dizendo que isso nunca mais aconteceria, para ela dar mais uma chance para eles. Duda não respondeu nenhuma. Ele tentou ligar, ela bloqueou o número. Antes mesmo de levantar, ligou seu notebook e entrou no blog. Precisava desabafar.


O problema é ele, não você.

Ciúme doentio não é fofo. Nunca.

Sexo sem vontade não é prova de amor.

Bebida não altera caráter, não é desculpa.

Exigir que você troque de roupa não é zelo.

Você se anular por outra pessoa não é normal.

Te inferiorizar na frente dos outros não é carinho.

Rir dos seus gostos e menosprezá-los não é engraçado.

Relacionamento abusivo não é só quando tem agressão física.

A ex, muitas vezes, não é louca. Na verdade, já esteve no seu lugar.

Gritos, puxões, marcas, relacionamento entre altos e baixos não é excitante.

Não importa há quanto tempo estejam juntos, dez dias, dez anos, NÃO É NÃO.

Provavelmente eu me tornei mais uma "ex namorada louca".

Por mim tudo bem. Isso significa que eu consegui me libertar.


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Oi gente! Hoje eu não vou pedir voto nem nada, mas sim que vocês leiam isso aqui até o final.

Esse capítulo é um dos mais tensos pra mim.
Sei que o relacionamento da Duda com o Lucas foi uma passagem rápida, mas não foi fácil para mim escrevê-lo, pois ele foi baseado em três pessoas tóxicas e que fizeram mal a mim e a alguém que eu amo. 

Se você identificou seu relacionamento ou o seu parceiro com algum dos itens que a Duda descreveu, não hesite em abrir mão. Você merece mais do que migalhas. Todos nós merecemos.

Se você conhece alguém que está em um relacionamento abusivo, denuncie. Em briga de marido e mulher, meta a colher sim. Você pode ajudar a salvar uma vida. 

Central de Atendimento à Mulher - ligue 180
https://www.mdh.gov.br/mdh/ligue180

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