— Demônios, é isso que vocês são.

— Não diga isso, Akinori, não foi você que sempre disse querer ter o treino do time feminino?

Eu sequer tinha forças para responder, em certo ponto deitei no chão da quadra dos garotos contemplando a minha existência, ou no caso, o sumiço dela.

Dan assumiu alguns dias no ginásio masculino enquanto o treinador Yamiji tirava alguns dias de descanso. Isso não necessariamente significa que nossa rotina ficou mais tranquila. Chie montou todo um projeto para aprimorar habilidades de decisões em quadra, e também alguns movimentos novos. Não tão diferentes do que estamos acostumados, mas o suficiente para tirar do eixo as adversárias que estudaram nosso estilo de jogo pelos últimos dois anos. E claro que não acaba por aí.

Todos os dias, após ter a mente já exausta e o corpo na metade do caminho, colocávamos essas novas práticas em jogos completos de três sets. Alguns deles entre nós, outros com os garotos. Hoje é um desses dias.

Com ambos times no momento de pausa, pequenos momentos de implicâncias podiam ser ouvidos de todos os lados. Majoritariamente proporcionado pelos mais velhos, de ambos os times, o restante prefere repor as energias descansando do que discutindo.

De repente, me sentei com as costas contra a parede, meus olhos estavam focados na garrafa de água em minhas mãos, ignorando toda a visão ampla do ginásio e suas cenas. Raspava a unha contra a textura da tampa, completamente em silêncio.

— [Nome]-senpai, está tudo bem? — Akaashi se aproximou educadamente.

Ergui a cabeça com um leve sorriso, achando o ato de preocupação do vice-capitão fofo, indiquei para que se sentasse ao meu lado e respondi.

— Sim, estou apenas colocando alguns pensamentos no lugar — apontei para a cabeça —, por que Kaashi? Parece que tem algo de errado?

O garoto juntou as mãos na frente do corpo e olhou para baixo por um instante — Parece afastada do time, apesar da dinâmica em quadra continuar ótima como sempre.

— Está certo sobre isso. Depois de tanto tempo juntas, elas sabem dizer quando preciso de um momento — e rapidamente continuei —, isso não quer dizer que sua presença é indesejada. Só tivemos algumas mudanças nos últimos tempos, você é o primeiro dos garotos a se preocupar com isso.

Sua cabeça se virou na direção do capitão, que parecia envolvido numa discussão com Sora, Keiko e Washio sobre bloqueios com um questionamento escondido.

— Pode parecer que não, mas ele é surpreendentemente perceptivo em alguns aspectos específicos. Não brigamos nem nada do tipo, é com isso que estava preocupado não é?

Suas bochechas se tingiram de vermelho, afirmando que minhas suposições estavam corretas. Soltei uma das mãos da garrafa e a levantei para seus cabelos, afagando de leve.

— Obrigada por sua gentileza Kaashi — agradeci

— [Nome]-senpai, se torna mais brilhante quando está confiante — confessou.

Dan apitou avisando o fim do período de pausa, coloquei a garrafa de aceitei a ajuda do segundo anista para levantar. Joguei o braço em cima de seus ombros e sorri.

— Vou voltar a mostrar meu lado legal em breve.

— Vou esperar ansiosamente.

Os treinadores juntaram os times, dizendo ser o último jogo do dia, girei os ombros aliviando a tensão e em seguida o pescoço. Pulando duas vezes para me aquecer, Chie me colocou para começar no saque, então fui direto para a minha posição.

Na linha da frente estavam Keiko, Chizue e Chiasa, Sora estava na rotação com Aya e aina tinha Aki me dando apoio. Respirei fundo vendo que Dan manteve a formação original do time dos meninos.

— Capitã, bom saque!

O apito soou, bati a bola duas vezes no chão e me preparei.

Komi fez a recepção apesar de ser um saque forte, Bokuto veio pela direita já com um cruzado poderoso depois de um levantamento preciso de Akaashi. Aya recebeu a bola um pouco torta, mas foi o suficiente para fazer o contra-ataque. Chia se posicionou e mandou a bola para Kei que deu de cara com o bloqueio dos garotos.

Ela conseguiu fazer com que a bola batesse, mas a linha de trás estava bem posicionada para recuperar a jogada. Akaashi retomou o levantamento com maestria, dessa vez escolhendo Konoha como alvo do primeiro ponto do set.

Porém, com essa rotação, fica um pouco difícil para eles marcarem na linha de fundo. Apesar de Emi ser extremamente ágil em suas respostas, Aya por ser uma jogadora há mais tempo tem um controle meticuloso dos seus passes.

Keiko que estava posicionada próxima à linha lateral direita, se posicionou para fazer o levantamento. A primeira mudança significativa de da treinadora Atena, todas precisam fazer bons levantamentos, e as atacantes precisam se adequar a todos eles. A quebra de ritmo pelas inúmeras variações pode ser um modo eficiente de angariar pontos.

Enquanto numa jogada ensaiada pontuamos pela técnica, numa jogada espontânea pontuamos pelo ritmo.

— Boa cravada Chiu — bati a mão na dela comemorando o primeiro ponto e voltei para o saque.

Passei a bola de uma mão para a outra, hábitos de saque foi o segundo item trabalhado. Existe vantagem na aleatoriedade, todos temos manias que parecem imperceptíveis, mas que quando analisadas pelos adversários podem os colocar em vantagem.

O tipo de saque a se esperar é uma delas, é um pouco difícil já que nos deixa mais conscientes sobre os movimentos do corpo. Mas se é para criar uma chance, vamos usar de todas as artimanhas possíveis.

Por eu conseguir sacar com ambas, os olhos dos garotos estavam atentos em qual mão minha a bola iria parar. Mesmo que soubessem, seria difícil dizer qual seria o estilo de saque, mesmo para a esquerda.

Mantive a bola mexendo até o apito e então, joguei a bola com a mão a direita escolhendo atacar com o meu saque canhoto. Um passo para trás foi o que trouxe o segundo ponto para nós, pois o saque foi fraco caindo logo depois da rede.

Cruzei o olhar com Dan por um momento, lendo em seus olhos "saque nojento", respondi com um sorriso dizendo "você que deu a ideia".

No meu terceiro saque perdi a sequência, mas no fim levamos o primeiro set. Como Chie sempre diz, a surpresa é um elemento importante para sair na frente, mas é difícil de o manter num jogo de alto nível. Pois os adversários também treinam para ter uma alta taxa de adaptabilidade.

Nesse quesito, perdemos o segundo set para a força e a consistência de um time que está jogando junto na mesma formação a mais de uma temporada.

Para o terceiro set, nossa deusa da sabedoria escolheu mexer com a resistência. Tudo que acontece fora da quadra também é um fator importante, e se possível deve ser aproveitado. Os garotos tiveram um treino mais pesado do que o nosso, se conseguirmos estender sua fadiga podemos encontrar as brechas para pontuação.

Afinal, resistência é um ponto forte do time de vôlei feminino da Academia Fukurodani.

Essa questão nos manteve na frente do 15° ponto em diante, uma vez que com a recepção fortificada os rallys se tornaram mais longos. Todo o treinamento físico prévio começou a cobrar dos garotos durante a sua performance.

Aos 23 pontos, Chie pediu tempo.

— Saru e Konoha estão cansados, lentos, usem eles como alvos. Esse tipo de fadiga não deve acontecer num jogo oficial, mas situações diferentes criam oportunidades diferentes. Usaremos em nossa vantagem, sem misericórdia.

Coloquei a mão na minha frente — Fukurodani!

— Fight!

— Fly.

— High!

Abaixamos as mãos e voltamos para a quadra.

Dan deu alguma instrução para explorar a linha da frente, logo no retorno, Washio conseguiu o ponto cortando para baixo achando o espaço entre as duas linhas de jogadoras.

— Droga — resmunguei apoiando a mão no chão para levantar, já que não consegui chegar para salvar.

— Falta pouco — Sora bateu duas palmas —, vamos recuperar.

Franzi quando vi que Bokuto estava no saque. Senti a pressão cair na quadra e seus olhos ficarem em mim, não é sempre que nos enfrentamos diretamente assim. Finquei os pés nos chão e respirei devagar, joguei o cabelo para o lado, esperando a bomba.

— Bokuto, bom saque!

Como esperado, ele mirou em mim. Precisei usar o equilíbrio para compensar a força, não cheguei a cair, mas fiquei atrasada para atacar. O que não é um problema ao ter pontas excepcionais.

Komi-yan recebeu o ataque gritando a plenos pulmões, e foi acompanhado por Bokuto que pediu o ataque para Akaashi. Keiko ainda conseguiu reagir rápido o suficiente para tentar bloquear o ataque de fundo. Já que foi repentino e estava mais baixo do que o comum, porém ele bateu em seus dedos e voou.

Como tudo que treinei esse ano, o controle sobre os meus pés ainda é uma constante. Corri para buscar a bola, dei um passo perfeito e quando estiquei a perna para manter a bola em jogo, o meu esperado momento de vitória sobre essa nova habilidade...

Não aconteceu.

A bola rebateu vindo diretamente para o meu rosto, senti como se o capitão tivesse cortado diretamente em mim e desnorteada pela dor me curvei para frente. Sentindo também o rosto esquentar pela batida.

— Fala sério, já está na hora de desistir de usar suas pernas para fazer algo que não seja pular e se mover — Sora alfinetou com uma risada.

Mantive a mão na frente do rosto e me levantei, com duas solitárias lágrimas no canto dos meus olhos — Não vou fazer isso.

— Sangue! — Amano-kun gritou quando afastei a mão, as gotas vermelhas que estavam contidas escorreram manchando não só a frente das minhas vestes, mas também o chão. O líquido vermelho escorreu pelo meu lábio e imediatamente eu tentei cobrir de novo, surpresa pela batida ser tão séria.

O nosso gerente rapidamente correu estendendo uma toalha. Dan paralisou o jogo e logo havia uma roda envolta de mim, apesar do sangue sair de mim, havia alguém muito mais em pânico do que eu.

— [Nome]! — um Koutarou pálido segurou meus ombros — Por favor, não morra!

Se meu rosto não tivesse já inchado eu teria sorrido, segurei a toalha contra o nariz com uma mão e com a outra peguei sua mão trêmula e a puxei do meu ombro.

— Não vou morrer.

— E for algo mais sério! Como um alienígena, ou um parasita!

Daniel empurrou a cabeça dele para o lado — Pare de assistir filmes de terror.

O riso veio espontâneo, mas reclamei de dor logo em seguida, Dan pediu para eu tirar a toalha do rosto em seguida fazendo algumas perguntas.

— Parece que não quebrou, vamos encerrar aqui e-

— Não! — interrompi com a voz nasalada. — O time consegue continuar sem mim.

Um brilho afiado passou nos olhos de Chie, em seguida as garotas se encararam.

— Vou buscar gelo — Kaori, a gerente dos garotos disse correndo em seguida.

Dan não contestou uma segunda vez, engoliu seco e se virou. Se ele não confiasse no time nesse momento, apesar de estar emprestado para os garotos, a confiança que construímos seria abalada.

— 5 minutos e retomamos — ele apitou o ponto —, 21 para os garotos, 23 para as garotas.

Me sentei na lateral, e logo o gelo veio. O sangramento parou, mas a dor ainda continuou, apesar de estar com as mãos manchadas, permaneci até o fim do jogo que acabou com a nossa vitória.

— Não é à toa que você é a melhor — Chie me elogiou colocando a mão no meu ombro, em seguida falando numa voz mais baixa. 

— Bom trabalho, capitã.

N/A: Primeira do ano! Obrigada por ler até aqui!

Até mais, Xx!