Nunca Será




Foi uma surpresa quando Makoto chegou um dia na Fukurodani e disse que Mahiru teria um treino aberto no ginásio da cidade, e ainda mais impressionante quando ele conseguiu me convencer a ir com ele. O antigo terceiro anista, que andou ocupado demais levantando a moral do time para a imprensa, parece que não esqueceu sua motivação inicial para começar a limpar a indústria esportiva colegial.

— Achei que seríamos apenas nós dois — o ex-capitão me cumprimentou quando nos encontramos no metrô.

— E ser torturada sozinha? — respondi — Jamais. Sora precisa dessa experiência como vice-capitã.

Minha amiga girou a cabeça reclamando — Título esse jogado no meu colo, você sequer me convidou. Foi só por ser a primeira que aceitou sua loucura.

— Desculpe emburrada — usei o fato dela estar mal-humorada por conta de sono para a provocar —, quer que eu me ajoelhe e faça um pedido formal?

Fiz menção de me abaixar e Sora segurou a minha camisa — Não.

Makoto deu risada e abriu um sorriso — Bom, quanto mais pessoas interessadas, melhor. Já que Sora-chan foi para o nacional também pode ser de grande ajuda.

— Sei por cima o que vocês estão fazendo, mas como exatamente você se envolveu nessa Makoto?

A pergunta foi feita depois que já estávamos no metrô seguindo para o ginásio onde aconteceria o treino, o rapaz que estava de pé na nossa frente manteve os olhos na janela atrás de nós e um sorriso no rosto.

— Mesmo não seguindo na carreira profissional, vôlei está presente em todas minhas memórias favoritas. Só que não foi até chegar no colegial que comecei a ver algumas movimentações que eram além do ganhar e perder — explicou —, nesse ponto. Nada deve superar o esforço de cada time, não importa o quanto de dinheiro que você tem ou influência, quando se está em quadra o que se mede são suas habilidades e nada mais.

Durante toda essa fala mantive o olhar nas mãos cruzadas no meu colo.

— Ano passado vi a partida de vocês com a Johoku, apesar de ser apenas o segundo set. Não entrou na minha cabeça como uma das favoritas podia ter jogado de uma maneira tão pífia como aquela. Era como se de repente todas tivessem esquecido de tudo relacionado a vôlei.

— Nós descobrimos o porquê depois dele — Sora disse —, e depois isso se confirmou no acampamento nacional. Aquela coisinha usando o papai para fazer o que quiser.

Makoto abaixou a cabeça para olhar para minha amiga, e então se afastou para podermos levantar e sair do transporte.

— Gostaria que fosse apenas isso, Sora-chan.

Com um tom de mistério o assunto morreu, e então tive a sensação de que Makoto me chamou parar vir por um motivo além de observar o treino. Havia algo em sua postura que me colocou em alerta, o conheço suficientemente para saber quando está esperando algo de mim. Todos os dias de conversas veladas em relação ao futuro me deixaram treinada para lidar com outras pessoas como ele.

Apesar dele clamar que sou a pessoa mais persuasiva que ele já conheceu, o antigo capitão do time não fica muito longe, embora ele prefira manter seus métodos de persuasão escondidos. Diferente de mim, que muitas vezes uso a fala como modo de convencimento, Makoto diz o que precisa para induzir quem está ouvindo a tirar as conclusões que quer, dando uma falsa sensação de livre-arbítrio.

Pegamos um lugar discreto na arquibancada, e imediatamente percebi algo estranho na atmosfera. Começando por alguns caras engravatados que pareciam estar ali para acompanhar o treino, e segundo porque não tinha outro time para treinar com eles.

Sora, que agora parecia estar livre de todo sono, se inclinou para frente cruzando os dedos na frente do rosto. A testa franzida realçava o olhar severo e o brilho afiado em seus olhos.

— Não sei direito o que está acontecendo aqui, mas não gosto nem um pouco.

— E tem razão para isso — Makoto parece que finalmente decidiu falar —, não é um simples treino. O que vocês estão prestes a ver minhas amigas... É algo inimaginável.

Nesse instante entrou um carrinho com alguns tubos de metal. Veio empurrado por cerca de 3 pessoas de jaleco e quando eles foram virados para nós, meu corpo reagiu por impulso. Minha coluna ficou reta, os ombros se levantaram no susto e o rosto se voltou para Makoto que não parecia tão surpreso quando eu. Eram braços mecânicos acionados por um mecanismo autônomo que quando posicionados do outro lado da rede emulam a posição, e, além disso, a movimentação de um bloqueio.

— Que porra é essa? — Sora comentou em voz alta.

— Uma reunião de negócios aberta — disse o estudante de jornalismo — se lembrem que eu disse ser um treino aberto, não disse ser da Itachiyama. Esse provavelmente é o cerne de toda a sujeira que está revolvendo perto da Fukurodani.

— É um ciclo de interesses, o pai de Mahiru realmente é um grande entusiasta do esporte, mas pelos motivos errados — o rapaz tirou a câmera da bolsa e então — ele investe e faz propaganda vendendo soluções para o exterior. Nisso ele usa a filha de propaganda para promover isso como um caso de sucesso.

Escutei alguns cliques da câmera — O único problema é que esse reconhecimento que caí em cima dela, é falso e completamente manipulado por dinheiro. Mas é claro que vocês já sabem disso.

— Isso é inacreditável, como ninguém interferiu? Não tem ninguém para ver isso?

— Quando você faz as coisas erradas precisa saber esconder muito bem Sora — Makoto respondeu —, está vendo uma marca? Um uniforme? Até onde sabemos, isso pode ser um teste de usuários com simulação. E sobre as oportunidades compradas, nada que um jantar num restaurante caro e uma conversa cheia de saquê não resolva.

Passei as duas mãos na cabeça jogando os fios de cabelo para trás, o problema era muito além da implicância de Mahiru comigo, havia muitas camadas além de uma briga de escola. Sua relação comigo pode ser motivada por um sentimento infantil e parvo, mas o pai parece estar usando dessa problemática como combustível para os próprios negócios.

Olhei para o chão — Você não está brigando só com um patrocinador Makoto, está ameaçando um ecossistema corrupto e poderoso. Esse tipo de gente não deixa pontas soltas.

— É por isso que estou procurando os erros, sabe melhor do que eu quando alguém pensa estar no topo do mundo, coberto de arrogância, é mais propício a falhas. O fato de Mahiru tentar manipular o cenário mais do que o pai controla pode ajudar.

Me ajustei na cadeira e cruzei os braços, girando os ombros sentindo a pressão se construir.

— Você não me convenceu a vir aqui só para isso — afirmei seguindo com os olhos cobra que se arrastava na quadra, rindo com jogadoras que provavelmente passavam mais tempo acariciando seu ego e a tratando como uma rainha do que realmente interessadas no jogo.

Ele não teve tempo de responder, e não foi necessário.

Independente dos motivos psicológicos que minha mãe dava para explicar as atitudes de Mahiru, tudo que surgiu no meu interior foi ódio. Borbulhou do centro do meu corpo, me forçou a travar os dentes e apertar os punhos a ponto de sentir as unhas raspando a pele — ainda que fossem curtas —, tive a urgência de virar o pescoço e respirar fundo. Colocando o braço na frente de Sora e a impedindo de se levantar e fazer qualquer coisa.

— Essa vagabunda não tem limites! — reclamou puxando os fios curtos com tanta força que quase que seu piercing da orelha foi junto — [Nome] é o seu ataque com a mão esquerda, é a sua postura.

— Não sou cega estou vendo, não podemos fazer nada aqui.

Foi então que Sora percebeu que eu estava tremendo, de raiva. Sentimentos muito fortes despertam nas pessoas a sensação de nem saber os descrever. O que surgiu no meu peito ao ver Mahiru reproduzir o ataque, que passei meses aperfeiçoando para usar em quadra, ultrapassou as barreiras da linguagem, algo tão grotesco e primordialmente selvagem que se traduzido em imagem seria o mais perverso dos monstros.

Minha amiga segurou meu pulso e em seguida a minha mão a apertando com força.

— Ela é o que é, uma cópia barata que precisa de atenção para mascarar a falta de talento — ralhei —, mas Hibiki-sensei sempre diz que um vaso forte leva tempo para ser moldado.

Um riso venenoso puxou os cantos da minha boca de maneira insana — Ah! Vou esperar ansiosa o momento de despedaçar Mahiru com tudo que tenho. Morder a língua e morrer afogada com o próprio veneno.

— Mantenha o sentimento — Makoto virou a câmera para mim — porque tem mais coisa que elas roubaram de vocês.

Nossas movimentações de bloqueio foram programadas nos robôs, nossas táticas de quadra reproduzidas pelas jogadoras de testes que estavam em quadra, e a cereja do bolo foi aquela garota tentando reproduzir meus ataques de mão esquerda.

— Suponho que seja inteligente da minha parte me manter longe — comentou o futuro jornalista quando finalmente acabou o treino.

— Nunca esteve tão certo — rebati —, poderia apenas ter falado.

— Não teria tanto impacto.

Realmente. O que o antigo capitão fez, não acendeu o fogo em nós, e sim criou o próprio inferno.

E como toda boa história, não poderia ter um final diferente do que encontrar com o diabo.

— Oh! Não acredito, as espartanas vieram ver meu treino, não pensei que estivessem com tanto medo assim. Até me sinto envergonhada de ter as favoritas olhando para mim.

— Realmente você devia ter vergonha — Sora deu um passo para frente —, de existir.

— [Nome] — me chamou ignorando Sora por completo —, ainda se esconde atrás de outras pessoas? É essa a ace nacional injustiçada?

Sarcasmo, provocação, uma sede por briga com tons ácidos empesteou aquele pequeno trecho de corredor dentro do ginásio, criando uma narrativa mais do que sangrenta. Um silêncio profundo como se dois exércitos estivessem se encarando esperando o primeiro grito para se lançar um no pescoço do outro.

A ameaça pairava, resquício dos passados se faziam se fantasmas e os demônios esperavam uma oportunidade para reivindicar minha alma e levar para a mais funda solidão, um palco dramático onde o único holofote ficava bem acima da cabeça de Mahiru.

Lentamente a risada surgiu na minha boca, nasceu pequena e se tornou uma gargalhada que trouxe lágrimas aos meus olhos. Se é o que estava pedindo, ela o teria.

— Me esconder? Talvez eu deveria, só assim para você não copiar as minhas jogadas — coloquei a mão no ombro de Sora e a puxei para tomar a dianteira —, já suspeitava que era burra, mas não tanto.

Me aproximei usando o cenário de luz criado pela garota para o envolver com as minhas sombras.

— Pobre Itachiyama, a capitã precisa copiar jogadas e esquemas de outro time para ser alguém.

Mahiru riu confiante, apesar das garotas atrás dela não parecerem tão certas disso, mantendo sorrisos forçados nos rostos a medida que meus passos seguiam com ameaças.

— E você inventou o vôlei agora? Peça para a mamãezinha olhar essa sua cabeça — debochou —, deve ter algo de errado aí dentro.

— Ah Mahiru, nunca achei que fosse me elogiar! Ouviu isso Sora jogo tão bem que parece que eu inventei o vôlei — me virei teatralmente ainda mantendo a curva nos lábios fazendo do momento, o meu monólogo —, mas não é isso. Explico para sua mente ignorante, já que sou tão benevolente e mamãe me ensinou a não julgar os idiotas.

— Times tem estilos de jogo, ainda que a jogada seja taticamente a mesma ela terá uma assinatura diferente — me inclinei, agora sem riso. A voz séria ecoando de uma máscara de indiferença onde a língua estava enluvada por veneno — Não importa o que você faça, o que diga... Nunca será eu, nunca terá o que tenho, nunca terá um time como o meu. Nem nessa vida, nem numa próxima.

Foi a primeira vez que me aproximei tanto de Mahiru, olhando fixamente nos seus olhos, mantendo os braços para trás para evitar qualquer mal-entendido e acabar expulsa por agressão. Sabia que Makoto estava com a câmera servindo de apoio e principalmente testemunha.

— Sim, vim ver o treino, mas quem foi que veio correndo atrás assim que terminou? Como a cadela que é? Eu disse uma vez, você não me interessa enquanto estiver no chão, o seu "capitã" é só um título bonito para esconder a incompetência.

Ela tentou avançar em mim, mas foi parada pelas garotas que a acompanhavam e que pareciam ser um pouco mais inteligentes.

— Isso mesmo, encosta — dei a cara para ela —, coloca um dedo em mim para não ver se não é expulsa do torneio. Mostre a verdadeira face, a que não aguenta a verdade, a de ser uma farsa. Uma capitã que acha que é melhor que todo mundo e controla o time para estar sempre debaixo do holofote, afinal foi isso que você fez no fundamental não foi? Mentiu para todos me tirando do time, e o meu crime foi simplesmente ser melhor.

— Vou acabar com você e essa desculpa de time que chama Fukurodani — ela disse enquanto segurada pelas colegas — você vai implorar para ter meu perdão. Eu vou acabar com a sua vida de todas as maneiras possíveis. Eu costumava achar que você era inocente, manipulável, mas só é estúpida mesmo.

Coloquei o indicador na bochecha olhando para o teto fingindo pensar — Engraçado, fala das minhas garotas, mas não te vi nos últimos nacionais. É difícil conseguir algo quando não se pode comprar a vaga, não é mesmo? Mas continue fazendo seu papel de boba, se tem algo que você sabe fazer melhor que eu, é isso.

Me virei para ir embora enquanto os gritos histéricos me chamavam com palavras baixas, mas parei quando me lembrei de dizer uma última coisa.

— E por favor, mantenha os olhos bem abertos, vou te mostrar como se faz um ataque de esquerda verdade.

Sora abriu um sorriso e colocou o braço em cima do meu ombro, não aguentando e virando para trás para fazer uma careta. Makoto aproveitou o momento para fazer registros que provavelmente iriam para sua próxima matéria sobre o time.

— Após esse encontro acalorado, o capitã da Fukurodani diz sobre o sequestro de estratégias de jogo? — ele apontou o celular para mim, gravando a resposta — E como planeja superar essa crise?

— A resposta é só uma — afastei seu braço e troquei um olhar com Sora —, lutar.









N/A: MA GIRL IS ON FIREEEEEEEEEEE

Acabou a boiologem. Agora é sangue mané!

Obrigada por ler até aqui!

Até mais, Xx!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top